São Paulo admite aquisição sem restrições de imóvel rural por sociedade controlada por estrangeiros

A Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em parecer publicado em dezembro de 2012, dispensou os tabeliães e oficiais de registro de observarem as restrições da Lei n° 5.709, de 7 de outubro de 1971, em relação à aquisição de imóveis rurais por pessoas jurídicas brasileiras controladas por estrangeiros. Essas restrições incluem limitação de tamanho do imóvel a ser adquirido, assim como a sujeição da aquisição à autorização do Ministério da Agricultura ou de Indústria e Comércio, conforme a destinação a ser dada ao imóvel, e, quando estiver localizado em faixa de fronteira, do Conselho de Defesa Nacional. O parecer reflete posição tomada pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 12 de setembro de 2012, em decisão referente a mandado de segurança, a qual contesta o entendimento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Advocacia Geral da União (AGU) sobre a matéria.

A controvérsia recente sobre o tema originou-se em 2010, quando a Corregedoria do CNJ emitiu parecer recomendando que as corregedorias estaduais orientassem os cartórios de registro de imóveis a observarem as restrições da Lei n° 5.709 no caso de aquisição de imóvel rural por sociedade brasileira controlada por estrangeiros. Na prática, os registros de imóveis passaram a ser obrigados a exigir dos adquirentes nessas condições a prova da autorização da aquisição pelo órgão federal competente e a remeter às corregedorias e ao INCRA/Ministério do Desenvolvimento Agrário a relação das aquisições de áreas rurais por estrangeiros, incluindo as empresas brasileiras com participação estrangeira majoritária.

Corroborando essa posição, parecer LA-01 da AGU aprovado pelo Presidente da República em 23 de agosto de 2010, considerou que o artigo 1°, § 1° da Lei n° 5.7091  não foi revogado pela Constituição Federal de 1988, sujeitando, portanto, sociedades brasileiras com controle estrangeiro às restrições da Lei n° 5.709.

O acórdão do Órgão Especial do TJ-SP e o posterior parecer da sua CGJ concluíram que o entendimento adotado pelos pareceres da AGU e do CNJ está equivocado, e que a diferenciação de pessoas jurídicas brasileiras por conta da nacionalidade de seu capital é inconstitucional. Destacam que a Constituição Federal antes distinguia as pessoas jurídicas de capital nacional para fins de concessão de benefícios e não de restrições. Assim, a Lei n° 5.709 seria inconstitucional por utilizar a distinção para restringir o direito da pessoa jurídica brasileira com capital estrangeiro de ser proprietária de imóveis rurais. O acórdão também sustenta que depois da Emenda Constitucional n° 6 de 1995 qualquer distinção entre pessoas jurídicas brasileiras em virtude da nacionalidade do seu capital foi eliminada.

Os efeitos do parecer serão, porém, limitados. Primeiro, porque abrange apenas os cartórios de São Paulo. Depois, porque a regularidade da propriedade rural no Brasil, como resultado de um emaranhado de leis, decretos e portarias, envolve o cumprimento de uma série de obrigações adicionais perante órgãos federais. Além da obrigação de pagar o Imposto Territorial Rural (ITR), o proprietário rural deve manter atualizado o cadastro do imóvel perante o INCRA e realizar o georreferenciamento do imóvel dentro dos prazos estabelecidos pelo Poder Executivo. O não cumprimento dessas obrigações pode resultar na não emissão pelo INCRA do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR), o que impede a realização de atos como o desmembramento, arrendamento, a hipoteca e a venda do imóvel.

Esses cadastros exigem a prestação de informações sobre os proprietários dos imóveis, inclusive em relação à sua nacionalidade. A decisão da Corregedoria eliminou parte do problema criado pelo parecer do CNJ de 2010 para imóveis localizados no Estado, mas a aquisição de propriedade rural em São Paulo por uma sociedade brasileira com capital estrangeiro pode enfrentar obstáculos em razão dos procedimentos que dependem dos órgãos federais, como o INCRA, ainda vinculados ao Parecer da AGU, que é de observância obrigatória para toda a administração pública federal.

A situação evidencia também os potenciais conflitos que podem ocorrer entre o CNJ e as corregedorias dos tribunais estaduais, dada a sobreposição de competência dos órgãos. Tais conflitos podem se estender para outros estados caso as corregedorias decidam adotar entendimento similar ao do TJSP. Por ora, na falta de posicionamento específico das corregedorias, os cartórios dos demais estados provavelmente continuarão a aplicar o parecer do CNJ, submetendo as sociedades com controle estrangeiro às restrições da Lei nº 5.709.

Para esses casos, decisão recente do próprio CNJ esclareceu questão marginal que vinha causando problemas a bancos brasileiros com controle estrangeiro. Após o parecer de 2010, esses bancos passaram a enfrentar dificuldades para registrar garantias reais sobre imóveis rurais, como hipotecas e alienações fiduciárias, porque os cartórios de registro de imóveis consideravam que os registros das garantias também estariam sujeitos às restrições da lei e dependiam de autorizações dos órgãos federais.

A Associação Brasileira de Bancos Internacionais (ABBI) apresentou requerimento ao CNJ para que reconsiderasse o parecer, permitindo o registro das garantias reais, mesmo quando em favor de banco brasileiro com controle estrangeiro. O CNJ declarou que o parecer estava restrito a aquisições de imóveis e que o registro de garantias não estaria sujeito às restrições da Lei n° 5.709. A eventual adjudicação ou arrematação do imóvel rural estaria sujeita às restrições, mas o registro da garantia real é livre. A decisão ressalva, no entanto, as situações envolvendo imóveis localizados em faixa de fronteira que só podem ser dados em garantia com a devida autorização do Conselho de Defesa Nacional.


1 Art. 1º - O estrangeiro residente no País e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil só poderão adquirir imóvel rural na forma prevista nesta Lei.
§ 1º - Fica, todavia, sujeita ao regime estabelecido por esta Lei a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

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Autores L&S

Alexandre Ditzel Faraco

Alexandre Ditzel Faraco

Sócio

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