Leilão do 5G do Brasil: questões em debate
A pandemia da Covid-19 tornou inquestionável a crescente dependência global das telecomunicações para o trabalho, o estudo e as interações sociais. Diante desse quadro, o leilão para o espectro de radiofrequências para redes de telecomunicações de quinta geração do Brasil mostra-se ainda mais relevante, já que é potencialmente o maior leilão do mundo em quantidade de espectro.
Inicialmente programado para março de 2020 e depois adiado para o quarto trimestre do ano, o leilão parece que sofrerá inevitável novo adiamento. Atualmente, a Anatel está analisando as contribuições feitas à minuta de edital de leilão colocada em consulta pública no início do ano. De acordo com a minuta, a licitação concederá licenças para quatro principais bandas de radiofrequência - 3,5 GHz, 700 MHz, 2,3 GHz e 26 GHz. O edital pretende combinar a concessão de licenças e compromissos de investimento, tais como a implementação de cobertura de redes 4G ou 5G em cidades ainda não cobertas pela tecnologia e em rodovias federais, bem como a implantação de backbone ou backhaul de fibra ótica. A lista de locais elegíveis para a implementação da rede 5G combina áreas rentáveis e outras menos rentáveis, com poucos habitantes ou infraestrutura deficiente.
Uma vez concluída essa análise, a proposta de licitação iniciará novo caminho no governo federal até aprovação final. Isso inclui validação pela AGU e pelo TCU, este último responsável pela avaliação do plano de preços do negócio.
Para isso, contudo, questões centrais ainda precisam ser enfrentadas. Ponto polêmico refere-se a política externa; até o momento, não foram impostas limitações à participação de licitantes, mas o governo dos EUA tem feito pressão sobre o governo brasileiro para impedir a Huawei de participar da licitação sob acusações (ainda não comprovadas) de ameaças à segurança cibernética, espionagem e inexistência de instrumentos suficientes que garantam a proteção de dados. Barrar a gigante chinesa, desnecessário dizer, não é tarefa simples. Não apenas as operadoras brasileiras já realizaram testes com a Huawei e endossam a neutralidade do edital de leilão, como também a China é atualmente o principal parceiro comercial do Brasil, o que faz com que possível veto à Huawei seja questão bastante sensível.
O governo também precisará ponderar os objetivos prioritários a serem alcançados com o leilão e definir se seu viés será arrecadatório ou garantidor de investimentos em infraestrutura. A Anatel já declarou preferência por edital com foco em investimentos, mas a prevalência desse objetivo só será confirmada quando o edital final for disponibilizado.
Devido à pandemia, a Anatel precisou interromper testes de campo que estavam sendo realizados para investigar interferências de frequências 5G com outros sinais, especialmente de transmissão de TV. Emissoras de TV aberta utilizam satélites para distribuição de sinais na banda C na frequência de 3,5 GHz, que é a preferida para o 5G. Discussões sobre possíveis soluções ainda estão sendo conduzidas pela Anatel junto a empresas de telecomunicações e emissoras de TV.
A implementação da cobertura 5G em áreas rurais e urbanas do Brasil será um investimento multibilionário. Soluções para superar tal obstáculo incluem a criação de incentivos capazes de atrair investimentos por fundos de private equity e a inclusão do projeto de implantação da rede 5G no Programa de Parceria de Investimento (“PPI”) do governo federal, a fim de garantir prioridade na agenda de infraestrutura do governo e fortalecer parcerias público-privadas em iniciativas de infraestrutura.
Finalmente, o setor de telecomunicações no Brasil sofre com elevada carga tributária, o que acaba por desestimular o crescimento e investimentos. Discussão acerca de tratamento fiscal mais benéfico seria, portanto, de se esperar que ocorra nos próximos meses.