Avanços e lacunas na captura de CO2 no Brasil


Em 2024, o Brasil tornou-se pioneiro na América Latina ao adotar legislação específica sobre atividades de captura de dióxido de carbono – CO2, seu transporte e estocagem geológica. O marco legal, instituído pela Lei nº 14.993, de 8 de outubro de 2024 – denominada Lei do Combustível do Futuro, representa avanço importante para viabilizar a atividade no País e pode aumentar a confiança de potenciais investidores.

O marco legal prevê que empresas interessadas devem requerer autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para exercício das atividades. A autorização terá prazo de 30 anos, prorrogáveis por mais 30 anos, se cumpridas eventuais condicionantes. Em caso de relevante interesse público, o Poder Executivo poderá alterar esse prazo.

A ANP também será responsável pela regulamentação e fiscalização da atividade, que deverá ser exercida por empresa (ou consórcio) com sede e administração no Brasil. Ainda se aguarda regulamentação, mas a lei estabelece diretrizes básicas e antecipa algumas obrigações do operador autorizado de estocagem geológica de CO2, incluindo a necessidade de realização de inventário de armazenamento e de vazamento de CO2 para fins de obtenção de certificação de crédito de carbono.

Os créditos de carbono gerados pela atividade serão componentes essenciais na análise econômico-financeira de futuros projetos. Estes créditos poderão ser negociados tanto no mercado de carbono voluntário, caracterizado por maior volatilidade, quanto no mercado regulado, que será estruturado a partir da recém sancionada Lei nº 15.042, de 11 de dezembro de 2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE).

Ao longo do ano de 2024, já houve importante avanço no desenvolvimento de instalações destinadas à captura e estocagem de dióxido de carbono (carbon capture and storage, ou CSS) ao redor do mundo. Dados recentes do Global CSS Institute apontam 50 unidades em operação e 44 em construção – com concentração expressiva na América do Norte e Europa. A expansão é impulsionada por investimentos e programas governamentais diversos, fortalecidos por novas regulamentações e parcerias internacionais.

Excetuando as iniciativas pioneiras da Petrobras nos campos do pré-sal, onde o CO2 é reinjetado para otimizar a produção de petróleo, o processo de captura e armazenagem de carbono ainda é incipiente no Brasil. A PUC do Rio Grande do Sul inaugurou em novembro último um equipamento que realiza a captura direta de CO2, sendo a primeira iniciativa nesse sentido na América Latina. Outro projeto piloto, que utiliza zeólitas (minerais de estrutura porosa) para adsorção de carbono, está em desenvolvimento pelo Centro Tecnológico SATC, em Criciúma/SC, em parceria com empresas e outras instituições de pesquisa do País. 

Para uma evolução mais firme dessa atividade no Brasil, além da legislação específica já aprovada e da sua regulamentação, são necessários incentivos adequados, como o desenvolvimento de um mercado mais consistente pelo lado da demanda. Sem mecanismos adequados de mercado e políticas de incentivo, as atividades de captura de dióxido de carbono podem ter alcance limitado, potencialmente comprometendo os objetivos ambientais e econômicos da política pública que as originou.

A tecnologia de captura é considerada complementar para alcançar as metas de emissões líquidas zero (Net Zero Emissions). Sua aplicação é vista como particularmente útil para compensar as emissões de setores industriais que dependem fundamentalmente de combustíveis fósseis em seu processo produtivo ou onde a eletrificação enfrenta barreiras técnicas ou econômicas significativas. 

Seja como for, a legislação poderia ter estendido tratamento mais favorável aos créditos de carbono gerados pelas atividades de captura e estocagem geológica de CO2, criando-lhes, como já mencionado, um mercado pelo lado da demanda, como fez nos demais programas instituídos pela mesma lei. 

Um exemplo disso é o Programa Nacional de Combustível Sustentável de Aviação (ProBioQAV), que exige dos operadores aéreos a redução das emissões de gases de efeito estufa, associada ao aumento da utilização de combustível sustentável de aviação. Outro exemplo é o Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV), que estabelece participação volumétrica mínima de diesel verde no diesel comercializado ao consumidor final. 

Ambos os programas incorporam mecanismos regulatórios que criam demanda garantida através de metas percentuais (no caso do ProBioQAV, crescentes) claras de utilização de combustíveis renováveis. O modelo confere previsibilidade ao mercado, dando sinais claros para o seu planejamento, e estimula investimentos para seu atendimento, ao proporcionar relativa segurança para expansão da capacidade, incentivo à pesquisa e desenvolvimento, etc.

A geração de demanda para eventuais créditos de carbono oriundos das atividades de captura e posterior estocagem geológica de CO2 poderia ainda aproximar-se do mecanismo implementado no mercado de créditos de descarbonização (CBIOs), instituído pela Lei n° 13.576, de 26 de dezembro de 2017, que estabeleceu a Política Nacional de Biocombustíveis (RenovaBio). 

De acordo com o RenovaBio, os distribuidores de combustíveis devem ter metas de descarbonização que devem ser cumpridas, prioritariamente, com a aquisição de créditos de CBIOs emitidos por produtores ou importadores de biocombustíveis autorizados pela ANP, sob pena de multa. Também neste caso, o modelo regulatório funciona como indutor da atividade traduzida na criação de demanda de forma estruturada.

O Governo Federal poderia ter lançado mão de outros fatores indutores da indústria, além da inserção da atividade na rota das políticas públicas de emissões setoriais. A experiência internacional oferece diversos modelos, a exemplo do robusto sistema de créditos tributários, implementado pelos Estados Unidos, das linhas diretas de financiamento público para projetos dessa natureza estabelecidas pela Austrália, e da regulagem de preço adotada pelo Canadá.

Em relatório produzido em abril de 2024 sobre a Implementação do Marco Regulatório no País, a Superintendência de Tecnologia e Meio Ambiente da ANP estimava um ciclo regulatório médio de pelo menos dois anos. Até lá, tais discussões devem vir à tona com maior intensidade e serão determinantes para a efetiva viabilização dessa atividade no País de maneira sustentável.


Artigo originalmente publicado na editoria Opinião do jornal Valor Econômico 


Imagem: Brett Sayles/Pexels


Autores L&S

Alexandre Ditzel Faraco

Alexandre Ditzel Faraco

Sócio
Erickson Araújo Santana Oliveira

Erickson Araújo Santana Oliveira

Sócio

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