Particulares que negociam ou celebram acordos de leniência têm a expectativa de definir, nesses instrumentos, a extensão precisa de suas responsabilidades em virtude dos ilícitos que são admitidos. A falta de certeza quanto a esse ponto limita significativamente o incentivo à cooperação com as autoridades e a eficácia desse instrumento de investigação.
No Brasil, a pluralidade de autoridades competentes para apurar os mesmos fatos lesivos e aplicar sanções trouxe importantes dificuldades à efetividade dos acordos de leniência. Houve avanços importantes nos últimos anos na coordenação entre as autoridades, para evitar posições antagônicas, mas há ainda certo grau de incerteza para o particular que opta pela negociação de acordo de leniência. Mesmo quem celebra acordos com a participação de diferentes autoridades – como Controladoria Geral da União (CGU), Advocacia Geral da União (AGU) e Ministério Público Federal (MPF) – pode ainda ficar sujeito a responsabilidades adicionais em virtude da atuação do Tribunal de Contas da União (TCU).
Isso porque o TCU entende que a mera celebração de acordo de leniência com demais instâncias não é suficiente para afastar a sua atuação na averiguação de irregularidades e questões e que possam ter afetado as contas públicas. É o entendimento enunciado, por exemplo, no Acórdão nº 2.329/2020-Plenário fundamentado no art. 16, § 3º da Lei nº 12.846/20131 (Lei Anticorrupção).
Essa posição foi referendada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no mandado de segurança nº 37.329/DF, o qual reconheceu a competência do TCU para buscar o ressarcimento do dano aos cofres públicos decorrente de ilícitos objeto de acordo de leniência. O procedimento de Tomada de Contas Especial, no caso, será o instrumento utilizado pela Corte de Contas para a apuração de responsabilidade por danos à administração pública federal, assim como para a quantificação do dano e a determinação dos valores a serem ressarcidos, os quais poderão, a depender do julgamento, ultrapassar aqueles constantes do acordo.
Por outro lado, o TCU já afastou o uso de medidas cautelares de indisponibilidade de bens em desfavor de signatários de acordos de leniência, desde que estes cooperem com as investigações. Conforme Acórdão nº 2.791/2021-Plenário, se os signatários demonstrarem que estão cumprindo os compromissos assumidos no acordo, assim como colaborarem com o TCU, poderão se beneficiar da revogação da medida cautelar que decretou a indisponibilidade de bens. Ainda na direção de reconhecer efetividade aos acordos, o Acórdão nº 2.396/2018-Plenário estabeleceu que provas emprestadas do acordo de leniência não poderão ser utilizadas para a declaração de indisponibilidade de bens dos signatários.
A aplicabilidade da sanção de declaração de inidoneidade aos signatários de acordo de leniência também foi tratada pelo TCU. Os Acórdãos nºs 1.214/2018 e 1.351/2022, ambos do Plenário, reconheceram que, caso o acordo afaste a declaração de inidoneidade, esta sanção não deverá ser aplicada pela Corte de Contas. Análoga é a decisão do STF, no mandado de segurança nº 35.435/DF, que considerou a declaração de inidoneidade por fatos abarcados pelos acordos de leniência como violação ao princípio constitucional da segurança jurídica.
O TCU reconheceu também, que valores pagos no bojo de acordo de leniência, a título de ressarcimento de danos, multas de natureza indenizatória ou confiscos, servirão para abatimento de valores imputados pelo Tribunal. Contudo, condicionante para tal situação é a identidade dos fatos geradores com aqueles analisados pela Tomada de Contas Especial, assim como a identidade do órgão credor.
É possível, portanto, observar uma evolução na jurisprudência do TCU no sentido de reconhecer a importância dos acordos de leniência e de que seus efeitos devem ser levados em conta nos processos de sua competência. O TCU reconhece atualmente que provas produzidas voluntariamente por signatário de acordo não podem ser usadas contra ele. Também que medidas cautelares e sanções de sua competência podem ser afastadas ou mitigadas pela mesma razão. Mas não parece consolidado o entendimento de que sanções não devem ser aplicadas pelo TCU nesse contexto. Ademais, o TCU defende que deve agir para apurar danos que possam, no seu entender, superar aqueles reconhecidos no acordo .
1 “O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.”