Medida Provisória nº 1.171 e os investimentos e trusts no exterior

A MP 1.171 altera regras do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) cobrado sobre rendimentos provenientes de investimentos no exterior, inclusive por meio de trusts. Se aprovada no prazo constitucional de até 120 dias, as regras terão efeitos a partir de 1º de janeiro de 2024.

Abrangência

Aplicações financeiras de pessoas físicas residentes no Brasil e seus investimentos em sociedades, fundos de investimento e outras entidades no exterior.

Tributação uniforme - alíquotas unificadas

A tributação, que antes tratava como ganhos de capital os rendimentos de aplicações financeiras no exterior, passa a ser uniforme para todos os ganhos e rendimentos provenientes de resgate, amortização, alienação, vencimento ou liquidação de aplicações financeiras, juros pagos por títulos (bonds) ou por contas remuneradas, rendimentos distribuídos por fundos e dividendos pagos por sociedades offshore. Segundo a MP: (i) a parcela dos rendimentos anuais que não ultrapassar R$ 6 mil será beneficiada com alíquota zero do IRPF; (ii) a parcela que exceder R$ 6 mil, mas não ultrapassar R$ 50 mil, será tributada a alíquota de 15%; e (iii) a parcela que exceder R$ 50 mil será tributada a 22,5%.

Embora a progressividade seja bem-vinda, poderia ter sido estruturada com mais faixas, a exemplo do que ocorre no cálculo dos ganhos de capital em geral. Além disso, o rápido alcance da alíquota máxima coloca na mesma situação contribuintes com patrimônios muito diferentes.

A nova sistemática agrava a tributação de praticamente todos os rendimentos provenientes de investimentos no exterior.

Aplicações financeiras

Atualmente (e até 31 de dezembro de 2023) rendimentos de aplicações financeiras no exterior são tratados como ganhos de capital e tributados à alíquota de 15% se não ultrapassarem R$ 5 milhões, e à alíquota máxima de 22,5% somente em relação à parcela que exceder R$ 30 milhões. Já sob a nova MP, rendimentos totais acima de R$ 50 mil serão tributados à alíquota máxima de 22,5%. 

Na sistemática atual, para determinar a faixa de ganho e sua alíquota, cada rendimento de aplicação financeira auferido diretamente pela pessoa física é considerado separadamente, enquanto no novo modelo todos os rendimentos deverão ser somados, o que contribui para que se atinja a faixa de tributação mais elevada.

As isenções para alienação de bens de pequeno valor (R$ 35 mil para bens em geral ou R$ 20 mil para ações negociadas no mercado de balcão) deixam de ser aplicáveis a aplicações no exterior, pois os rendimentos e ganhos decorrentes de tais aplicações deixam de ser tributados de acordo com a sistemática do ganho de capital.

Não foram revogadas pela MP:

i) as regras específicas que autorizam a compensação do imposto pago no exterior sobre rendimentos de aplicações financeiras com o IRPF devido no Brasil sobre os mesmos valores, desde que haja tratado contra bitributação firmado ou reciprocidade de tratamento tributário entre o Brasil e o país onde forem realizados os investimentos e sejam observadas algumas condições e limites; e

ii) a regra que isenta do IRPF o acréscimo patrimonial decorrente de variação cambial de depósitos não remunerados em instituições financeiras no exterior (a atual regra de isenção, por ser mais específica do que as novas regras, prevalece frente a essas). Embora não tenha havido revogação, há risco de o Fisco interpretar de forma contrária, sob o argumento de que a MP não fez distinção entre tipos de depósitos.

Lucros societários distribuídos

Os dividendos pagos por sociedades offshore poderão sofrer tributação inferior à atual, pois, se hoje estão sujeitos ao recolhimento do Carnê-Leão e ajuste anual do IRPF às alíquotas progressivas de até 27,5%, passarão a ser tributados ao máximo de 22,5%. No entanto, como não é mais permitido deduzir certas despesas (médicas, com dependentes, previdência privada etc.) da base de cálculo do IRPF à qual se somarão os lucros de offshores, não há certeza de redução efetiva da carga tributária.

Além das hipóteses mais comuns nas quais os lucros são efetivamente distribuídos (pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa), a MP considera que há distribuição de lucros quando são realizadas quaisquer operações de crédito com a pessoa física, ou com pessoa a ela vinculada, se a offshore (credora) possuir lucros ou reservas de lucros.

Lucros societários não distribuídos

A MP acaba com a possibilidade de diferimento da tributação sobre lucros e dividendos não distribuídos de sociedade offshore se esta for considerada “controlada” pela pessoa física residente no Brasil e (i) estiver localizada em “paraíso fiscal” (país ou dependência com tributação favorecida) ou for beneficiada por regime fiscal privilegiado, ou (ii) apurar renda ativa própria inferior a 80% da renda total. Nesses casos, os lucros apurados a partir de 1º/1/2024 deverão ser tributados em 31 de dezembro de cada ano, da mesma forma que os rendimentos de aplicações financeiras e lucros distribuídos, independentemente da efetiva distribuição ou disponibilização ao sócio. O conceito de controlada trazido pela MP é abrangente.

Poderão ser deduzidos do lucro da controlada os seus próprios prejuízos referentes a períodos posteriores à data de produção de efeitos da MP e anteriores à data da apuração dos lucros. Se a controlada investir em pessoa jurídica domiciliada no Brasil, poderá ainda deduzir do lucro da controlada a parcela correspondente aos lucros/dividendos dessa investida.

A pessoa física poderá deduzir também, na proporção de sua participação, o IR pago no exterior pela controlada e suas investidas sobre o lucro computado no IRPF, até o limite deste. Isso é diferente do regime hoje vigente, pois até 31/12/2023, a pessoa física só pode compensar IR pago no exterior em relação a investimentos diretos ou o IR retido no exterior sobre dividendos efetivamente pagos por sociedade offshore, mas não o IR pago pelas sociedades offshore sobre seus próprios lucros.

O fim do diferimento da tributação dos lucros das sociedades offshore já era esperado e já foi tentado pelo Governo em ao menos duas ocasiões, não tendo, contudo, sido convertido em lei. A tributação automática poderá esbarrar na ausência de capacidade contributiva e de disponibilidade econômica ou jurídica sobre a renda, caso se comprove que, apesar de atendida a definição de “controlada” criada pela MP, não há capacidade efetiva de impor, unilateralmente ou em conjunto com pessoas vinculadas, a distribuição de lucros à entidade. Poderá ser o caso de sociedade que exija maioria qualificada para distribuição dos lucros e cujos demais sócios não sejam pessoas vinculadas.

A MP prevê que os lucros tributados automática ou antecipadamente aumentarão o custo do investimento na entidade domiciliada no exterior e que os dividendos distribuídos com base nesses lucros reduzirão o custo de aquisição do investimento, sem nova tributação.

Embora possa parecer que, com fim do diferimento e uniformização de alíquotas a partir de 2024, não fará diferença, do ponto de vista tributário, investir no exterior diretamente ou por meio de sociedade offshore, ainda há distinção relevante: é possível compensar ganhos e perdas consolidando os resultados dos investimentos da sociedade offshore, o que não ocorre com os investimentos diretos da pessoa física, que são considerados separadamente, tributando-se sempre os ganhos sem compensação de perdas.

Faculdade de antecipar tributação inferior de lucros acumulados até 31/12/2023

Embora os lucros acumulados por controladas até 31/12/2023 não estejam sujeitos à tributação anual na sistemática da MP, foi permitido ao contribuinte pagar 10% de IRPF sobre o estoque de lucros e atualizar o custo do seu investimento na Declaração de IR. É possível optar por tributar apenas os lucros acumulados até 31/12/2022, mas, se for feita essa opção, é também possível tributar a 10%, separadamente, os lucros apurados em 2023. Optando por esses pagamentos, o investidor se livra de tributação potencial futura por alíquota de até 22,5% sobre a distribuição desses lucros. Em contrapartida, adianta a incidência do imposto, perdendo o ganho financeiro que sobre ele teria se continuasse a manter os recursos investidos. A comparação desses cenários deve ser feita por cada investidor em vista de sua situação específica, fugindo ao objeto de nossa análise.

Faculdade de antecipar tributação inferior de outros ativos

A MP também permitiu à pessoa física atualizar o valor de demais bens e direitos no exterior informados na Declaração de IR para o valor de mercado e tributar a diferença em relação ao custo de aquisição pela alíquota definitiva de 10%. Ativos cobertos por essa faculdade são aplicações financeiras, inclusive participações societárias em não controladas, bens imóveis ou bens móveis sujeitos a registro, como veículos, aeronaves e embarcações, ficando excluídas joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades de valor histórico ou arqueológico, animais de estimação ou esportivos e material genético de reprodução animal, entre outros.

Para esses ativos a atualização deve ocorrer até o valor de mercado em 31 de dezembro de 2022.

O caso específico das variações cambiais

Sobre lucros, até sua distribuição - Poderá haver variação cambial positiva entre o dia 31 de dezembro do ano referente aos lucros tributados automaticamente e a data em que forem efetivamente distribuídos à pessoa física. Antes da MP, essa variação cambial não seria tributada, pois os lucros seriam considerados rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira.  A MP revogou a regra que isentava a variação cambial relativa aos bens ou direitos adquiridos em moeda estrangeira com rendimentos auferidos originariamente em moeda estrangeira.

Na alienação, baixa ou liquidação do investimento em controlada - Também poderá ocorrer a variação cambial positiva do principal aplicado nas controladas no exterior quando da alienação, baixa ou liquidação do investimento, inclusive por meio de devolução de capital. Essa variação será tributada como ganho de capital. Sob a regra atual essa variação não é tributável se o investimento tiver sido adquirido com recursos auferidos originariamente em moeda estrangeira.

É ilegal a exigência de IR sobre essas variações cambiais, pois não há efetivo acréscimo patrimonial – fato gerador do IR previsto no art. 43 do Código Tributário Nacional – quando o custo de aquisição dos bens ou direitos no exterior foi formado originariamente em moeda estrangeira.

Trusts

Se as regras de tributação das controladas foram razoavelmente bem construídas, o mesmo não se pode dizer da tributação dos trusts proposta pela MP, que desconsidera a natureza do instituto e os múltiplos formatos que pode assumir. A MP considera:

i) os bens e direitos objeto de trust na titularidade do instituidor até que haja distribuição ao beneficiário ou morte do instituidor, o que ocorrer primeiro, nele tributando seus rendimentos/ganhos até tais eventos;

ii) já a partir da distribuição dos ativos ou morte do instituidor, tributados são os beneficiários, sem mais qualificações.

Mas há efetiva transmissão da propriedade dos bens e direitos, do instituidor ao administrador do trust (trustee), quando de sua formação. Além disso, a morte do instituidor, por si só, pode não implicar concessão de acesso incondicional e imediato ao patrimônio do trust por parte dos beneficiários.  O que torna as regras do parágrafo anterior falhas em muitos casos, e abertas a contestações, inclusive por ferir o princípio constitucional da capacidade contributiva.

Proposta alternativa – tributação de trusts

Nossa equipe, debruçando-se sobre o assunto, propôs em conjunto com o Deputado Eduardo Cury (PSDB/SP) um modelo de tributação dos trusts que melhor atende às peculiaridades do instituto, condiz com sua natureza jurídica e respeita o princípio da capacidade contributiva, sem prejudicar o direito do Fisco à arrecadação tributária. Nossa proposta está formatada no Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 145, de 2022, atualmente em trâmite na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, e pode ser conhecida neste link: COMISSÃO (camara.leg.br).

Estruturas alternativas

Embora a MP tenha fechado várias brechas, tornado mais difícil a manutenção de investimentos no exterior com diferimento da tributação dos rendimentos no Brasil, para alguns casos ainda há alternativas de estruturas lícitas, envolvendo por exemplo fundos de investimento domésticos, que possibilitariam a manutenção de condições similares às atuais.

Autores L&S

Isabela Schenberg Frascino

Isabela Schenberg Frascino

Sócia
Pedro Araújo Chimelli

Pedro Araújo Chimelli

Consultor

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