A imposição de trabalho em condições análogas à de escravo é punida pelo Código Penal com pena de até oito anos de prisão e multa. No entanto, a pouca objetividade dos critérios adotados pela lei nessa área abre espaço para abusos e possíveis danos reputacionais, o que torna altamente recomendável a implementação de medidas mitigadoras.
O crime existe sempre que há submissão da pessoa a trabalho forçado ou restrição da liberdade de locomoção do trabalhador em razão de dívida. Outras condutas criminais relacionadas são a restrição do uso de meios de transporte, o exercício de vigilância ostensiva ou a posse de documentos ou pertences pessoais com o objetivo de manter a pessoa no local de trabalho.
Surpreendentemente, porém, o crime também se configura em caso de imposição de ambiente de trabalho negativo, com jornadas exaustivas ou condições degradantes. Essa extensão gera problemas mais sutis devido à sua natureza subjetiva e, portanto, ao potencial de afetar até mesmo empresas geridas de boa fé.
Embora alguns tribunais tenham decidido que o crime sempre exige restrição à liberdade de movimento do trabalhador, o Superior Tribunal de Justiça entende que a punição deve ser aplicada independentemente disso caso existam condições negativas de trabalho, uma vez que a restrição à liberdade é apenas uma das maneiras de cometer o crime.
Os problemas que surgem dessa interpretação decorrem principalmente da dificuldade de diferenciar a redução à condição análoga à de escravo de outras violações a direitos trabalhistas, punidas pelo direito penal brasileiro com sanções menos severas.
O Superior Tribunal de Justiça diminuiu em certa medida essa insegurança ao definir que apenas violações intensas e persistentes a direitos trabalhistas poderiam dar origem ao crime de trabalho escravo, mas a avaliação costuma ser feita de maneira casuística.
Os tribunais vêm também adotando alguns critérios para definir de maneira mais segura uma conduta como trabalho escravo, tais como ausência de condições mínimas de higiene para o desempenho da atividade, estabelecimento de remuneração bem abaixo do salário mínimo, imposição de jornada de trabalho superior a dez horas, ausência de fornecimento de equipamentos de proteção e falta de treinamento para uso de materiais perigosos.
No entanto, como forma de coibir o trabalho escravo e com base em interpretação ampla dos critérios de responsabilidade penal, órgãos de acusação no Brasil podem eventualmente denunciar executivos de empresas beneficiadas indiretamente pelo trabalho escravo, mesmo quando não há evidências de seu conhecimento ou envolvimento com as atividades criminosas.
Isso ocorre, por exemplo, no caso de atividades subcontratadas para pessoas submetidas a condições degradantes de trabalho, especialmente quando os trabalhadores terceirizados prestam serviços de forma exclusiva.
Em decisão recente, tribunal brasileiro entendeu que a existência de um único beneficiário para as atividades terceirizadas indicava, no mínimo, “cegueira deliberada” por parte da empresa, condenando seu administrador a mais de cinco anos de prisão pelo crime de redução a condição análoga à de escravo.
Riscos como esse podem ser mitigados pela adoção de medidas como inspeção periódica das empresas terceirizadas, inserção de cláusulas que proíbam a subcontratação não autorizada de serviços e pagamento de preços compatíveis com os produtos, tanto para os terceirizados como pelo consumidor final.
Em caso recente envolvendo empresa do ramo da moda acusada de trabalho escravo, a Justiça Federal de São Paulo entendeu que seus executivos não deveriam ser condenados porque foram adotadas medidas razoáveis para evitar a subcontratação não autorizada de serviços e se estabeleceu cultura de verificação prévia da capacidade produtiva dos fornecedores.
O Ministério Público Federal destacou no início do processo que a falta de tais medidas demonstraria que a empresa aceitava o risco de se beneficiar de serviços prestados em condições degradantes. No entanto, esses critérios não foram definidos como regras vinculantes e, portanto, não há garantia de que a responsabilidade criminal será afastada em casos futuros, mesmo que sejam adotadas medidas mitigadoras.
O pagamento de preço especialmente baixo aos trabalhadores terceirizados também pode indicar que o empresário se beneficiou de mão de obra ilegal.
Pagamento de valores de mercado, por outro lado, seria evidência adicional de que o subcontratante agiu de boa fé.
Outra medida atenuante e altamente aconselhável seria a cuidadosa elaboração do contrato de terceirização, com previsão de auditorias na empresa terceirizada e a efetiva realização dessas auditorias. O acordo deve prever, por exemplo, proibições claras em relação a longas jornadas e condições insalubres no ambiente de trabalho, e o cumprimento dessas obrigações deve ser verificado nas auditorias.
Natasha do Lago
Sócia de Ráo & Lago Advogados