O seguro D&O e suas vicissitudes em casos de corrupção
O seguro D&O (Directors and Officers Liability Insurance) é um tipo de seguro de responsabilidade civil, voltado para diretores e administradores de pessoas jurídicas, contratado com o objetivo de proteger o seu patrimônio pessoal em face de processos administrativos e judiciais. São cobertos pelo seguro atos ilícitos culposos dos agentes, cometidos dentro do exercício de suas funções, que causaram danos a terceiros. A indenização do seguro cobre custos de defesa e condenações pecuniárias. Por inexistir regulação específica sobre o tema, era aplicado o disposto na Circular da Superintendência de Seguros Privados (Susep) nº 437, de 14 de junho de 2012, que versa sobre seguros de responsabilidade civil em geral.
Esse tipo de cobertura adquiriu visibilidade por volta de 2016, consequência, em grande parte, da Operação Lava Jato, que serviu como estímulo para a sua contratação. Contribuiu também para o incremento a tendência de desconsideração judicial da personalidade jurídica, presente em diversas legislações. Diante disso, a Susep emitiu a Circular nº 541, de 14 de outubro de 2016. Conforme a Circular, o seguro D&O é contratado por uma sociedade, como tomadora, em benefício dos segurados, necessariamente pessoas físicas, que exerçam funções executivas ou cargos de administração.
Porém, cinco meses após a entrada em vigência da Circular, a própria Susep a suspendeu por noventa dias, devido ao seu regramento controverso. Dentre os tópicos polêmicos, estava a proibição de contratação por pessoas físicas, a impossibilidade de contratar a cobertura C (que possibilita situar uma empresa como beneficiária do seguro, não apenas como tomadora), a falta de clareza sobre a cláusula arbitral, a exclusão dos danos ambientais, além da omissão acerca da relação do D&O com legislações estrangeiras. Assim, foi editada a Circular Susep nº 553, de 23 de maio de 2017, que passou a prever a contratação do seguro por pessoa física, inseriu previsão da cobertura C no D&O, tornou claras as disposições referentes à cláusula arbitral e à legislação estrangeira, embora tenha mantido a exclusão por dano ambiental, sendo necessária a contratação de outro tipo de seguro para que seja possível alocar riscos nesse quesito.
Recentemente, no dia 9 de agosto de 2018, o voto do Des. Cesar Ciampolini, posicionando-se sobre a instalação de tribunal arbitral para resolução de conflito envolvendo o seguro D&O, abordou a questão da cobertura securitária para atos dolosos, os quais também ensejam ilícitos penais. Em seu voto, considerou a cobertura inválida, tanto pelo fato do ato cometido ser doloso, quanto por ser tipificado no Código Penal1 .
Segundo o artigo 762 do Código Civil, o contrato relativo a risco proveniente de ato doloso do segurado será inválido, portanto, a decisão está correta ao proibir a utilização do D&O para esses casos, assim como a Circular Susep nº 553/17, que também possui disposição nesse sentido. Todavia, a utilização do critério de crime tipificado no Código Penal para a recusa do seguro de responsabilidade civil, argumento também presente no voto, embora faça sentido para os casos de crimes dolosos, não seria correta em relação aos crimes culposos. Afinal, o Código Civil veda a cobertura apenas aos atos dolosos, mas crimes culposos ainda podem ser objeto de seguro na esfera cível. Isso desde que a culpa não seja grave, pois a culpa grave é considerada ato doloso, conforme o art. 3º, XVII, da Circular Susep nº 553/17. Também na esfera penal, a culpa grave se equipara ao dolo eventual, em que o agente assume o risco de produzir o resultado delitivo, conforme o artigo 18, I, do Código Penal.
Mesmo em relação a crimes dolosos, parece-nos existir argumentação de autoridade para que a nulidade do seguro exista apenas se causada por crime doloso do próprio executivo beneficiário, hipótese diferente daquela em que a conduta dolosa seja da empresa contratante da apólice D&O. A Susep publicou, no dia 16 de agosto de 2018, a Carta Circular Eletrônica nº 1/2018, que dispõe sobre o dever de indenizar prejuízos relativos a atos de corrupção. Segundo a autarquia, a seguradora não pode se furtar ao pagamento da indenização quando a empresa contratante do seguro cometer atos dolosos violadores de norma anticorrupção, desde que não haja conhecimento ou concurso do executivo segurado. Desse modo, de acordo com a Carta Circular, a indenização não seria possível apenas quando houvesse dolo simultâneo da empresa estipulante e do segurado. Embora a Carta Circular seja aplicável apenas ao Seguro Garantia, esse entendimento poderia por analogia ser utilizado para mitigar o artigo 762 do Código Civil, que como mencionado invalida o seguro sobre atos dolosos da empresa estipulante ou do executivo beneficiário.
1 Apelação nº 1011986-32.2017.8.26.0100/ 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial/ MM. Juiz de Direito Dr. João de Oliveira Rodrigues Filho.