Novos requisitos para comercialização e importação de veículos e Rota 2030: o novo regime automotivo brasileiro
Após grande expectativa do setor automobilístico e de segmentos conexos, foi finalmente publicada, em 11 de dezembro de 2018, a Lei nº 13.755, resultado da conversão, com modificações, da Medida Provisória (MP) nº 843, de 5 de julho de 2018. A nova Lei, conhecida especialmente pela instituição do Programa Rota 2030 – programa de incentivos tributários ao setor automobilístico no Brasil, que substitui o antigo “Inovar-Auto” e estimula investimentos em pesquisa e desenvolvimento de produtos e tecnologias –, estabeleceu também novos requisitos para a comercialização de veículos no País.
A matéria teve tratamento curioso nos últimos meses: apenas após a aprovação do projeto de lei de conversão (PLV) pelo Congresso Nacional, mas ainda antes de sua sanção, é que o Presidente da República editou decreto regulamentando o texto da MP (Decreto nº 9.557, de 8 de novembro de 2018). Posteriormente, o PLV teve de ser novamente votado no Senado, por conta de erros formais na versão originalmente enviada a sanção Presidencial.
Agora, com a sanção e publicação da Lei (com vetos), o Decreto permanece válido naquilo que não contraria o novo texto legal, mas a sobreposição de normas requer atenção redobrada. É possível ainda a edição de novo decreto regulamentar, ajustando o texto anterior às alterações trazidas pela Lei sancionada.
Para auxiliar a compreensão do novo marco normativo, trazemos abaixo os principais pontos de destaque, tanto do novo texto legal quanto do Decreto.
Novos requisitos e prazos curtos para adequação
Com o objetivo de promover melhorias quanto à rotulagem veicular (informações sobre eficiência e segurança), à eficiência energética dos veículos e ao desempenho de tecnologias assistivas e auxiliares à direção, tanto a MP quanto a Lei sancionada impuseram a obrigatoriedade de fabricantes e importadores estabelecerem metas para o alcance desses objetivos e firmarem compromissos com o Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços neste sentido. Para regulamentar tal obrigatoriedade, ambas delegaram ao Poder Executivo a competência para editar decreto complementar.
MP e Lei deixaram claro que, com relação aos requisitos, a regulamentação deverá conceder tratamento não menos favorável para bens importados do que o que for concedido aos bens nacionais similares, o que agradou aos importadores. O mesmo se aplica à possibilidade de redução da alíquota do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), desde que atendidos os requisitos.
De acordo com o texto da MP, o IPI poderia ter sua alíquota reduzida em até dois pontos percentuais (ou seja, uma alíquota de 10% cairia para 8%) para os veículos que atendessem a requisitos específicos de eficiência, e em até 1% para veículos que atendessem a requisitos específicos de desempenho associado a tecnologias assistivas à direção, sendo a redução global limitada a 2%.
A Lei manteve essas desonerações e ainda incluiu novo dispositivo que determina redução adicional obrigatória de, no mínimo, 3% na alíquota de IPI de veículos “flex” híbridos1, em comparação com a alíquota aplicável aos veículos “flex” convencionais.
Como forma de controlar e fiscalizar os compromissos e as metas, o Decreto nº 9.557/18 detalhou a obrigatoriedade de formalização de ato de registro perante o Ministério para a comercialização de veículos novos. O que causou espanto, porém, foi o curto tempo entre a data de publicação do Decreto e a data estipulada para início da exigibilidade de registro dos compromissos por algumas categorias: 1º de dezembro de 2018.
Nem o próprio Ministério teve tempo hábil para editar portaria com as regras para envio do ato de registro – a consulta pública à minuta de portaria regulamentadora foi encerrada em 3 de dezembro. Não obstante, a obrigação de registrar os compromissos permanece válida, razão pela qual fabricantes e importadores devem estar atentos à edição da portaria pelo Ministério, que pode ser publicada ainda este mês, quando se tornará possível o cumprimento da obrigação. O Decreto estabeleceu prazos para cumprimento progressivo dos requisitos estipulados no compromisso.
Mas não apenas esse prazo deve ficar no radar do setor e dos demais interessados: ao implementar o Programa Rota 2030, a nova Lei deixou a cargo do Poder Executivo a regulamentação de datas e condições. De acordo com o Decreto, o prazo para habilitação no programa de incentivo, também perante o Ministério de Indústria, Comércio Exterior e Serviços, já está aberto, com a possibilidade de início de aproveitamento em 1º de janeiro de 2019. Trata-se, portanto, de boa oportunidade para que empresas do setor comecem o ano aproveitando os benefícios tributários do programa.
Programa Rota 2030: ampliação de benefícios e exclusão de comerciantes e importadores
O Programa Rota 2030 veio para alegadamente substituir o programa Inovar-Auto, encerrado em 31 de dezembro de 2017. O antigo programa aumentou os investimentos no setor, mas fez a importação despencar. Por conta disso, sofreu condenação da Organização Mundial do Comércio (OMC), que o considerou protecionista, pois garantia condições mais favoráveis às empresas que instalassem fábricas no País do que àquelas que permaneceram apenas como importadoras – além, obviamente, de exigir-se delas o pagamento de Imposto de Importação. A propósito, a decisão condenatória da OMC foi mantida em decisão de 13 de dezembro de 2018.
Com o fim do Inovar-Auto e o prenúncio do Programa Rota 2030, o Governo Federal indicou que privilegiaria benefícios a carros híbridos e elétricos, sem distinção de automóveis nacionais ou importados.
De fato, ao editar a MP, o governo tomou o cuidado de garantir tratamento igualitário aos importadores e estruturou o novo programa com enfoque no desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis e eficientes.
No Congresso, o enfoque pretendido para o programa foi mantido, inclusive com ampliação de benefícios, considerando que, em geral, aqueles estabelecidos pela MP foram considerados tímidos perto do que esperava o setor. Por outro lado, alterou-se o texto da MP e comerciantes e importadores foram retirados do rol de potenciais beneficiários do programa, mantendo-se apenas os fabricantes nacionais de veículos, autopeças ou sistemas estratégicos para produção de veículos e as empresas que tenham projeto de desenvolvimento, no País, de novos produtos ou de novos modelos de produtos já existentes, além de novas soluções estratégicas para mobilidade e logística. Aqui, portanto, não foi seguido o caminho de equiparação entre produto nacional e estrangeiro, trilhado ao serem fixadas as potenciais reduções de IPI.
O principal benefício fiscal do Programa Rota 2030, de acordo com a MP, seria a possibilidade de dedução, do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) devidos, do valor equivalente à aplicação das alíquotas do IRPJ (e adicional) e da CSLL sobre até 30% de todas as despesas realizadas no País com pesquisa e desenvolvimento de temas congruentes com o objetivo do programa, incorridas no próprio período de apuração e classificadas como despesas operacionais. Isso, claro, além da dedução ordinária dos gastos na formação da base de cálculo dos tributos.
A MP previa ainda a isenção de Imposto de Importação (I.I.) de peças automotivas que a indústria nacional não tem capacidade de produzir internamente, desde que utilizadas no processo produtivo no prazo de três anos do desembaraço aduaneiro (“Regime de Autopeças não Produzidas”).
O PLV aprovado no Congresso, além manter esses benefícios e prever a redução adicional da alíquota do IPI para carros “flex” híbridos comentada acima, inovava em relação à MP ao estender isenções do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações Relativas a Títulos e Valores Mobiliários (IOF) e do IPI, previstas nas Leis nºs 8.383/91 e 8.989/95, aos veículos híbridos e elétricos, desde que atendidas as demais condições estabelecidas por cada lei. O benefício adicional foi vetado pelo Presidente, quando da sanção e publicação da nova Lei.
Do mesmo modo, foi alvo de veto presidencial dispositivo do PLV que estendia o benefício de suspensão do IPI no desembaraço aduaneiro de partes e peças, chassis, carroçarias, acessórios, matérias-primas, produtos intermediários e materiais de embalagem, às hipóteses de importação por encomenda ou por conta e ordem de estabelecimento industrial habilitado no Programa, em alteração às Leis nº 9.826/99 e 10.637/02. Com o veto, somente as importações diretas realizadas por esses estabelecimentos serão beneficiadas.
Inovação do PLV em comparação à MP, que foi mantida pela Lei, consiste no acréscimo ao Rota 2030 de benefício de crédito presumido de IPI a montadoras e fabricantes instaladas no Norte, Nordeste e Centro-Oeste brasileiros, como ressarcimento de valores recolhidos a título das Contribuições ao Programa de Integração Social (PIS) e ao Financiamento da Seguridade Social (Cofins), desde que desenvolvam projetos de pesquisa e desenvolvimento no contexto do que objetiva o Programa Rota 2030. No entanto, foram vetados dispositivos que permitiam a utilização desse crédito presumido para compensação com todos os tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, inclusive contribuições previdenciárias, bem como os que ampliavam o prazo de aproveitamento do benefício.
Tanto o Regime de Autopeças não Produzidas quanto o benefício da dedução, do IRPJ e da CSLL, de despesas com pesquisa e desenvolvimento, previstos originalmente na MP, foram mantidos pela Lei, sem vetos.
Apesar de manter e ampliar benefícios, atendendo a anseios do setor, o Programa Rota 2030 desenhado na nova Lei excluiu a possibilidade de habilitação dos comerciantes e importadores. Na prática, a alteração retoma problemas do Inovar-Auto, abrindo a possibilidade de o novo programa ser também considerado protecionista pela OMC.
1 Veículos que possuem motores elétricos e a combustão com mais de um tipo de combustível carburante.