Investigações internas de assédio não são “mais do mesmo”
Houve um aumento recente nas denúncias de assédio moral e sexual no setor público e privado, impulsionadas pelas preocupações com saúde mental durante a pandemia do Covid-19 e pelo movimento #MeToo, que estimulou mulheres de diversos países a denunciarem práticas de assédio sexual. Autoridades públicas também passaram a dar mais atenção à matéria. Consequentemente, diversas empresas aprimoraram procedimentos de apuração de denúncias e passaram a conduzir investigações internas.
Tais investigações são conduzidas, muitas vezes, pelos mesmos profissionais que apuram práticas de corrupção, fraude, lavagem de dinheiro e cartel – os “crimes de colarinho branco”. As investigações de assédio, no entanto, têm peculiaridades que as diferenciam das demais conduzidas por esses profissionais, notadamente em relação: (i) ao fator humano; (ii) à natureza dos ilícitos; e (iii) às recomendações voltadas à prevenção dos ilícitos.
I. Fator humano
Diferentemente do que ocorre nos “crimes de colarinho branco”, nos casos de assédio, a vítima do ilícito não é apenas a pessoa jurídica, mas sim uma pessoa física ligada à pessoa jurídica, dotada de inalienáveis direitos de personalidade.
Isso torna necessários cuidados adicionais para estimular a apresentação de relatos completos por denunciantes de boa-fé e a cooperação destes ao longo da apuração dos fatos. São esses relatos que servirão de ponto de partida para a investigação.
Aspectos como o gênero da pessoa que recebe a denúncia ou conduz entrevistas podem facilitar a elucidação do caso ou dificultá-la – por exemplo, ao gerar vieses inconscientes. Outros fatores importantes são a forma de lidar com a ansiedade do denunciante quanto aos achados da investigação e a eventuais medidas a serem adotadas pela empresa; e a oferta de suporte emocional à potencial vítima ou denunciante.
Esses pontos são especialmente importantes, considerando a dificuldade de obter evidências documentais de práticas de assédio e as possíveis nuances de comunicação presentes em provas obtidas.
II. Natureza do ilícito
Casos de assédio são tipificados (i) pela legislação trabalhista, o que pode ensejar a responsabilidade civil tanto do agressor (de forma subjetiva), quanto da empresa (de forma subsidiária); e (ii) pela lei penal, nos casos de assédio sexual. Isso exige a participação de profissionais especializados nessas duas áreas em todas as etapas do processo, incluindo a identificação dos ilícitos, o processo de investigação e o mapeamento dos riscos oriundos de seus resultados.
A identificação da natureza do ilícito em cada caso alterará os riscos e consequências aplicáveis, as autoridades competentes para apuração e eventuais estratégias de autodenúncia.
Por exemplo, a depender dos bens jurídicos e interesses afetados, ações podem ou não ser iniciadas a partir de denúncias – que serão feitas nos sindicatos, no Ministério Público do Trabalho (MPT) ou Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Se o fato investigado configurar crime de assédio sexual, o Ministério Público (MP) poderá oferecer denúncia independente de representação da vítima, uma vez que a Lei 13.718/2018 tornou esse um crime processado por meio de ação penal pública incondicionada.
A natureza individual ou coletiva dos danos causados pelo ilícito é igualmente relevante. Para casos coletivos, há possibilidade de firmar Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o MP responsável pela investigação. Para casos individuais, é possível propor acordos privados às pessoas afetadas pela conduta, ainda que a jurisprudência a respeito não esteja consolidada.
III. Prevenção do ilícito
Para a prevenção do ilícito, são relevantes recomendações voltadas a diversidade e inclusão. Elas se somam àquelas relacionadas ao aprimoramento do programa de integridade da empresa e à aplicação de medidas disciplinares a funcionários envolvidos em práticas de assédio.
Ambientes mais inclusivos, especialmente com pessoas diversas em posições de direção, desincentivam práticas de assédio pautadas em discriminação. Diversidade e inclusão podem, assim, ser um vetor de conscientização no ambiente de trabalho, e tendem a incentivar denúncias. Afinal, vítimas têm maior probabilidade de acolhimento quando há identificação de raça, gênero e/ou sexualidade com pessoas em posições de liderança.
Recomendações voltadas à prevenção da ocorrência de assédio moral institucional (quando a conduta degradante é causada pela própria empresa), por exemplo, podem incluir a (i) substituição ou contratação de membros da alta direção diversos e/ou com experiência em matéria de diversidade e inclusão; (ii) inclusão de métricas de diversidade e inclusão na avaliação de performance dos referidos profissionais cuja inobservância resulte em impactos financeiros; (iii) criação de comitês de ética e de diversidade; e (iv) realização de capacitações e treinamentos à equipe de recursos humanos em matéria de assédio e voltados ao tratamento de denúncias e ao recrutamento de colaboradores.
Empresas e outras entidades que se atentarem a esses três grupos de particularidades ao lidar com o tema tendem a colher frutos de seu esforço, tanto ao prevenir quanto ao melhor remediar eventuais casos de assédio.