"Step-in rights" podem destravar financiamentos a rodovias e ferrovias
O investimento em infraestrutura é um dos fatores fundamentais para que o Brasil retome as rédeas de sua economia. Como a conjuntura atual torna os recursos públicos insuficientes, o financiamento privado será decisivo. Mas só virá se acompanhado de garantias adequadas aos financiadores.
O modal rodoviário e o ferroviário são exemplos de setores da infraestrutura que passam por dificuldades. No primeiro caso, apenas 13% da malha é pavimentada e quase metade das estradas não está em boas condições. O acréscimo médio ao custo operacional devido às más condições do pavimento é de 25%1.
O segundo caso é ainda mais crítico. O Brasil talvez seja raro exemplo de país onde a malha ferroviária diminuiu ao invés de aumentar, como decorrência da prioridade absoluta dada ao transporte rodoviário. Esse encolhimento é contrário às necessidades de um país com dimensões continentais, onde o transporte ferroviário mostra-se bem mais eficiente para viagens de longa distância. As ferrovias também se destacam pelo baixo custo de manutenção, pela grande capacidade de carga, pela maior segurança e pelo menor custo de transporte quando comparadas às rodovias.
Nem mesmo o movimento de desestatização e concessão das ferrovias, iniciado na década de 1990, foi capaz de resolver os gargalos estruturais desse modal tão importante. As ferrovias são ainda muito concentradas na região Sudeste e possuem distâncias limitadas e restritas a regiões específicas. Isso sem falar na falta de investimentos em terminais intermodais. As particularidades dos transportes ferroviário e rodoviário os fazem complementares, e não excludentes. A comunicação entre os diversos meios de transportes é essencial para a movimentação mais segura e econômica de pessoas e bens. Enquanto isso não ocorrer, continuaremos vivendo em um “país sobre rodas”.
Para superar nossos gargalos logísticos e alavancar os investimentos privados na infraestrutura é preciso assegurar a investidores financeiros garantias eficazes. Assim, o art. 27-A da Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), introduzido em janeiro de 2015, concede aos financiadores e garantidores de concessionárias de serviços públicos o direito de assumirem o controle ou a administração temporária do projeto para promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade dos serviços. Esse direito, conhecido como step-in right, ainda é pouco explorado no Brasil.
Os step-in rights são relevantes em projetos de infraestrutura em que interessa mais ao credor a continuidade do empreendimento do que a execução imediata de uma garantia obtida pelo financiamento. Em regra, os ativos da sociedade do projeto valem menos se vendidos separadamente do que a dívida incorrida para adquiri-los.
Passemos à análise do funcionamento desses mecanismos nos setores ferroviário e rodoviário, onde a previsão dos direitos de step-in é bastante comum.
O transporte de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação (SNV) e a exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária são atividades sujeitas à regulação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Conforme o artigo 21 da Constituição Federal, a União pode explorar os serviços de transporte ferroviário e rodoviário mediante autorização, permissão ou concessão. Tanto a permissão quanto a autorização, nesses setores, não abrange a exploração da infraestrutura, limitando-se à outorga ao particular do direito de transportar pessoas ou carga. A autorização, por exemplo, aplica-se à recém-criada figura do operador ferroviário independente, que presta serviços de transportes utilizando a infraestrutura operada pelo Estado ou pelos concessionários.
A concessão, por sua vez, é a figura apropriada para exploração da infraestrutura dos transportes ferroviário e rodoviário. A transferência da concessão e/ou do controle societário das concessionárias é plenamente aceita e rege-se pela Lei de Concessões, pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, pela Resolução ANTT nº 2.309, de 26 de setembro de 2007 (aplicável às ferrovias) e pela Resolução ANTT nº 2.310, de 26 de setembro de 2007 (aplicável às rodovias).
Tal transferência, que quando feita aos financiadores caracteriza direito de step-in, é condicionada à prévia e expressa autorização da ANTT.
Essa anuência pode ser dada no momento de contratação do financiamento, ou seja, antes de qualquer hipótese de inadimplemento que possa dar ensejo à implementação dos step-in rights. É possível receber autorização prévia, dada hipoteticamente para o caso de violação dos termos contratados, antes do desembolso de recursos pelos financiadores, o que resulta em maior disposição para destinar recursos por empréstimo.
Destaca-se também a existência de minuta de Resolução ANTT que permite expressamente que as concessionárias de transporte ferroviário e rodoviário federal ofereçam ações como garantia em contratos de financiamento, desde que autorizadas pela ANTT. Novamente, não há impedimento a que essa autorização seja anterior às hipóteses de inadimplemento que possam servir de gatilho para os step-in rights.
Seguindo o disposto no art. 27 da Lei de Concessões, a minuta de Resolução ANTT também permite que a Agência dispense os financiadores da comprovação de capacidade técnica para assunção do controle (art. 7º, §4º).
Os step-in rights podem ajudar a destravar investimentos nos setores ferroviário e rodoviário e assim superar os gargalos da logística brasileira. Objetivo importante, pois o governo comprometeu-se a leiloar três rodovias federais nos próximos meses e a aumentar a malha ferroviária em 15 mil quilômetros até 2020, enfatizando a integração nacional por meio das ferrovias "norte-sul", "leste-oeste" e "bi-oceânica".
1 A logística é o principal obstáculo do agronegócio brasileiro. Enquanto na Argentina e nos Estados Unidos os produtores de soja gastam US$ 20 para exportar o produto, no Brasil gastam US$ 92. (“Logística pesa nos custos do produtor” – Valor Econômico – 21/12/2015).