O Marco Civil da Internet e o direito autoral

A recente publicação da Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014, cunhada como o “Marco Civil da Internet”, tem sido amplamente noticiada devido às disposições de vanguarda que apresenta e às preocupações que traz para alguns dos players deste mercado.
 
O Marco da Internet não é a “Constituição da Internet”, como chegaram alguns a qualificá-lo. A Internet é um ambiente onde todas as regras e princípios do Direito brasileiro se aplicam. Prova disto é que boa parte do texto da novata lei apenas repete princípios constitucionais, tais como liberdade de expressão, livre iniciativa e concorrência.

A nova lei tampouco pretende “controlar” a Internet, mas sim estabelecer/adequar normas a esse novo mundo virtual, de que são exemplos (i) a proteção da privacidade dos usuários mediante a proibição de acesso pelos provedores ao conteúdo dos emails que por eles trafegam; (ii) o acesso livre à rede, mediante o estabelecimento do conceito de neutralidade; e (iii) a obrigação dos provedores de manterem arquivadas, por determinado período, as informações de seus usuários para fins de cooperação com a Justiça.

Embora extensa, a nova lei não contém em seu arcabouço o detalhamento de algumas de suas disposições, o que será feito, como anunciado, em regulamentação a ser expedida em breve pelo Governo Federal.

Tema da maior importância - e (mal) tratado no Marco da Internet - é o das violações ao direito autoral no ambiente virtual. O direito autoral, também princípio constitucional, não foge à regra de ser aplicável na rede.

Desafio que surgiu com a capacidade inigualável da rede de espraiar conteúdos protegidos pelo direito autoral, é tornar efetivos os direitos de seus titulares, coibindo a tempo e hora o uso não autorizado.

O mercado, passado um primeiro período de conflito e insegurança, encontrou seu caminho: uma vez notificados pelos titulares, os provedores retiravam (será que continuarão a fazê-lo?) o conteúdo da rede. O Judiciário, por sua vez, embora com decisões erráticas quando o assunto ainda era novo, logo tratou de validar as regras do mercado, coibindo as utilizações não autorizadas nos casos em que as partes não conseguiam chegar a acordo.

O § 2o do artigo 19 do Marco da Internet, cuja redação é fruto de tensões quando da discussão da lei, condiciona a aplicação da regra restritiva da responsabilidade do provedor a uma "previsão legal específica" que venha a regular as violações de direitos autorais na internet. Tal disposição objetivou postergar a discussão no que diz respeito a tal categoria de direitos.

A regra do artigo 31 das Disposições Transitórias da lei, entretanto, torna nebuloso aquilo que havia ficado claro no parágrafo antes mencionado – de que até a edição de lei específica, o provedor é responsável civilmente se, notificado por titular de direitos autorais, não retirar o conteúdo. Dispõe tal artigo que até a entrada em vigor da lei especial, a responsabilidade do provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, quando se tratar de infração a direitos de autor ou a direitos conexos, continuará a ser disciplinada pela legislação autoral vigente aplicável na data da entrada em vigor desta Lei.

A legislação autoral vigente – Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998 – não trata especificamente deste tema; quando de sua discussão, tal regulamentação não se fazia necessária devido ao ainda incipiente estágio de desenvolvimento do ambiente digital.

Sendo o direito autoral um direito fundamental e humano, assim qualificado nas normas brasileira e internacional, outra não pode ser a interpretação das mal traçadas linhas do Marco da Internet que a da responsabilização do provedor de acesso que não atender a requerimento do titular dos direitos autorais para retirar da rede conteúdo que viole seus direitos.

Bem-vindo é o debate sobre como compatibilizar o importante processo de democratização da cultura – iniciado na “Era Digital” – com o estímulo ao investimento na produção cultural, historicamente protagonizado pela proteção às criações. É certo, entretanto, que a solução para esta desafiadora tarefa não passa pela aceitação da rede como um ambiente desregrado, onde tudo é permitido.

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Autores L&S

Simone Lahorgue Nunes

Simone Lahorgue Nunes

Consultora

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