Tributação de investimentos de pessoas físicas no exterior: a saga persiste
Em artigo publicado em maio deste ano, comentamos as alterações propostas pelo Governo Federal, por meio da Medida Provisória nº 1.171/2023 (“MP”), às regras do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (“IRPF”) incidentes sobre rendimentos provenientes de aplicações financeiras, entidades controladas e trusts no exterior.
Desde então, a lentidão na tramitação daquela MP indicava que as chances de conversão em lei eram baixas e, apesar da tentativa de ressuscitá-la mediante incorporação de seu texto à Medida Provisória nº 1.172/2023, cuja tramitação caminhava mais rápido, ao final a MP original perdeu seus efeitos.
Não se dando por vencido, no último dia 29 de agosto, dois dias após o fim da produção de efeitos da original MP nº 1.171, o Governo Federal apresentou a matéria novamente ao Congresso, dessa vez na forma do Projeto de Lei nº 4.173/2023 (“PL”). Comentamos abaixo as principais inovações do PL em relação à anterior MP.
Aplicações financeiras diretas no exterior
De forma geral, o PL ampliou o conceito de aplicações financeiras que estariam sujeitas às novas regras de tributação, passando a abranger “quaisquer operações financeiras fora do País” e incluindo na lista exemplificativa outros ativos como criptoativos, carteiras digitais ou contas correntes com rendimentos, assim como operações de crédito, tais como mútuo de recursos financeiros em que o devedor seja residente ou domiciliado no exterior. A lista de rendimentos sujeitos à nova regra também passou a incluir a variação da criptomoeda em relação à moeda nacional, rendimentos em depósitos em carteiras digitais ou contas correntes remuneradas.
Por outro lado, restringiu a lista de aplicações financeiras ao estabelecer que apenas se classificam como aplicações financeiras os depósitos bancários e certificados de depósitos que sejam remunerados, assim como apólices de seguros cujo valor principal e rendimentos possam ser resgatados pelo segurado ou seus beneficiários. Foram também excluídos da lista os “depósitos em cartões de crédito”.
O PL isentou do IRPF a variação cambial de depósitos em conta corrente ou em cartão de débito ou crédito no exterior, desde que não sejam remunerados e sejam mantidos em instituições financeiras no exterior reconhecidas e autorizadas a funcionar pela autoridade monetária do país em que estiver situada.
Segundo o PL, a incidência do IRPF sobre os rendimentos de aplicações financeiras no exterior ocorreria quando da apresentação da Declaração de Ajuste Anual (“DAA”), como previa a MP. Ademais, também foi mantida previsão de que os rendimentos somente serão tributados quando forem efetivamente realizados e recebidos pela pessoa física, como no recebimento de juros e outras espécies de remuneração; em relação aos ganhos, inclusive de variação cambial sobre o principal, a tributação se daria no resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação das aplicações financeiras.
Outra alteração que tem como objetivo prevenir interpretações inadequadas é a autorização expressa à dedução/compensação do imposto de renda (“IR”) pago no país de origem dos rendimentos de aplicações financeiras com o IRPF brasileiro devido na DAA sobre os mesmos valores. Tal dedução é permitida desde que a compensação seja prevista em tratado contra bitributação firmado pelo Brasil com o país de origem dos rendimentos, ou que haja em tal país reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil (além de serem observadas algumas condições e limites).
O PL inova, todavia, na exigência de que a compensação ocorra no mesmo ano-calendário em que for pago o imposto no exterior, o que poderá ser um problema se houver descasamento entre a data de pagamento do imposto no exterior e a data de ocorrência do fato gerador e de pagamento do IRPF no Brasil. Tal restrição poderá ser contestada sempre que tratado internacional não a impuser ao permitir o direito à compensação.
Tributação das entidades controladas no exterior
As modificações mais substanciais trazidas pelo PL, em comparação à MP, concentram-se na tributação das entidades controladas no exterior, sendo alguns dos ajustes benéficos aos contribuintes.
A primeira alteração favorável é a redução do patamar de renda ativa exigido para a não aplicação da tributação automática dos lucros da controlada, de 80% para 60%. Além disso, excluiu-se do conceito de renda passiva (a) receitas com juros, aplicações financeiras e intermediação financeira das instituições financeiras reconhecidas e autorizadas a funcionar pela autoridade monetária do país em que situadas; (b) rendas de dividendos e participações societárias diretas ou indiretas em entidades que apurem renda ativa própria superior a 60% da renda total; e (c) aluguéis das empresas que exerçam efetivamente, como atividade principal, a incorporação imobiliária ou construção civil no país em que situadas.
De maneira igualmente favorável, o PL tratou como não tributáveis pelo IRPF os ganhos de variação cambial dos lucros das controladas (registrados na forma exigida pelo PL), entre a data de sua tributação automática no Brasil e a data em que forem efetivamente distribuídos à pessoa física controladora. Por outro lado, perdas de variação cambial não serão deduzidas do IRPF.
De acordo com o PL, os lucros das controladas deverão ser incluídos na DAA como custo de aquisição de crédito de dividendo a receber da controlada direta ou indireta, com indicação do respectivo ano de origem. Quando tais lucros (já tributados no Brasil) forem distribuídos à pessoa física controladora, será reduzido o custo de aquisição do referido crédito pelo valor originalmente declarado em reais, sem nova tributação.
O PL esclarece ainda que os lucros deverão ser apurados, de forma individualizada, em balanço anual da controlada direta ou indireta, elaborado conforme as regras contábeis brasileiras (a MP não deixava isto claro). Exclui-se dos resultados da controlada a parcela relacionada às suas participações em outras controladas1, visto que cada controlada direta ou indireta será tributada individualmente pela pessoa física controladora (a MP não continha essa previsão expressa). Tais lucros serão computados na DAA em 31 de dezembro do ano em que forem apurados no balanço, independentemente de deliberação de distribuição, na proporção da participação da pessoa física nos lucros da controlada2.
Foi incluída previsão – fechando brecha deixada pela MP – de que no caso de sociedades, fundos de investimento e demais entidades no exterior com classes de cotas ou ações com patrimônios segregados, cada classe será considerada como uma entidade separada para fins do novo regramento e determinação da relação de controle.
Tal como a MP, o PL permite que sejam deduzidos dos lucros das controladas os prejuízos apurados pela própria controlada referentes a períodos a partir de 01/01/2024 e anteriores à data da apuração dos lucros, bem como lucros e dividendos de suas investidas domiciliadas no Brasil. Mas o PL acrescenta permissão para que também sejam deduzidos dos lucros das controladas diretas ou indiretas os rendimentos e ganhos de capital de outros investimentos feitos no Brasil pela controlada que se sujeitem ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) a alíquota igual ou superior a 22,5%. Se tais rendimentos e ganhos não forem deduzidos do lucro sujeito ao IRPF, o IRRF pago no Brasil poderá ser deduzido pela pessoa física do próprio IRPF devido sobre o lucro da controlada, observadas algumas condições impostas pelo PL.
Observados alguns limites e condições previstos no PL, a pessoa física também poderá deduzir do IRPF devido, na proporção de sua participação nos lucros da controlada direta ou indireta3, o IR devido e pago no exterior pela controlada e suas investidas não controladas, incidente sobre o lucro ou sobre rendimentos por elas apurados no exterior, quando tais lucros/rendimentos tiverem sido computados no lucro da controlada tributado no Brasil. O IR pago no exterior não deduzido no ano-calendário não poderá ser deduzido do IRPF devido em anos-calendários posteriores ou anteriores.
Para apuração do ganho de variação cambial do principal aplicado nas controladas, quando da alienação, baixa ou liquidação do investimento, inclusive via devolução de capital, o PL determina que será considerada a diferença positiva entre o valor percebido em reais e o custo de aquisição médio por quota ou ação alienada, baixada ou liquidada, em reais. Caso não haja cancelamento de quota ou ação na devolução do capital, será considerada a proporção que o valor da devolução de capital representar do capital total aplicado na entidade. Sob a regra atual essa variação é isenta se o investimento foi adquirido com recursos auferidos originariamente em moeda estrangeira.
A tributação automática anual dos lucros poderá ser contestada judicialmente por ausência de capacidade contributiva e de efetiva disponibilidade econômica ou jurídica sobre a renda, caso se comprove que, apesar de atendida a definição de “controlada” do PL, a pessoa física não tem capacidade efetiva de impor a distribuição de lucros à entidade, unilateralmente ou em conjunto com pessoas vinculadas. Pode ser o caso de sociedade que exija maioria qualificada para distribuição de lucros e cujos demais sócios não sejam pessoas vinculadas.
Vê-se que o PL manteve a estrutura essencial das regras de tributação das controladas que já havia na MP, deixando pouca margem para manutenção lícita do diferimento da tributação dos lucros. Restringindo ainda mais essa possibilidade, o Governo editou a MP nº 1.184/2023, que trata da tributação dos fundos de investimento e institui o come-cotas para os fundos fechados, uma das últimas ferramentas disponíveis para postergação da incidência do IR. Essa nova MP foi avaliada em maiores detalhes em outro artigo que integra este boletim.
Opção por regime de transparência fiscal da controlada
Outra importante inovação é a instituição de um regime de transparência fiscal, por meio do qual as pessoas físicas poderão optar por declarar diretamente os bens e direitos detidos pela controlada no exterior, e tributar a renda decorrente de tais ativos, como se fossem detidos diretamente pela pessoa física. Esse regime se assemelha ao das disregarded entities, comuns no exterior. A opção poderá ser exercida separadamente em relação a cada controlada direta ou indireta e será irrevogável e irretratável durante todo o prazo em que a pessoa física detiver aquela controlada. Se houver mais de um sócio na entidade, a opção deverá ser exercida por todos os que forem pessoas físicas residentes no Brasil.
Esse regime, em conjunto com a permissão para dedução de perdas pela pessoa física (comentada no próximo tópico), poderá ser vantajoso por permitir que somente sejam tributados os ganhos efetivamente realizados pela pessoa física, no regime de caixa, evitando recolhimento automático anual de IRPF sobre valores que, embora ainda não realizados (em razão de resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação do investimento), já devam integrar os lucros da controlada.
Por outro lado, a atratividade da opção pode ser reduzida pelo fato de ser irrevogável/irretratável e por precisar ser exercida por todos os sócios da entidade que forem pessoas físicas residentes no Brasil.
Além disso, a realização de investimentos via controlada no exterior (sem o regime de transparência fiscal) ainda tem a vantagem de permitir o diferimento da tributação sobre a variação cambial do principal para o momento da alienação, baixa ou liquidação do investimento na controlada (inclusive via devolução de capital). Isso não é possível nas aplicações financeiras feitas diretamente pela pessoa física no exterior, pois a variação cambial do principal é tributável a cada resgate, alienação ou liquidação de aplicação. A opção também pode não ser adequada em relação a controladas que detenham despesas substanciais, por exemplo com custeio de viagens e hospedagens de sócios ou administradores no exterior, as quais não poderiam ser deduzidas no cenário de opção pela transparência fiscal.
Compensação de perdas em aplicações financeiras diretas no exterior
A despeito da tributação automática anual dos lucros das entidades controladas, sob a MP ainda seria mais vantajoso realizar investimentos e aplicações financeiras por meio de entidade controlada no exterior, do que diretamente pela pessoa física, entre outras razões, pela possibilidade de compensarem-se ganhos e perdas na apuração do resultado da controlada, consolidando nela os resultados dos investimentos sem limitações.
O PL inova ao propor que também as pessoas físicas poderão compensar ganhos e perdas em suas aplicações financeiras diretas no exterior, inclusive os resultantes de aplicação de regime de transparência fiscal em controlada, mas apenas entre operações de mesma natureza. Essa limitação, que não se aplica a investimentos por meio de controladas, pode manter a sua atratividade. Além disso, não há definição ou esclarecimento se “operações de mesma natureza” seriam quaisquer aplicações/operações financeiras, ou somente categorias específicas de aplicações financeiras.
Se após a compensação entre operações de mesma natureza ainda subsistir saldo de perdas a compensar, estas poderão ser compensadas com lucros e dividendos de outras entidades controladas no exterior que tenham sido computados na DAA no mesmo período de apuração (sujeitos ou não às regras de tributação anual automática). Se ainda assim sobrarem perdas não compensadas no final do período, elas poderão ser compensadas com rendimentos de aplicações financeiras no exterior e lucros e dividendos de entidades controladas no exterior computados na DAA em períodos de apuração posteriores.
Trusts
As regras de tributação dos trusts propostas pela MP não eram bem construídas, pois desconsideravam a natureza do instituto e os múltiplos formatos que ele pode assumir, conforme apontamos em artigo de maio deste ano. A apresentação do PL era boa oportunidade para a correção das incongruências, que, no entanto, foram mantidas.
O PL, assim como a MP, trata o trust como se ele não existisse: ignora a existência de transmissão de propriedade de bens e direitos do instituidor ao administrador (trustee) na instituição do trust, tratando tais bens e direitos como de titularidade do instituidor até que ocorra sua distribuição aos beneficiários ou o falecimento do instituidor (o que ocorrer primeiro). Consequentemente, enquanto não ocorridos esses eventos, o PL exige do instituidor o pagamento de IRPF sobre todos os rendimentos e ganhos de capital gerados pelo patrimônio do trust. A partir da distribuição dos ativos aos beneficiários ou da morte do instituidor, os beneficiários serão considerados os titulares e sofrerão a tributação, sem mais qualificações. A incidência do IR ocorrerá de acordo com as regras aplicáveis ao titular4.
Novidade igualmente incongruente é que o PL considera transmitidos os bens ou direitos sob trust aos beneficiários também caso o instituidor abdique, de forma irrevogável, de seu direito sobre parcela do patrimônio do trust. Seja nesse caso, seja na hipótese de distribuição de ativos ao beneficiário ou a partir do falecimento do instituidor, o que ocorrer primeiro, os beneficiários passarão a ser tributados pelo IRPF sobre os rendimentos e ganhos gerados pelos ativos que compõem o patrimônio do trust5.
Ocorre que, nesses moldes, o PL acabará tributando renda que pode não estar disponível para o instituidor e/ou para o beneficiário. Isso porque a existência do trust pressupõe a transmissão efetiva da propriedade dos bens e direitos do instituidor ao trustee, o que significa que, a partir daí, os ativos e a renda não estarão mais disponíveis para o instituidor se ele não se mantiver como beneficiário e o trust for irrevogável6. Da mesma forma, a morte do instituidor, por si só, não implica acesso incondicional/imediato de terceiros beneficiários ao patrimônio do trust, pois podem existir termos e condições suspensivas a cumprir para que ocorra esse acesso.
Como consequência, e considerando a flexibilidade do instituto, em diversos casos tanto o instituidor quanto terceiros beneficiários não terão acesso aos ativos sob o trust ou aos rendimentos e ganhos gerados por tais ativos, nem terão o controle sobre sua disponibilização. Inexiste, assim, aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica da renda para fins de incidência do IRPF. Isso ocorrerá sempre que o instituidor não se mantiver como beneficiário, o trust for irrevogável e os terceiros beneficiários só tiverem acesso incondicional ao patrimônio do trust após o advento de condições e termos (o falecimento do instituidor é condição comum, mas não a única). É possível também a atribuição de discricionariedade ao trustee para fazer distribuições ou conceder acesso ao patrimônio do trust.
Em todos esses casos, as regras do PL são falhas e contestáveis por infringir o princípio constitucional da capacidade contributiva e os arts. 43, 116 e 117, I, do Código Tributário Nacional (CTN), dada a inexistência de efetiva disponibilidade econômica ou jurídica sobre a renda e o não perfazimento de todas as condições necessárias para a ocorrência do fato gerador. Estará aberto flanco para questionamentos por parte dos contribuintes, algo que o Governo tentou evitar com muito afinco ao tratar das controladas no exterior, mas a que não se dedicou no caso dos trusts.
Outras inovações do PL frente à MP são (a) atribuição de responsabilidade ao trustee para disponibilizar recursos financeiros e informações necessárias a fim de garantir o cumprimento das obrigações tributárias (o que inclusive evidencia o papel central do trustee na gestão do trust), além de exigência de outras medidas e formalidades para tal fim, porém mantendo o instituidor ou o beneficiário como responsáveis pelo cumprimento das referidas obrigações caso o trustee deixe de atender às exigências que o PL lhe atribui; e (b) previsão de que serão tratados da mesma forma outros contratos regidos por lei estrangeira com características similares às do trust e não enquadrados como entidades controladas.
Embora o PL (tal como a MP) silencie sobre a possibilidade de compensar eventual IR pago pelo trust no exterior com o IRPF devido no Brasil, entendemos que tal compensação seria possível como em qualquer aplicação financeira direta feita no exterior por pessoa física aqui residente, já que o PL desconsidera a existência do trust para fins de tributação brasileira.
Proposta alternativa de tributação dos trusts no Brasil está formatada no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 145/2022, atualmente em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados. O texto foi elaborado por nossa equipe em conjunto com o então Deputado Eduardo Cury (PSDB/SP) e propõe um modelo de tributação que melhor atende às peculiaridades do trust, condiz com sua natureza jurídica, respeita o princípio da capacidade contributiva e os arts. 43, 116 e 117, I, do CTN, sem prejudicar o direito do Fisco à arrecadação tributária.
Atualização do valor de bens e direitos no exterior
O PL mantém a possibilidade de pessoas físicas optarem por atualizar o valor de seus bens e direitos no exterior informados na DAA para o valor de mercado em 31/12/2023 (não mais em 31/12/2022, como constava na MP) e tributar pelo IRPF a diferença em relação ao custo de aquisição à alíquota definitiva de 10% (menor que a futura alíquota). A opção se aplica aos mesmos ativos antes previstos pela MP7, mas o PL acrescenta entre os ativos que não poderão ser objeto de atualização a moeda estrangeira em espécie e bens ou direitos adquiridos no decorrer do ano-calendário de 2023.
Tal imposto deverá ser pago até 31/05/2024.
Os lucros de controladas no exterior tributados a 10% não serão tributados novamente quando forem disponibilizados à pessoa física controladora, inclusive eventual variação cambial positiva entre o valor em reais do lucro tributado em 31/12/2023 e o valor em reais do dividendo posteriormente recebido (também não será dedutível na apuração do IRPF eventual perda de variação cambial entre tais valores).
A opção deverá ser feita com cuidado, pois, ao atualizar o valor do investimento em controlada no exterior, será antecipado o pagamento de IRPF sobre eventual ganho – que incluirá não somente o valor dos lucros acumulados até 31/12/2023, mas também a variação cambial do principal aplicado na controlada – a uma alíquota menor (10%). Evita-se assim tributação potencial futura desses valores por alíquota maior, mas em contrapartida se perderá o ganho financeiro que se poderia ter sobre o valor do IRPF pago se o seu montante permanecesse investido.
Ganhos de capital relacionados a outros bens e direitos no exterior
O PL deixa claro que ganhos de capital percebidos pela pessoa física residente no País na alienação, baixa ou liquidação de quaisquer bens e direitos localizados no exterior que não constituam aplicações financeiras (conforme definição do PL) permanecerão sujeitos às regras atuais de tributação dos ganhos de capital, previstas no art. 21 da Lei nº 8.981/95. Isso vale também para a alienação, baixa ou liquidação de investimentos em entidades controladas no exterior, inclusive por meio de devoluções de capital, que estão excluídos da definição de aplicações financeiras do PL. Tais ganhos (inclusive de variação cambial) permanecerão isentos quando o valor da operação/alienação não superar R$ 35 mil por mês.
O art. 7º do PL reconhece, aliás, que o acréscimo patrimonial resultante de devolução de capital é tributável como ganho de capital e não como rendimento/distribuição de lucros (ao contrário de posição sustentada pela Receita Federal).
Conclusão
Em meio a uma trajetória repleta de idas e vindas, é inegável que a nova forma de tributação dos investimentos no exterior tornou-se tema central e aparentemente inevitável, sobretudo no que se refere à tributação automática de lucros de entidades controladas no exterior, tendo em vista a experiência internacional, as recomendações da OCDE e o apelo de justiça fiscal da medida.
Apesar de não alterar substancialmente a estrutura de tributação proposta pela MP nº 1.171, o novo PL – que se aprovado este ano produzirá efeitos a partir de 01/01/2024 – inovou para alterar a lista de aplicações financeiras e rendimentos sujeitos às novas regras, esclarecer incertezas, fechar brechas, equilibrar interesses e corrigir algumas inadequações em atendimento a críticas que recebeu o texto original da MP, inclusive algumas que fizemos no artigo publicado em maio.
Ainda assim, seriam necessários refinamentos adicionais, sobretudo na parte relativa a trusts. Algumas disposições podem ser objeto de contestação.
Notas
1. Inclusive quando a entidade for organizada como um fundo de investimento.
2. Não mais se considera a proporção no capital social ou equivalente, como constava na MP.
3. Aqui também não mais se considera a proporção no capital social ou equivalente, como constava na MP.
4. Se o trust detiver controlada no exterior, esta será considerada detida diretamente pelo titular dos ativos objeto do trust, sendo aplicadas as regras de tributação de investimentos em controladas no exterior, já comentadas acima.
5. Foi mantida a previsão de que a transferência de titularidade sobre o patrimônio do trust será considerada como transmissão a título gratuito pelo instituidor para o beneficiário (doação) se ocorrida durante a vida do instituidor, ou transmissão causa mortis se decorrente do falecimento do instituidor.
6. Significa que o instituidor estará impedido de revogar o trust e assim reaver os ativos transferidos ao trust.
7. E.g. aplicações financeiras (inclusive participações societárias em entidades não controladas no exterior); participações em entidades controladas no exterior; bens imóveis ou ativos que representem direitos sobre bens imóveis; veículos, aeronaves, embarcações e demais bens móveis sujeitos a registro.
Imagem: Pixabay/Pexels