Nova lei de proteção de dados pessoais e atividade jornalística

Seguindo a tendência mundial iniciada com a recente entrada em vigor do novo regulamento da União Europeia (General Data Protection Regulation - GDPR), o Brasil promulga sua Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), a Lei nº 13.709 de 14 de agosto de 2018.

A LGPD regulamenta o chamado “tratamento” de dados pessoais, termo que designa um conjunto de atividades que vão desde o armazenamento até a utilização ou eventual transferência de dados pessoais para terceiros.

Dentre os fundamentos da proteção de dados pessoais nomeia a lei, de um lado o respeito à privacidade e de outro a liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião. Não raramente, princípios como esses, que têm sede constitucional, precisam ser conciliados em situações concretas. Cada um a seu modo, LGPD e GDPR, cuidaram de regulamentar potenciais conflitos entre os princípios antes referidos.

Exceção para finalidade jornalística

O escopo da nova lei brasileira encontra limitações de natureza territorial (i.e., onde ocorreu o tratamento ou está localizado o titular dos dados pessoais que foram coletados) e material (i.e., quais atividades de tratamento estão sujeitas ao novo diploma legal). Com relação a esse último, a LGPD acertou ao excluir do alcance da lei o tratamento de dados realizado para fins exclusivamente jornalísticos1.

Note-se, entretanto, que a exceção tem redação bastante restritiva, não podendo ser estendida ou interpretada como uma carta branca às empresas jornalísticas no que respeita ao uso de dados pessoais de terceiros a que tenham acesso.

Tome-se, por exemplo, um jornalista que prepara uma matéria sobre as características físicas de atletas profissionais de diferentes seleções nacionais e as correlaciona com o desempenho dos atletas e com situações de jogo que ocorrem ao longo de uma partida, como número de gols de cabeça, distância percorrida no campo, nível de resistência etc. Ainda que informações como idade, altura e peso constituam dados pessoais e as conclusões obtidas pela matéria sejam indubitavelmente resultado de uma atividade de tratamento, não há que se falar na aplicação da LGPD ante a evidente finalidade informativa da mesma.

Diferente é quando um site jornalístico monitora as características de seus usuários e as correlaciona com seu padrão de consumo, obtendo informações como tempo médio de permanência no site, tipo de conteúdo mais acessado etc. Tais informações possuem alto valor de mercado, na medida em que são úteis para subsidiar atividades comerciais das empresas jornalísticas, como a venda de anúncios publicitários. Nesse caso, dúvida não há de que a transferência dos dados pessoais, ou do resultado obtido após o seu tratamento, deve observar as normas da LGPD, ainda que o site seja de conteúdo jornalístico.

Note-se que a opção do GDPR quanto a este tema – exceção da aplicação das suas normas para atividades de cunho jornalístico – foi delegar aos estados membros da Comunidade Europeia a sua regulamentação. Dispõe seu Art. 85 que o processamento de dados pessoais unicamente para finalidades jornalísticas, acadêmicas, artísticas ou literárias, pode ser excepcionado das regras do GDPR, se isso for necessário para conciliação do direito à privacidade, com a liberdade de expressão e com o direito à informação.

O modelo europeu deixa, assim, margem a que os estados membros delineiem essa compatibilização, o que pode resultar na edição de diferentes regramentos em cada país.

Direito à eliminação dos dados

A LGPD assegura ao titular de dados pessoais o direito de requerer ao controlador – agente responsável pelas decisões referentes ao tratamento – a eliminação dos dados (i) quando forem desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto na lei2; ou (ii) quando o titular quiser revogar o consentimento fornecido para o tratamento3 desde que não se trate das hipóteses do Art. 16 (cumprimento de obrigação legal, fins de estudo por órgão de pesquisa, e uso exclusivo pelo controlador).  

Não obstante ser matéria controversa e intensamente debatida nos tribunais nacionais, a LGPD optou por não tratar especificamente do direito à eliminação de dados divulgados em veículos de comunicação, com finalidade informativa.

Tal lacuna, entretanto, já se encontra suprida pela manifestação do Judiciário em casos concretos. As cortes brasileiras têm entendido que o pedido de eliminação só deve ser concedido se demonstrada a violação desarrazoada ao direito à privacidade ou à integridade moral da pessoa noticiada. Contudo, existindo interesse público no fato e caso a pessoa exposta seja considerada notória, o pleito não deve ser atendido.

Solução intermediária, alternativa à eliminação e conciliadora de ambos os interesses, recentemente aplicada pelo Judiciário, é a desindexação de notícia da primeira página de um portal de buscas em caso envolvendo suposta fraude em um concurso público para ingresso na Magistratura. Decorrida mais de uma década do fato noticiado sem que tenham sido comprovadas as acusações contra uma promotora de justiça, candidata à época, ao se informar como critério de busca exclusivamente o seu nome, o primeiro resultado apresentado permanecia apontando link com notícia sobre seu possível envolvimento, o que levou o STJ a determinar a medida.4 

O GDPR, ao seu turno, parece não ter deixado margem para uma conciliação a cada caso concreto, pois prevê expressamente que o direito ao apagamento não é aplicável quando o tratamento de dados pessoais for necessário ao exercício dos direitos à liberdade de expressão e à informação (Art. 17, parágrafo terceiro, “a”).


1Art. 4º, II, “a” da LGPD.
2Art. 18, IV da LGPD.
3Art. 18, VI da LGPD.
4BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp nº 1660168 – RJ. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Julgado em 08/05/2018. Publicado no DJe em 05/06/2018.

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Autores L&S

Allan Nascimento Turano

Allan Nascimento Turano

Simone Lahorgue Nunes

Simone Lahorgue Nunes

Consultora

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