A Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) manifestou, através da Solução de Consulta nº 309, de 31 de dezembro de 2018 (SC 309/18), seu entendimento sobre o tratamento fiscal dispensado às doações feitas por pessoas físicas ou jurídicas a não residentes no país, ensejando reflexão sobre o tema.
Em resumo, dispôs a SC 309/18 que a isenção do imposto de renda sobre as doações feitas a não residentes no país prevaleceu até a edição do Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de 2018, que revogou disposições em contrário e silenciou sobre o tema.
Esse é um dos tantos casos em que um importante instituto do direito tributário foi tratado, do começo ao fim, através de atos administrativos, revelando clara violação ao princípio da legalidade.
O primeiro ato a abordar o assunto foi o Parecer Normativo nº 80, de 28 de fevereiro de 1972, segundo o qual a “remessa para o exterior do valor de bens havidos por herança ou doação, por força do disposto no artigo 36 b do Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto nº 58.400-66, não são passíveis da tributação prevista no artigo 292 do mesmo diploma legal, se destinadas a pessoas físicas”.
É bem verdade que na época em que foi editado, pouco ou nada se discutia sobre a legalidade de atos administrativos. As determinações do Fisco eram prontamente cumpridas sem maiores discussões, mesmo que o prejudicado fosse o próprio Erário.
Seja como for, o famigerado Parecer Normativo só foi oficialmente considerado revogado quando da edição do Ato Declaratório Executivo N° 4, de 5 de agosto de 2014, da Receita Federal do Brasil, que o capitulou dentre dezenas de atos tidos por revogados.
Apesar dessa revogação, a isenção permaneceu prevista no Regulamento do Imposto de Renda aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, até a publicação do Decreto nº 9.580/18, que nada dispõe a respeito.
Não é por outra razão que a Administração Tributária admite agora que a isenção sobre doações feitas a não residentes no exterior prevaleceu até a publicação do regulamento vigente.
Ocorre que o art. 23 da Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997, disciplinou a matéria, estabelecendo que não haveria incidência do imposto de renda nas doações, desde que feitas pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador. Trata-se de autêntica hipótese de diferimento da tributação para a data em que o donatário alienasse o bem por valor de mercado, e não de isenção.
Talvez a intenção do legislador tenha sido restringir esse diferimento aos casos em que a doação fosse feita a um residente no país, mas a lei não contemplava essa limitação.
Ao que tudo indica, a própria Administração Tributária reconhece esse fato. Não fosse assim, deveria ter esclarecido na Solução de Consulta nº 319/18 que a suposta isenção teria produzido efeitos até a data da publicação da Lei nº 9.532/97, ou quando menos, a partir do primeiro dia útil seguinte à sua publicação, prestigiando os princípios da legalidade e da anterioridade.
Em conclusão, somos da opinião de que porque meros decretos ou atos administrativos são incapazes de dispor sobre a matéria, o diferimento do imposto de renda nas doações previsto no art 23 da Lei nº 9.523/97 continua sendo aplicável aos casos de doação a não residentes no país, pelo menos até que nova lei venha a dispor em contrário.