A Petrobras terá necessariamente peso central no processo de retomada dos investimentos em infraestrutura. Sua solidez financeira, e com ela sua capacidade de investir, guardam relação direta com sua política de preços, tema que voltou à tona com o anúncio recente de seu Plano de Negócios.
A polêmica que o tema suscita é recorrente. Os preços encontram-se agora acima do que corresponderia àqueles praticados nos mercados internacionais; o pêndulo moveu-se. A Petrobras aproveita o momento para recuperar parte das perdas incorridas, ao passo que consumidores de gasolina e diesel não constituem grupo suficientemente organizado, capaz de provocar uma grita com potencial de influenciar os preços.
Passados quase vinte anos da entrada em vigor da Lei do Petróleo (Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997), o fato é que em momento algum funcionou plenamente o modelo legal-regulatório proposto para o setor pelo Poder Executivo e aprovado pelo Congresso Nacional.
Esse modelo é o de um mercado concorrencial, e seus pilares são:
• pluralidade de agentes econômicos atuando nos diferentes segmentos da cadeia; inclusive no fornecimento de derivados básicos, por meio do refino doméstico, mas também de importações;
• liberdade de preços;
• livre acesso à infraestrutura;
• possibilidade de subsídios com recursos da CIDE-combustíveis, desde que mediante aprovação do Congresso Nacional, na esteira de recomendação do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
É útil examinar em que medida esses pilares foram ou são observados. A Petrobras deseja atrair sócios para seu parque de refino e esse foi um dos aspectos mais comentados do Plano de Negócios anunciado recentemente. Dito isto, não houve investimentos independentes em refino no Brasil e a empresa ainda é quase monopolista nesse segmento. Quanto ao livre acesso à infraestrutura, não se reproduziram com relação às instalações para importações de derivados básicos os (poucos) questionamentos que houve com relação àquela que serve o gás natural. Parece imperar o duplo receio, de resto compreensível num mercado que é marcadamente volátil: de investir e de brigar com a Petrobras.
A liberdade de preços instituída pela Lei do Petróleo nunca foi exercida plenamente pela Petrobras. A exceção ocorreu no momento inicial do novo marco legal, em que a companhia chegou a implementar o alinhamento, ou parametrização, de preços com o mercado internacional. Naquele momento a Petrobras essencialmente prorrogou, na prática, a última política observada pelo governo federal antes da instituição da liberação formal de preços. Essa política havia sido objeto das Portarias Interministeriais (Fazenda e Minas e Energia) 404, de outubro de 1999; e 2, de janeiro de 2001, que previu reajustes trimestrais.
Essa disciplina, no entanto, não resistiu aos períodos de elevação de preços nos mercados internacionais. Uma curiosidade é que os dirigentes da Petrobras ainda assim continuaram a sustentar o discurso de que a política continuava a ser a de alinhamento com o mercado internacional, acrescentando a ressalva de que a companhia não repassaria para o mercado interno a volatilidade de mercados internacionais.
Na prática, o Governo federal segurava os preços valendo-se da condição de acionista controlador. É o que sempre se supôs, e é o que emerge agora em numerosos processos judiciais e administrativos (CVM, SEC), sob a forma de atas de reuniões do Conselho de Administração da companhia. Antes da Lei do Petróleo, essa prática gerava um crédito da Petrobras perante o Tesouro, cujo saldo final foi objeto de um bilionário acerto de contas em 2001, como mandou a Lei. Mas já não há conta petróleo, o mecanismo contábil que amparava essa conta corrente entre a Petrobras e o Tesouro. Tampouco há base legal para ressarcimento pelo Erário: o prejuízo é irreversível, o que explica o volumoso contencioso que se instaurou. O saldo final desses processos demorará a surgir, mas tende a ser expressivo e a ter impacto duradouro.
O governo poderia alegar, como efetivamente fizeram alguns de seus representantes em reuniões do Conselho de Administração, que proteger os interesses do consumidor quanto a preço é um objetivo da política energética nacional, previsto em lei. Os prospectos de emissão de valores mobiliários da Petrobras contêm, efetivamente, alerta nesse sentido. Mas trata-se de justificativa indefensável e insustentável: para assegurar preços livres e mercado competitivo foi mudada a Constituição e aprovada a Lei do Petróleo. Ou o governo propunha ao Congresso nova mudança da lei – para recriar o controle de preços e também uma conta petróleo, de forma a não lesar a Petrobras, seus acionistas e concorrentes; ou deveria respeitar a lei em vigor – e ela manda promover a livre concorrência e incrementar a participação dos biocombustíveis na matriz energética.
A marcante dominação de mercado da Petrobras inibe decisões comerciais e de investimentos de eventuais concorrentes. A eventual adoção de política de preços transparente pela companhia contribuirá para acirrar o ambiente concorrencial. A autoridade antitruste terá papel importante. Não apenas para assegurar que não haja práticas exclusionárias (como price squeeze) por parte da Petrobras, mas também para inibir eventual tentação dos concorrentes a entender-se entre si para simplesmente maximizar lucros à sombra do líder de mercado, abstendo-se de oferecer concorrência efetiva.