Sigilo advogado-cliente em investigações internas

O sigilo entre cliente e advogado é um princípio fundamental do sistema jurídico e, no contexto de uma investigação interna, a proteção desse sigilo é ainda mais relevante. Haveria grave desincentivo à realização de apurações internas se o resultado dessas investigações comunicado ao advogado e o aconselhamento daí decorrente pudesse ser utilizado contra a empresa como prova.

Apesar da inexistência de regra específica quanto à aplicabilidade do sigilo no contexto de investigações internas, a lei brasileira garante genericamente a inviolabilidade de escritório ou do local de trabalho do advogado. Assegura, também, a inviolabilidade “de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia”. Essa proteção, há muito consagrada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, foi reforçada em 2008 pela Lei nº 11.767, e vem sendo, com raras exceções, respeitada pelas autoridades policiais e judiciárias brasileiras. Esse respeito à proteção legal da comunicação advogado-cliente tem se dado inclusive quanto ao produto do aconselhamento jurídico decorrente de apurações feitas pelas empresas quanto a ilícitos em que potencialmente estejam envolvidas.

A questão que surge em investigações internas com frequência diz respeito aos atos de investigação que são praticados por outros profissionais (contadores, analistas forenses, peritos, etc.), com o intuito de subsidiar a análise jurídica a ser feita pelo advogado.

Para evitar questionamentos legais quando à proteção do produto do trabalho desses profissionais, é importante que eles ajam sob supervisão do advogado. Se não diretamente por ele contratado, ao menos contratado pela empresa em contrato apartado e específico, com escopo restrito ao atendimento das demandas dos advogados para fins de subsidiar a análise jurídica a ser feita.

A contratação direta pela empresa de uma firma de tecnologia forense para processar e armazenar documentos a serem revisados por um advogado, por exemplo, pode sujeitar a contratante a riscos de utilização do material organizado pela contratada como prova. A mitigação desses riscos demanda o estabelecimento claro de um vínculo entre a sua contratação e o trabalho do advogado de obtenção de informações sobre os fatos investigados, para subsidiar o aconselhamento jurídico que dará.

Da mesma forma, devem ser evitadas investigações internas conduzidas exclusivamente por profissionais de compliance que não sejam advogados ou mesmo por advogados internos que não exerçam exclusivamente atribuições próprias de advogado na empresa. Nesses casos, a ausência de um advogado (ou alegação de que ele também exerce atividade de outra natureza) potencialmente descaracteriza o objetivo de obter aconselhamento jurídico. Isso tornaria o resultado da investigação interna tão vulnerável à utilização como prova como qualquer outro documento existente na empresa.

Outro cuidado que se deve ter é o de alertar os funcionários que colaboram com investigações internas que os advogados que conduzem entrevistas e colhem seus depoimentos são advogados apenas da empresa e não deles. Essa advertência, conhecida internacionalmente como Upjohn warning, garante à empresa a possibilidade de utilização de o que quer que seja dito pelo empregado, conforme a sua conveniência. Ausente essa advertência, o empregado pode ter a equivocada impressão de que está se comunicando com seu próprio advogado e que o sigilo do que é ali conversado pertence também a ele – e não apenas à empresa que o advogado representa.

Por fim, é relevante que, nos casos em que haja exposição em mais de uma jurisdição - como nos casos de companhias listadas em bolsas estrangeiras ou com atividades em países que criminalizam práticas corruptas no exterior - se busque orientação jurídica de profissionais das demais jurisdições envolvidas especificamente quanto às medidas a serem adotadas para não invalidar a proteção legal ao sigilo da comunicação advogado-cliente. As regras quanto a esse aspecto variam de país para país e pode ser o caso, por exemplo, de envolver o advogado estrangeiro na contratação de profissionais brasileiros ou mesmo de estabelecer uma relação contratual entre escritórios brasileiro e estrangeiro para garantir que, no limite jurisdicional da atuação de cada um, toda a troca de informações entre eles seja protegida. No limite, a depender do risco à proteção legal ao sigilo em dada jurisdição, até mesmo a limitação do compartilhamento pleno de informações com advogados ou prestadores de serviços estrangeiros precisa ser considerada.


Autores L&S

Alexandre Ditzel Faraco

Alexandre Ditzel Faraco

Sócio
Marcos Drummond Malvar

Marcos Drummond Malvar

Sócio

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