Não incidência do ISS na prestação de garantias
Em julgamento no último dia 5 de outubro, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial de instituição financeira para afastar a exigência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) sobre atividades de concessão de fiança e aval. A cobrança do imposto é prevista no item 15.08 da lista anexa à Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
O STJ invocou a Súmula nº 7, que impede o reexame de provas e fatos pelo Tribunal Superior, evitando o enfretamento da questão jurídica posta em debate pelo contribuinte.
Ocorre que a discussão não diz respeito a matéria de fato – a ensejar a aplicação da referida súmula –, e sim de direito. Trata-se de decidir se a concessão de garantia tem ou não a natureza de serviço, independentemente das circunstâncias que levaram o contribuinte a socorrer-se da ação judicial.
A decisão do STJ acabou por convalidar o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), reconhecendo a possibilidade de cobrança do imposto municipal sobre típica operação de crédito, pelo simples fato de a atividade ser remunerada pelos clientes da instituição financeira.
A remuneração de determinada atividade, por si só, não é suficiente para deflagrar a hipótese de incidência do ISS. Para a exigência do imposto, como indica sua nomenclatura, é imprescindível a demonstração de que a atividade corresponda a uma efetiva prestação de serviço; sem isso, viola-se o art. 156, inciso III, da Constituição Federal.
A análise do tema não pode deixar de lado o emblemático julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) de caso relacionado à exigência de ISS sobre locação de bens móveis (Recurso Extraordinário nº 116.121-3, e Súmula Vinculante nº 31). No caso, a Corte definiu que, a “terminologia constitucional do Imposto sobre Serviços revela o objeto da tributação”, razão pela qual “somente a prestação de serviços, envolvido na via direta o esforço humano, é fato gerador do tributo”.
Mais importante do que a deliberação tomada no caso pelo STF é a conclusão de que a mera inclusão de uma atividade na lista anexa à Lei nº 116/03 é incapaz de transformá-la em serviço. Para tanto, a atividade deve necessariamente decorrer de esforço humano, físico ou intelectual, de caráter pessoal, em prol de terceiro, tendo por objeto uma obrigação de fazer.
A concessão de fiança ou aval não configura obrigação de fazer. Essas atividades sempre terão por objeto uma obrigação de dar, por meio da qual o fiador ou avalista assumem o compromisso de honrar débito perante terceiro na hipótese de inadimplemento do afiançado. Nessas condições, representam típica operação de crédito, conforme estabelece o art. 4º, inciso VI, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Operações essas sujeitas à incidência do Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF), de competência da União.
A existência de atividades preparatórias à concessão da garantia por parte da instituição financeira, como análise patrimonial e consulta aos órgãos restritivos de crédito, é irrelevante para legitimar a exigência do ISS. As instituições financeiras não realizam tais tarefas a pedido ou em benefício de seus clientes, e sim em seu próprio interesse, visando proteger-se contra o risco de inadimplência. Esses atos são praticados como atividade-meio necessária e antecedente à concessão da fiança ou do aval e, portanto, não autorizam a exigência do imposto.
Espera-se que, em sede recursal, o STJ reavalie seu entendimento sobre o assunto. Ou que o STF, em recurso extraordinário, decida a questão à luz dos mesmos fundamentos do RE nº 116.121-3, declarando a inexigibilidade do ISS, por não estar presente a obrigação de fazer.