Transferência de riscos e capital de instituições financeiras

A recessão enfrentada pelo Brasil e o consequente crescimento do risco de crédito e da inadimplência de pessoas físicas e jurídicas têm gerado importantes alterações nas práticas do sistema financeiro nacional.

Há uma que merece atenção especial em função da sua complexidade jurídica: a multiplicação das operações que levam à transferência de risco de crédito. Elas evitam o efeito da inadimplência sobre o Patrimônio de Referência – patamar mínimo de recursos próprios e assemelhados que as instituições financeiras têm de manter para fazer frente ao risco de suas operações. Com isso, permitem-se novas operações, com resultante liquidez no mercado de crédito.

Uma das parcelas que compõem o Patrimônio de Referência é calculada segundo o tamanho da exposição de uma instituição a riscos de crédito. Há a exigência de reservas mínimas de capital proporcionais ao valor dessa exposição. É importante saber como a transferência desses riscos impactará o cálculo das reservas.

São três as principais possibilidades de negócios de uma instituição financeira levando a transferência do risco de suas operações de crédito para terceiros: a cessão de créditos, as operações com derivativos e as participações, incluindo-se nas últimas as captações com lastro em operações ativas vinculadas da Resolução nº 2.921, de 17 de janeiro de 2002, do Conselho Monetário Nacional (CMN).

Cessão de créditos

Na cessão de crédito o credor originário (cedente) transfere a titularidade do ativo de crédito a um terceiro (cessionário), que passa a ser o novo credor. Isso pode ocorrer por instrumento bilateral ou pela transferência de títulos ou cédulas que incorporem créditos, como as Cédulas de Crédito Imobiliário (CCIs) e as Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) da Lei nº 10.931, de 2 de agosto de 2004. Quem passa a deter o risco de crédito é o cessionário, pois irá receber a prestação do devedor. O cedente deixa de estar sujeito ao risco de não pagamento da prestação. Tais operações ocorrem contra remuneração e podem ser efetuadas sem restrições para outras instituições financeiras. Porém, para as entidades não integrantes do Sistema Financeiro Nacional (SFN), a operação pode ocorrer somente à vista e sem coobrigação do cedente. Entidades estrangeiras que figurem como cessionárias se sujeitam a essas restrições.

Transferido o risco, resta saber se o credor originário pode desconsiderá-lo no cálculo das reservas mínimas de capital. Como o ativo financeiro será baixado do registro contábil da instituição cedente, seu risco não será considerado para esse fim. Isso desde que a cessão se faça sem retenção de riscos pelo cedente, o que ocorreria, por exemplo, se o cedente garantisse o pagamento dos créditos cedidos ou por eles se coobrigasse.

Operações com derivativos de crédito

Derivativos de crédito são contratos que transferem o risco do ativo, mas não o ativo em si. Têm a característica básica de prever pagamentos em benefício do credor original do crédito subjacente na ocorrência de evento de deterioração desse crédito, como o inadimplemento, insolvência ou liquidação administrativa da contraparte. Contratado o derivativo, o risco do ativo objeto não pode ser excluído no momento da apuração das reservas mínimas de capital por não haver permissão regulatória expressa.

Segundo a regulamentação em vigor, este risco pode ser considerado mitigado caso o instrumento derivativo, sendo swap de crédito ou swap de taxa de retorno total, tenha como contraparte bancos centrais, instituições financeiras nacionais ou sediadas em jurisdições com boas classificações de risco de investimento, Entidades Multilaterais de Desenvolvimento, ou entidades cujo somatório do saldo de operações registradas no Sistema de Informações de Crédito do Banco Central (SCR) seja superior a R$ 100 milhões. Os contratos devem proibir a revogação unilateral pelas partes e também o aumento dos custos de proteção em função de deterioração do crédito. O prazo de validade do instrumento deve ser longo o suficiente para permitir que se aufira o vencimento e pagamento do crédito subjacente. Observados esses e alguns outros requisitos, o derivativo é considerado instrumento mitigador do risco de crédito, o que altera o cálculo dos requerimentos mínimos de capital na forma indicada abaixo.

A parcela dos requerimentos mínimos de capital referente ao risco de crédito da contraparte é calculada pela aplicação de porcentual (Fator de Ponderação do Risco - FPR) sobre o valor do ativo do qual decorre o risco de crédito. Na ausência de derivativo mitigador do risco, o FPR aplicado corresponde à qualidade do devedor da operação de crédito original. Quando há mitigação por derivativo de crédito, o FPR utilizado passa a ser o da contraparte receptora do risco, com eventual redução no resultado final do valor das reservas mínimas de capital, uma vez que os receptores de risco em derivativos tendem a atrair índices menores de FPR.

Participações e captações vinculadas da Resolução nº 2.921/02

Outra forma de se transferirem riscos de crédito são as participações. Diferentemente das participações societárias, em que há compra de ações ou quotas de sociedades, a participação em créditos, ou participação oculta, consiste em um contrato onde o credor se compromete, em troca de remuneração, a transferir a um terceiro (participante) tudo aquilo que receber do seu devedor. A realização de tal operação deve ser feita com atenção às normas regulatórias. Se tal instrumento for feito em observância aos requisitos previstos na Resolução nº 2.921, de 17 de janeiro de 2002, os riscos da operação ativa vinculada são, por previsão expressa, desconsiderados no cômputo dos requerimentos mínimos de capital. O instrumento de captação vinculada deve conter previsão contratual expressa da vinculação entre o pagamento da captação e o recebimento dos benefícios da operação ativa correspondente, com prazo de vencimento da operação de captação igual ou maior do que da operação ativa e encargos compatíveis entre ambas. As operações de captação vinculada cobertas pelo referido normativo podem assumir a forma contratual ou de credit linked notes (CLN).

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Autores L&S

Eduardo Salomão Neto

Eduardo Salomão Neto

Sócio

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