O ilegal aumento do PIS e da Cofins

Vinicius Branco 26/06/2015

A Presidente da República instituiu por meio do Decreto nº 8.426, de 1º de abril de 2015, aumento das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre as receitas financeiras auferidas a partir de 1º de julho de 2015 pelas sociedades sujeitas ao regime não cumulativo dessas exações.

Valeu-se, para tanto, de mero eufemismo ao designar de“restabelecimento de alíquota” o que, na verdade, é efetivo aumento, infringindo assim o art. 150, I, da Constituição Federal, que veda expressamente a adoção desse expediente.

Segundo o governo, a prática seria autorizada pela Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, que delega ao Executivo poderes para majorar as alíquotas das contribuições para o PIS e a Cofins exigidas sobre as receitas financeiras.

Ocorre que a delegação de poderes para majoração de tributos é regra excepcional, e como tal, restrita a situações expressamente contempladas no texto constitucional. Excetuadas aquelas hipóteses – que dizem respeito apenas aos Impostos de Importação, de Exportação, ao Imposto sobre Produtos Industrializados e ao Imposto Sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro ou Relativas a Títulos e Valores Mobiliários – nenhum outro tributo pode ser instituído ou aumentado senão mediante lei, que como se sabe, é atribuição exclusiva do Poder Legislativo.

A inconstitucionalidade do § 2º do art. 27 da referida Lei nº 10.865/04 leva, como consequência, à automática ilegalidade do Decreto nº 5.442, de 9 de maio de 2005, eis que fundado em norma que não produz qualquer efeito no mundo jurídico.

Alguns contribuintes têm, no entanto, manifestado receio de que a declaração de inconstitucionalidade do § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/04 teria o condão de provocar também a ilegalidade do Decreto nº 5.164, de 30 de julho de 2004, que reduziu a zero a alíquota do PIS e da Cofins sobre receitas financeiras auferidas a partir de 2 de agosto daquele ano, excetuadas as derivadas de operações de hedge e recebimento de juros sobre capital próprio, e do Decreto nº 5.442/05, que estendeu esse benefício às receitas derivadas de operações dehedge a partir de 1º de abril de 2005.

Teme-se que eventual pronunciamento do Poder Judiciário confirmando a inconstitucionalidade dessa disposição legal conferiria ao Fisco autorização para cobrar as contribuições ao PIS e à Cofins durante todo o período em que prevaleceu a alíquota zero, ainda não alcançado pela decadência.

Esse receio não deve prejudicar a discussão sobre o aumento dessas contribuições, desde que embasada na declaração de inconstitucionalidade da expressão “restabelecer”, e não do § 2º do art. 27 como um todo.

A restrição do escopo do pedido decorre do limitado interesse do contribuinte, qual seja, o de se ver desobrigado do cumprimento de norma que o prejudica.

E nem faria qualquer sentido requerer a declaração de inconstitucionalidade da parte do dispositivo que permitiu ao Executivo reduzir a zero a alíquota das contribuições em exame, pois a Carta de 1988 veda expressamente o aumento de tributos sem lei que o estabeleça, mas em momento algum proíbe sua redução por meio de atos infralegais.

As declarações de inconstitucionalidade de expressões empregadas em artigos de leis tributárias têm sido, aliás, motivo de frequentes manifestações do Poder Judiciário. No RE 116.121-3/SP, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) declara a inconstitucionalidade da expressão “locação de bens móveis” para afastar a exigência do Imposto sobre Serviços sobre tais atividades, ou o RE 166.772-9/RS, em que declara a inconstitucionalidade da expressão “avulsos, autônomos e administradores” para excluir essas pessoas da exigência de contribuição previdenciária, preservando o restante dos artigos, seja por considerá-los constitucionais, seja por não terem sido objeto de questionamento.

No mais, o Decreto nº 8.426/15 é ilegal também por ofender o princípio da não cumulatividade previsto no art. 1º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, que instituíram o PIS e a Cofins não cumulativos.

É bom lembrar que o desconto de créditos calculados em relação a despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos de pessoa jurídica era autorizado pelo art. 3º, V da Lei nº 10.637/02, e que essa disposição foi revogada pela Lei nº 10.865/04, a mesma que autorizou o Poder Executivo a reduzir e restabelecer a alíquota do PIS e da Cofins sobre receitas financeiras.

Se a lei original autorizava o crédito de empréstimos e financiamentos, com maior razão deveria autorizá-lo agora, sobretudo no caso das sociedades holding que recebem de terceiros valores a título de juros sobre capital próprio (JCPs) e os repassam a sócios ou acionistas.

No caso de sociedade holding, os JCPs representam efetivo insumo, por se tratar de despesa integralmente consumida em sua atividade operacional, que se resume a participar no capital de outras empresas e investir as sobras de caixa no mercado financeiro e de capitais. Nessas condições, devem ser objeto de crédito para atender o princípio da não cumulatividade.

Esse direito, assegurado pelo § 12 do art. 195 da Constituição Federal, que instituiu o regime da não cumulatividade das contribuições sociais exigidas sobre o faturamento e a receita, não poderia ser restringido pela Lei nº 10.865/04. A Constituição exige que qualquer restrição a não cumulatividade se faça em relação a todo um setor da economia, de forma a viabilizar a completa e irrestrita desoneração das respectivas receitas e faturamentos. Mas não é o que acontece quando o crédito de despesas financeiras incorridas por empresas de qualquer setor é excluído.

Em resumo, os interessados em discutir judicialmente o recente aumento das contribuições ao PIS e à Cofins não estão obrigados a requerer a declaração de inconstitucionalidade integral do § 2º do art. 27 da Lei nº 10.865/04, bastando restringir o pedido à expressão “restabelecer”, que, como se disse, traduz verdadeiro aumento.

Além disso, podem recorrer ao Judiciário para assegurar o direito ao crédito das despesas incorridas na captação de recursos necessários às suas atividades, abatendo-os do valor relativo às receitas decorrentes das aplicações financeiras.

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