Indisponibilidade de bens em cautelares do TCU e limites impostos pelo Judiciário: balanço e perspectivas

O Tribunal de Contas da União (TCU) pode determinar medidas cautelares de indisponibilidade de bens em desfavor de particulares. Foi o que decidiu o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do mandado de segurança nº 35.506/DF (MS 35.506/DF), que confirmou o entendimento externado em decisões monocráticas de ministros da Corte Isso não significa, contudo, que o STF referendará toda e qualquer constrição de bens determinada pelo TCU.

Para resguardar eventual e futura recomposição dos cofres públicos, a Lei Orgânica e o Regimento Interno do TCU autorizam o manejo de medida cautelar de indisponibilidade de bens dos supostos responsáveis pelos prejuízos ao erário, pelo prazo de um ano. As decisões cautelares do TCU normalmente se fundamentam na presença de (a) probabilidade do direito e (b) receio de lesão ao erário, ao interesse público ou risco em se aguardar a decisão final. Esse risco é em alguns casos simplesmente presumido, isto é, dispensa-se a demonstração de indício de dilapidação patrimonial ou de outra medida que implique futura inviabilização do ressarcimento ao erário.

Há relevante controvérsia quanto a se a indisponibilidade cautelar pode ser decretada só em desfavor de agentes públicos. Isso porque (a) interpretação mais literal da Lei Orgânica e do Regimento Interno do TCU indica que a cautelar seria oponível a quem também puder ser afastado temporariamente de sua função (isto é, agentes públicos) e (b) somente o Poder Judiciário teria poder geral de determinar ordens cautelares. Não obstante, acompanhando movimento de maior protagonismo de órgãos de controle no combate à malversação de dinheiro público, o TCU passou a determinar a indisponibilidade de bens de particulares – em alguns casos, até mesmo com desconsideração da personalidade jurídica em desfavor de grupos econômicos e de sócios, acionistas e administradores.

Essas medidas costumam ser referendadas pelo STF, quase sempre por decisões monocráticas. Exceções existem, é claro. É o caso do posicionamento liminar e do subsequente voto do ex-Ministro Marco Aurélio no MS 35.506/DF, o qual ficou vencido no julgamento pelo plenário.

O julgamento foi iniciado em 2020 e, em razão de pedidos de vista, se encerrou somente em 7.10.2022. Apenas o então relator votou por restringir o alcance das ordens de constrição do TCU. Todos os demais Ministros que participaram do julgamento referendaram em alguma dimensão a postura mais ativa do TCU para resguardar o erário. O Ministro Nunes Marques, apesar de referendar a atuação do TCU, entendeu não estarem presentes no caso concreto os requisitos para a constrição de bens, entendimento este que também ficou vencido. Não participaram do julgamento os Ministros Luis Roberto Barroso e André Mendonça.

Portanto, com a conclusão do julgamento, a Corte ratificou o cabimento da indisponibilidade de bens também contra particulares. Esse entendimento, contudo, não representará carta branca ao TCU. Decisões anteriores do STF, embora também ainda não pacificadas, impõem certos limites às ordens de indisponibilidade.

Por exemplo, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes, a maioria da Segunda Turma já se manifestou pela impossibilidade de renovação da medida constritiva com fundamento nos mesmos fatos quando decorrido o prazo de um ano. Esse precedente já fundamentou decisão monocrática do Ministro Ricardo Lewandowski em sentido semelhante1. Em sentido diverso, uma ordem cautelar poderia ser renovada mediante demonstração de sua necessidade e da complexidade das questões envolvidas na investigação2.

O STF também já suspendeu ou restringiu medidas constritivas quando as reputou capazes de (a) gerar prejuízos irreparáveis ao alvo de investigação, (b) inviabilizar a subsistência dos indivíduos supostamente envolvidos na malversação de dinheiro público, ou (c) colocar em risco a integridade de companhia e a preservação de suas atividades empresariais. Ainda, em casos envolvendo recuperação judicial, a Corte tem reconhecido a competência do Poder Judiciário, mais especificamente, do juízo responsável pela recuperação, para analisar todos os atos que impliquem restrição patrimonial da empresa, inclusive ordens de indisponibilidade de bens determinadas pelo TCU.

O entendimento proferido no MS 35.506/DF não será vinculante em outros processos, mas, por se tratar de decisão do Plenário, representará precedente relevante que tenderá a pautar decisões futuras dos próprios ministros do STF, de outros tribunais do Judiciário e do TCU. Vale notar que o único posicionamento contrário à decretação de indisponibilidade de bens de particulares veio de Ministro que já não mais integra a Corte.

Para garantir maior segurança jurídica àqueles que contratam ou que pretendem contratar com a administração pública, é importante que o STF pacifique também sua jurisprudência sobre os limites impostos às medidas constritivas determinadas pelo TCU.


1 Respectivamente MS 34.233-AgR/DF e MS 34.545/DF.
2 MS 35.694/DF, sob a relatoria do Min. Edson Fachin.

Autores L&S

Alexandre Ditzel Faraco

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Sócio
Luiz Gustavo Lopez Mide

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