Mudanças no setor de refino e o risco de intervenção do Cade
A determinação da nova gestão da Petrobras de concentrar suas atividades na extração de petróleo em águas profundas (principalmente no pré-sal) tende a criar mercado mais competitivo e abrir importantes oportunidades de investimento. A expectativa é que a companhia se desfaça de subsidiárias que atuam em diversas etapas da cadeia de refino, através da retomada do Programa Parcerias em Refino, anunciado no início de 2018 e que chegou a ser suspenso em razão de decisão do Supremo Tribunal Federal (ver nesta newsletter texto sobre questões relevantes em apreciação no judiciário).
Paradoxalmente, esse bem-vindo movimento pode ser ameaçado em razão de iniciativas da autoridade antitruste. Na esteira de estudo realizado a quatro mãos com a Agência Nacional de Petróleo (“ANP”), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (“Cade”) iniciou investigação abrangente sobre o suposto abuso de posição dominante da Petrobras. As recomendações iniciais apontam para possível adoção de medidas estruturais - alienação forçada de ativos com o objetivo de desverticalizar o setor e promover a competição nessa indústria.
Trata-se de iniciativa tão ambiciosa quanto questionável. O Cade tem competência legal para agir em resposta a infrações praticadas (ou objetar a eventual concentração econômica, no contexto do controle de estruturas). O recurso à medida extrema de determinação de venda de ativos deve ser aplicado com parcimônia, quando o crescimento e a dominância do investigado têm relação clara - nexo causal, no jargão antitruste - com uma conduta anticoncorrencial comprovada. É o que determina o bom senso e é como o Cade vem procedendo, com rigor, ao longo de sua história.
A posição dominante da Petrobras não resulta de violação à lei antitruste, mas de escolhas do Poder Legislativo. Foi essa a escolha por ocasião da criação da empresa, nos anos cinquenta, reiterada já em momento bem mais recente. Com efeito, nos anos 90 a Constituição Federal foi alterada para permitir ambientes concorrenciais na indústria de energia. Mas a Lei do Petróleo, que se seguiu à alteração da Constituição, escolheu um caminho gradual para chegar a mercados competitivos, através da liberdade de preços (nunca respeitada integralmente desde então, diga-se de passagem) e de importações. Diferentemente do setor de telecomunicações, na indústria do petróleo e gás natural o legislador preferiu não promover redesenho estrutural radical. Poderia, naquele momento, ter determinado o fracionamento do parque de refino, mas não o fez.
Eventual redesenho do setor deveria ser deixado a cargo da administração direta. Há Conselho interministerial – o Conselho Nacional de Política Energética – responsável por definir as diretrizes dessa indústria, e os Ministérios de Minas e Energia e da Economia têm atribuições legais específicas a respeito. O setor de energia mereceu tratamento particular na estrutura da nova administração federal: é o único a cargo de subsecretaria específica, a de Energia e Estudos Quantitativos, vinculada ao Secretário Especial de Fazenda, dotada de competência para propor a revisão de leis, regulamentos e atos normativos e estimular o funcionamento eficiente e competitivo no setor.
Nessa tarefa a administração direta estará mais bem aparelhada que o Cade para assegurar (i) a viabilidade e atratividade dos negócios desinvestidos, (ii) a preservação do valor gerado à Petrobras, detentora dos ativos, e (iii) a promoção da competitividade. São interesses não necessariamente antagônicos, que podem ser conciliados, e o Cade poderá ser ouvido nesse contexto.