Receita define tributação dos rendimentos de aportes de investidor-anjo
Passados nove meses desde a publicação da Lei Complementar (LC) nº 155, de 27 de outubro de 2016, que introduziu o novo regime jurídico aplicável aos aportes de capital realizados por “investidores-anjo” em sociedades enquadradas como microempresas ou empresas de pequeno porte1, a Receita Federal do Brasil, por meio da Instrução Normativa (IN) nº 1.719, publicada em 21 de julho de 2017, regulamentou a tributação dos rendimentos decorrentes desses investimentos.
De acordo com a nova IN, a remuneração periódica do investidor-anjo apurada sobre os resultados da empresa receptora do aporte, bem como o ganho eventualmente auferido no resgate do aporte, sofrerão a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), calculado com base nas seguintes alíquotas regressivas, em função do prazo do contrato de participação:
(i) 22,5%, em contratos de participação com prazo de até 180 dias;
(ii) 20%, em contratos de participação com prazo de 181 dias até 360 dias;
(iii) 17,5%, em contratos de participação com prazo de 361 dias até 720 dias;
(iv) 15%, em contratos de participação com prazo superior a 720 dias.
Também se sujeitará ao imposto, calculado com base nessas alíquotas, o ganho apurado na alienação dos direitos do contrato de participação, se for o caso de pessoa física ou pessoa jurídica isenta ou optante pelo Simples Nacional. O imposto, nestes casos, deverá ser recolhido até o último dia útil do mês subsequente e o prazo deve ser calculado a partir da data do aporte para determinação da alíquota aplicável.
Por outro lado, essas alíquotas não se aplicarão aos ganhos na alienação dos direitos do contrato de participação auferidos por pessoa jurídica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado. Nesses casos, os ganhos deverão ser diretamente computados no pagamento da estimativa e na apuração do lucro real ou comporão o lucro presumido ou arbitrado.
Para as pessoas físicas ou pessoas jurídicas isentas ou optantes pelo Simples, o IRRF pago sobre qualquer rendimento decorrente dos aportes de capital será considerado definitivo. Já para investidores-anjo que sejam pessoa jurídica tributada com base no lucro real, presumido ou arbitrado, o IRRF incidente sobre remuneração periódica ou ganho no resgate do aporte será considerado antecipação do IR devido no encerramento de cada período de apuração ou na data de extinção.
De acordo com a IN nº 1.719/17, também não incidirá o IRRF sobre rendimentos, ganhos líquidos ou de capital auferidos pelas carteiras dos fundos de investimentos que aportarem capital como investidores-anjo. Os resgates desses fundos de investimentos estarão sujeitos à incidência do IRRF aplicável aos fundos de investimentos regidos por norma geral.
O regime de tributação disposto na IN (alíquotas e prazos previstos) é idêntico ao aplicável aos rendimentos de aplicações ou operações financeiras de renda fixa ou variável em geral2.
Ao fixar alíquotas regressivas em função do prazo do contrato de participação, inclusive para tributar resgates do aporte, a IN parece não se atentar para o prazo mínimo de dois anos para resgate do aporte pelo investidor-anjo, fixado na LC nº 155/16 -- o que tornaria impossível, na prática, a aplicação de alíquotas de IRRF superiores a 15% sobre rendimentos decorrentes de resgate do aporte. Alíquotas superiores a 15% poderiam alcançar apenas rendimentos periódicos ou ganhos da alienação dos direitos do contrato de participação (operação não sujeita ao prazo mínimo de dois anos), considerando-se que “prazo do contrato” seria o intervalo entre a data do aporte e a data em que forem auferidos os rendimentos ou ganhos.
Merece críticas, ainda, a previsão de incidência de IRRF sobre correção monetária do aporte resgatado, na medida em que a IN prevê como base de cálculo do IRRF a diferença positiva entre o valor do resgate e o valor do aporte de capital efetuado, e limita o valor de eventual resgate ao próprio valor do aporte corrigido pela inflação.
A total ausência de regras sobre tributação de rendimentos de investidores-anjo não residentes no Brasil é outro ponto negativo da regulamentação, podendo causar entraves práticos à remessa de valores ao exterior, inclusive o retorno do valor principal aportado.
Se não surpreende o fato de a Receita não ter equiparado o pagamento da remuneração pelo aporte à distribuição de dividendos isentos, sob o pretexto de que o investidor-anjo não é sócio da empresa receptora do aporte, é lamentável a previsão do desfavorável regime de tributação na fonte, com alíquotas e prazos equivalentes aos de aplicações/operações financeiras de renda fixa, o que acaba por diminuir a atratividade dos aportes de capital nesse investimento de risco e desestimular a utilização de regime jurídico que serviria para fomentar novos negócios.
Diante desse cenário de desestímulo e incertezas, investidores-anjo e empresas receptoras de investimentos não devem deixar de considerar outras estruturas aptas à formalização de suas relações e potencialmente capazes de assegurar resultados semelhantes aos alcançados com os aportes de capital, a uma tributação possivelmente mais atrativa.
1. Para mais informações: http://www.levysalomao.com.br/publicacoes/Boletim/brasil-aprova-lei-sobre-investidor-anjo
2. Cf. art. 1º da Lei nº 11.033, de 21 de dezembro de 2004.