Publicação de balanço das sociedades de grande porte: incerteza jurídica subsiste
Anualmente, as empresas brasileiras realizam assembleias gerais ou reuniões de sócios para aprovação de contas. No caso das sociedades de grande porte (aquelas que no exercício social anterior apresentam ativo superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões), uma questão permanece conturbada: a obrigatoriedade de publicação dos balanços nos diários oficiais e nos jornais de grande circulação, quando não constituídas sob a forma de sociedades por ações.
As dúvidas surgiram com a Lei n° 11.638, de 28 de dezembro de 2007, que estendeu às sociedades de grande porte, constituídas sob qualquer forma societária, disposições relativas à escrituração e à elaboração de demonstrações financeiras antes aplicáveis apenas às sociedades por ações. Publicada a lei, restou a dúvida se tais obrigações incluiriam a publicação das demonstrações financeiras.
Em 2008, o extinto Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC), cujas competências foram, em maio de 2013, atribuídas ao Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), emitiu o Ofício Circular nº 99, que determinava que “as sociedades de grande porte (...) poderão facultativamente publicar suas demonstrações financeiras nos jornais oficiais ou outros meios de divulgação, para o efeito de ser deferido o seu arquivamento nas Juntas Comerciais”. Ou seja, as publicações anuais das demonstrações financeiras seriam apenas uma opção para as sociedades limitadas de grande porte, não uma obrigação.
Isto motivou a Associação Brasileira das Imprensas Oficiais (Abio) a mover ação judicial para privar de eficácia o entendimento do DNRC. Em sentença de 9 de março de 2010, o pedido da Abio foi julgado procedente, resultando na determinação de que o DNRC exigisse, com base na Lei nº 11.638/07, a publicação, no órgão oficial (Imprensa Oficial) dos balanços e demonstrações financeiras das sociedades de grande porte. Apesar de, em sua fundamentação, a sentença ter mencionado a obrigatoriedade da publicação de balanços no órgão oficial e em jornal de grande circulação, conforme o artigo 289 da Lei das Sociedades por Ações (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976), a decisão referiu-se apenas à publicação nos diários oficiais. Ao invés de reduzir a incerteza jurídica, a sentença, por imprecisão técnica, criou nova dúvida.
Em cumprimento à sentença, o DNRC expediu, em 13 de abril de 2010, Ofício Circular às juntas comerciais estaduais confirmando a exigência de publicação das demonstrações financeiras para as sociedades de grande porte e orientando o procedimento de registro a ser seguido. De início, não se verificou um padrão procedimental por parte das juntas. Apenas as juntas comerciais de São Paulo, Minas Gerais e Tocantins produziram normas com base no ofício do DNRC, regulamentando a questão com texto idêntico e exigindo publicação no órgão oficial e em jornal de grande circulação. Ou seja, em relação à sentença de primeira instância, tais regulamentações extrapolaram a ordem judicial.
Atualmente, está pendente de julgamento no Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região a apelação da União Federal contra a sentença que julgou procedente o pedido formulado pela Abio. Mesmo que a sentença seja revertida, os balanços de diversas empresas de grande porte já têm sido publicados e o sigilo de tais dados, que para várias empresas tem valor estratégico, perdido.
Existem esforços adicionais para amenizar as controvérsias da Lei n° 11.638/07. Um exemplo foi o Projeto de Lei do Senado nº 243/08, que previa a alteração do artigo 3º da lei para incluir expressamente a obrigação de publicar as demonstrações financeiras de sociedades de grande porte. O PL foi, entretanto, arquivado com o final da última legislatura, em dezembro de 2014.
Sem posição final da Justiça, a Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) editou a Deliberação n° 2, de 25 de março de 2015, por meio da qual obriga as sociedades limitadas de grande porte a publicar os balanços tanto na imprensa oficial quanto nos jornais de grande circulação, sendo o cumprimento de tais providências condição para o arquivamento de atos societários. O não atendimento a este procedimento pode causar problemas para as empresas e para seus sócios, principalmente para no caso das que estiverem envolvidas em operações de fusões e aquisições ou em processos para obtenção de grandes financiamentos, já que a ausência de tais publicações pode ser detectada em auditorias legais.
Tais problemas podem ser menos onerosos do que a possibilidade da perda permanente do sigilo sobre dados valiosos para a empresa. Em terreno pantanoso como o que se apresenta para as sociedades de grande porte, a estratégia jurídica a ser adotada exige análise detida de custo e benefício em cada caso.