Medida Provisória abre novas oportunidades de investimentos no agronegócio
Medida Provisória (MP) publicada em outubro trouxe inovações importantes que devem estimular o investimento no agronegócio. Muito aguardada, a MP 897 moderniza a regulação de títulos de crédito já existentes e cria novas garantias e instrumentos de captação de recursos.
Uma das novidades mais relevantes é a permissão de emissão de Cédulas de Produto Rural (CPR) com cláusula de correção cambial. CPRs são títulos emitidos por produtores rurais que representam promessa de entrega de produtos rurais ou de pagamento do valor equivalente ao desses produtos, normalmente utilizadas como lastro para emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) para captação de recursos no mercado de capitais.
A emissão de CRAs indexados em moeda estrangeira é permitida desde 2016, mas essas transações eram raras, porque os CPRs que serviam de lastro para a distribuição de CRAs no exterior não podiam ser protegidos contra a variação cambial. A novidade elimina essa distorção, além de possibilitar aos produtores proteção contra a variação cambial, pois parte expressiva da produção agropecuária nacional segue para exportação, sendo portanto negociada em moeda estrangeira.
Se distribuídos no exterior, os CRAs poderão ser registrados diretamente em entidade de registro e liquidação financeira estrangeira, desde que ela seja autorizada em seu país de origem e supervisionada por autoridade estrangeira com a qual a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) tenha firmado acordo de cooperação mútua autorizando intercâmbio de informações, ou que seja signatária de memorando multilateral de entendimentos da Organização Internacional das Comissões de Valores.
CRAs com proteção (hedge) contra variação cambial tendem a ser emitidos a investidores estrangeiros, mas a MP delega poderes ao Conselho Monetário Nacional para estabelecer condições adicionais para a distribuição desses certificados, inclusive em favor de investidores brasileiros.
Patrimônio de Afetação e Cédula Imobiliária Rural
A MP autoriza o proprietário de imóvel rural a destinar sua propriedade ou fração dela a regime de afetação especial, segundo o qual o patrimônio afetado garantirá operações de crédito com instituições financeiras.
Adicionalmente, a MP cria a Cédula Imobiliária Rural (CIR), título de crédito representativo da promessa de pagamento em dinheiro decorrente de operação de crédito contratada com instituição financeira e, em caso de inadimplemento, da obrigação de transferir ao credor o patrimônio de afetação oferecido em garantia da operação de crédito.
O crédito garantido pelo patrimônio de afetação não será atingido pela falência, insolvência ou recuperação judicial do proprietário. Em caso de inadimplemento, o credor estará imediatamente autorizado a exigir a transferência da terra para seu nome no oficial de registro de imóveis competente e depois vendê-la a terceiros.
Imóveis hipotecados, alienados fiduciariamente ou dados em garantia de outras obrigações não são passíveis de afetação nos termos da MP. Além disso, o patrimônio de afetação não pode garantir novas obrigações.
O regime de afetação não é aplicável em face de obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural. Essa exceção enfraquece a eficácia do instrumento e portanto deveria ser excluída durante a votação da MP no Congresso. Emendas nesse sentido já foram propostas e serão avaliadas durante o processo de conversão em lei.
Cédulas de Crédito Bancário e Títulos Eletrônicos
A MP também trouxe mudanças significativas às regras que regem títulos de crédito bastante utilizados em outros setores, como a Cédula de Crédito Bancário (CCB). A MP torna mais simples a emissão e oferta de CCBs, uma vez que elimina procedimentos onerosos impostos pela CVM.
CCBs são emitidas por pessoas físicas e jurídicas em favor de instituições financeiras ou entidades equiparadas e representam a promessa de pagamento em dinheiro decorrente de operação de crédito.
Antes da MP e baseando-se nas leis existentes até então, a CVM havia fixado o entendimento que CCBs podem ser consideradas valores mobiliários, e portanto sujeitas às regras do mercado de capitais, se distribuídas por oferta pública e sem responsabilidade de instituição financeira pelo seu pagamento em caso de inadimplemento do emissor. Porém esse entendimento deverá mudar, pois a nova regulação restringe os casos em que CCBs podem ser tratadas como valores mobiliários.
Conforme o texto da MP, a CCB não será considerada valor mobiliário se a instituição financeira: (a) for titular dos direitos de crédito representados pela CCB; (b) garantir as obrigações representadas pela CCB; ou (c) realizar, até a liquidação final dos títulos, serviço de monitoramento dos fluxos de recursos entre credores e devedores e de eventuais inadimplementos.
A MP também autoriza expressamente a emissão de CCBs em forma escritural, mediante lançamento em sistema eletrônico de escrituração gerido por entidade autorizada pelo Banco Central.
A jurisprudência já confirmou a exequibilidade de CCBs emitidas em formato eletrônico, porém a MP confere maior segurança jurídica a esse entendimento. Para viabilizar a escrituração de CCBs, a assinatura do emissor e do garantidor, se houver, poderá ser coletada em forma eletrônica, desde que a identificação do signatário seja assegurada.
A modalidade escritural também foi expressamente autorizada para outros títulos de crédito, como a Cédula de Crédito Imobiliário e a CPR. Com isso, a MP alinha as normas brasileiras à tendência internacional de digitalização de ativos financeiros.
A MP entrou em vigor no dia 2 de outubro de 2019. Para que não perca eficácia, o Congresso precisa convertê-la em lei até 11 de março de 2020, do contrário deverá emitir decreto regulando as relações jurídicas constituídas durante o período de vigência da MP. Até 31 de outubro, a MP já havia recebido 349 propostas de emendas.