A importância da infraestrutura como mola propulsora do desenvolvimento é assunto de consenso. Qualquer economia que pretenda crescer de forma duradoura, assegurar o acesso a serviços básicos e emergir a mercados em bases competitivas não pode perder de vista a imprescindibilidade de infraestrutura eficiente e farta, a garantir segurança logística, energética e de abastecimento a sua população.
Para que esse cenário se faça possível, investimentos de elevada monta costumam ser demandados ao orçamento público, o que desperta especial atenção de órgãos e entidades de fiscalização, como o Tribunal de Contas da União (TCU), principalmente porque, justamente nos gastos com infraestrutura, foram detectados os maiores escândalos de malversação de dinheiro público de que se tem notícia no país.
A fiscalização do TCU com foco específico sobre os gastos com infraestrutura remonta aos anos 90, dividindo-se entre auditorias de obras públicas e auditorias de desestatizações.
O plano anual de auditoria de obras teve sua origem entre 1995 e 1996, logo após o episódio conhecido como “anões do orçamento”, em que foi detectado conjunto expressivo de obras públicas paralisadas que recorrentemente continuava a receber dotação na Lei Orçamentária Anual (LOA) do governo federal. Desde então as Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) passaram a prever que o TCU executasse um ciclo anual de fiscalizações e reportasse ao Congresso Nacional, para fins de subsidiar a elaboração da respectiva LOA, uma lista de empreendimentos federais com indícios de irregularidades graves1. Juntamente com essa lista, cada contrato recebe um parecer recomendando (i) a paralisação do fluxo orçamentário, dada a magnitude da irregularidade, ou (ii) a continuidade dos contratos, determinando correções.
Durante a década de 2000-2010 houve conjunto expressivo de investimentos públicos diretos em infraestrutura pelo Governo Federal, executados por meio de contratos administrativos com o poder público, quase todos inseridos nos Programas de Aceleração de Crescimento (PAC I e II). Isso levou o TCU a aumentar o volume de auditorias de obras, chegando a fiscalizar, em um único ciclo anual, mais de 250 diferentes contratações. Em 2010, por exemplo, o Anexo VI da LOA previa uma lista de mais de 40 obras em que o TCU havia detectado irregularidades graves em sua execução2, recomendando paralisação de contratos e convênios em mais da metade desses casos.
Com a superveniência da Lava Jato, e na esteira de outras instituições de controle do país, o TCU passou a adotar postura mais restritiva em relação às irregularidades detectadas durante suas fiscalizações. Para além de recomendar a paralisação dos fluxos de recursos segundo preconizavam as leis orçamentárias, iniciou um período de sucessivas decisões cautelares de constrição de patrimônio de gestores públicos e empresas envolvidas, no intuito de precaver eventuais reparações de prejuízos ao erário. Esse viés mais ostensivo da repressão do TCU até hoje tem sido objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal, questionando os limites dessa jurisdição acauteladora da Corte de Contas, conforme discutido em outro texto desta edição.
Após esse período de intensas denúncias e determinações cautelares, as grandes obras foram em maior parte paralisadas, muito em razão também da crise fiscal que exauriu os recursos orçamentários destinados à construção de infraestrutura no país. Com isso, as auditorias de obras foram naturalmente perdendo relevo dentro das prioridades de atuação do TCU, tendo se constatado um viés muito mais preventivo do que repressivo nas subsequentes apurações anuais determinadas pelas LDO.
Paralelamente à fiscalização de obras, outro pilar de atuação em infraestrutura do TCU é a apreciação de projetos de desestatização promovidos pelo Governo Federal. Essa atuação também remonta à década de 90, quando da edição do Plano Nacional de Desestatização3, contemplando tanto a privatização de ativos e empresas como a outorga de serviços e atividades econômicas à iniciativa privada. Nesse contexto, o TCU especializou-se em averiguar a regularidade dos leilões de infraestrutura, avaliando aspectos regulatórios, concorrenciais e de razoabilidade de preços.
Como era de se esperar, em razão das restrições fiscais, os planos da União para desenvolver a infraestrutura do país passaram a demandar maior protagonismo do capital privado, tendo-se visto uma série de leilões executados no seio do Programa de Parcerias de Investimentos, criado em 20164 e que perdura até os dias de hoje. Para acompanhar essa tendência, o TCU incrementou sua atuação na fiscalização das desestatizações, ampliando o escopo de análise dos projetos, mas buscando manter o viés preventivo de acompanhamento dos atos do governo.
Atualmente, segundo apregoa a Instrução Normativa TCU nº 81/2018, todos os procedimentos de desestatização, bem como todos os contratos ou termos aditivos para prorrogação ou renovação de outorgas federais, devem ser objeto de prévia comunicação e são passíveis de escrutínio do TCU, a seu critério. A intensificação do programa de concessões federal, associado ao volume de recursos mobilizado nos empreendimentos, têm conferido à Corte de Contas um destacado papel de verificador pari passu das ações relacionadas à infraestrutura, beirando o controle prévio dos atos do Poder Executivo, mas funcionando como verdadeiro ateste de segurança jurídica aos projetos levados a leilão.
Em cenário de retomada da economia e eventual espaço crescente no orçamento federal, o período de investimentos públicos diretos em infraestrutura voltará a ter maior relevância. Projetos de desestatização, por concepção, são finitos. Os projetos mais atrativos, em boa parte, já foram leiloados. E, em outras situações, para que demonstrem viabilidade econômica e atraiam a iniciativa privada, precisarão contar com investimentos públicos, em modelo de parceria público-privada.
Isso tudo leva a crer que uma nova onda de auditorias de obras poderá voltar à tona. Caso isso ocorra, qual deverá ser a forma de atuação mais eficaz do TCU na fiscalização dos atos e políticas de infraestrutura? Focar na repressão e quantidade de auditorias - dado que, afinal, essa forma de atuação foi responsável por descortinar tantos esquemas de desvios de dinheiro público; ou focar na conformação e apoio às modelagens e na construção de soluções em conjunto com o Executivo?
Obviamente, as duas opções não são excludentes entre si e um modelo balanceado de prevenção e repressão seria o ideal, focando em entregar resultados e coibir tentativas de desmandos. Seja qual for a tendência a ser adotada, à luz do inegável relevo que o TCU já possui nessa seara de proteção ao dinheiro público, é imprescindível que o órgão mantenha em mente o déficit que o Brasil precisa vencer em termos de infraestrutura abundante, eficiente e de qualidade. O controle deve ser instrumento de viabilização dessas entregas.
1 À guisa de exemplo, art. 144 da Lei nº 14.436/2022 (LDO 2023)
2 Lei nº 12.214/2010
3 Lei nº 8.031/1990 e posteriormente Lei nº 9.491/1997
4 Lei nº 13.334/2016