Lei nº 12.715/2012: pacotão tributário
A Lei nº 12.715, de 17 de setembro de 2012, resultado da conversão da Medida Provisória nº 563, de 3 de abril de 2012, trouxe diversas inovações tributárias que não constavam do texto original da referida MP. A seguir, destacamos algumas.
- Mercado privado de financiamento de longo prazo
A Lei nº 12.715 apresenta mais um esforço governamental no sentido de criar um mercado privado de financiamento de longo prazo. Para tanto, alterou a Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011, que trouxe diversos benefícios fiscais com o propósito de incentivar esse mercado1, conforme analisado em boletins anteriores2.
Alteração que merece destaque é a possibilidade de os recursos captados por meio de emissões incentivadas para projetos de investimento serem utilizados no reembolso de gastos, dívidas e despesas anteriores, contanto que incorridas em prazo igual ou inferior a 24 meses da data de encerramento da correspondente oferta pública.
Buscou-se também eliminar o temor dos investidores de perderem o benefício fiscal quando os recursos captados não são corretamente alocados, pelos captadores, no respectivo projeto de investimento. A nova lei esclarece que apenas o emissor do papel ou o originador, no caso de certificados de recebíveis imobiliários (CRI), serão penalizados com multa de 20% do valor captado e não adequadamente aplicado3.
Destacamos, ainda: (i) a possibilidade de flexibilização, pelo Conselho Monetário Nacional, da proibição de recompra do papel ou liquidação antecipada por resgate ou pré-pagamento pelo emissor; (ii) a redução do percentual do patrimônio que determinados fundos de investimento devem investir em títulos incentivados para que possam gozar do benefício fiscal4; (iii) a previsão de isenção, para investidores não residentes, de aplicações em CRIs que observem os requisitos legais; e (iv) a extensão do benefício relativo às Debêntures Incentivadas para emissões por concessionária, permissionária ou autorizatária de serviços públicos (ou por suas controladoras).
O governo procurou resolver importantes questões apontadas pelo mercado como impedimentos para a efetiva utilização dos papeis incentivados. É esperado que, a partir de agora, haja um aumento de emissões, especialmente envolvendo projetos de infraestrutura.
- Desoneração de folha de pagamento
Foi ampliado o programa conhecido como "Brasil Maior". Conforme Boletim de 30 de julho de 2012 ("Medidas ampliam desoneração de folha de pagamento"), o governo federal tem, desde 2011, adotado medidas para desonerar a folha de pagamento de determinados setores, substituindo a contribuição previdenciária patronal de 20% por contribuição de 1% ou 2% sobre a receita bruta, conforme o caso.
A Lei nº 12.715 aumentou o rol dos setores beneficiados pela desoneração.
A partir de 1º de janeiro de 2013, recolherão contribuição de 1% sobre a receita bruta as empresas fabricantes de produtos alimentícios, farmacêuticos, mármores, cerâmicas e pedras, bem como brinquedos, jogos e artigos para divertimento, dentre outros. A alíquota também se aplica às empresas prestadoras de serviços de: manutenção e reparação de aeronaves, motores, componentes e equipamentos correlatos; transporte aéreo de carga; transporte aéreo de passageiros regular; transporte marítimo de carga na navegação de cabotagem; transporte marítimo de passageiros na navegação de cabotagem; transporte marítimo de carga na navegação de longo curso; transporte marítimo de passageiros na navegação de longo curso; transporte por navegação interior de carga; transporte por navegação interior de passageiros em linhas regulares; e navegação de apoio marítimo e de apoio portuário5.
A alíquota de 2%, por sua vez, será aplicada às empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0.
Além disto, algumas das empresas abrangidas pelo Programa Brasil Maior6 que prestam serviços mediante cessão de mão-de-obra, e que hoje sofrem retenção previdenciária de 11% do valor bruto da nota fiscal ou fatura pelo tomador de serviços (nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991), passarão a se sujeitar a retenção reduzida de 3,5%.
A maioria dessas regras ainda depende de regulamentação para produzir efeitos.
- Preços de Transferência
As regras de preços de transferência da MP nº 563, analisadas em boletim anterior7, sofreram algumas poucas alterações em sua conversão na Lei nº 12.715.
A mais importante diz respeito aos contratos de mútuo com pessoa vinculada no exterior. Segundo a MP, as despesas ou receitas correspondentes aos juros pagos ou recebidos seriam determinadas com base na taxa "London lnterbank Offered Rate" (LIBOR), para depósitos em dólares dos Estados Unidos pelo prazo de seis meses, acrescida de um spread definido anualmente por ato do Ministro da Fazenda com base na média de mercado. Agora, sob a Lei nº 12.715, o spread será de 3% anuais, percentual que poderá ser reduzido pelo Ministro da Fazenda. A nosso ver, o novo critério provavelmente não refletirá um adequado valor de mercado, representando claro retrocesso.
Adicionalmente, os Métodos do Preço sob Cotação na Importação e na Exportação (respectivamente, PCI e PECEX), que serão obrigatórios para importações e exportações de commodities negociadas em bolsas de mercadorias e futuros internacionalmente reconhecidas, poderão, na ausência de cotação, ter seus preços para fins fiscais determinados com base em fontes de dados independentes fornecidas por instituições de pesquisa setoriais internacionalmente reconhecidas.
As novas regras sobre preços de transferência entram em vigor em 1º de janeiro de 2013, sendo opcional sua adoção pelos contribuintes no ano-calendário de 2012.
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1 A Lei nº 12.431 prevê essencialmente: (i) isenção do imposto de renda (IR) sobre os rendimentos apurados por não residentes (não localizados em paraíso fiscal) com determinados títulos privados de longo prazo ("Títulos de Longo Prazo"), ou com fundos exclusivos para não residentes que investem em tais títulos (“Fundos de Títulos de Longo Prazo”); (ii) redução para 0% e 15% do IR devido, respectivamente, por pessoas físicas e jurídicas sobre rendimentos de debêntures de infraestrutura de longo prazo que atendam a determinados requisitos ("Debêntures Incentivadas"); e (iii) redução para 0% do IR devido por não residentes (fora de paraíso fiscal) e pessoas físicas sobre rendimentos produzidos por fundos de investimento com no mínimo 85% de suas carteiras compostas por Debêntures Incentivadas (“Fundos de Debêntures Incentivadas”) ou produzidos por fundos de investimentos em cotas de fundo de investimento – FICs – com no mínimo 95% dos seus recursos alocados em cotas dos Fundos de Debêntures Incentivadas, bem como redução para 15% no caso de pessoas jurídicas com investimentos nestes mesmos fundos.
2 Para mais informações sobre a Lei nº 12.431, vide boletins: "A MP 517 e o mercado privado de financiamento de longo prazo" (12/1/2011), "A Lei nº 12.431/11 e o mercado privado de financiamento de longo prazo" (21/7/2011) e "Regulamentada a emissão de debêntures de infraestrutura" (1/12/2011).
3 Quando se tratar de debêntures emitidas por sociedade de propósito específico, há previsão de responsabilidade subsidiária do controlador de tal emissora.
4 Para Fundos de Títulos de Longo Prazo, o percentual foi de 98% para 85%, podendo ser de 67% em seus primeiros dois anos. Fundos de Debêntures Incentivadas poderão ter 67% de seu patrimônio investido em tais debêntures durante os primeiros dois anos, devendo a partir de então manter o mínimo de 85%.
5 Além dos mencionados, outros setores foram beneficiados com a substituição da contribuição previdenciária patronal em virtude da MP n.º 582, de 20 de setembro de 2012. Entre eles, destacamos os relativos a papel e celulose, tintas e vernizes, fogões e refrigeradores, fabricação de ferramentas e acessórios, equipamentos médico-hospitalares, bicicletas.
6 Empresas que prestam serviços de tecnologia da informação (TI), de tecnologia da informação e comunicação (TIC), de call center, de concepção, desenvolvimento ou projeto de circuitos integrados, bem como empresas do setor hoteleiro enquadradas na subclasse 5510-8/01 da Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE 2.0 e empresas de transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal, intermunicipal em região metropolitana, intermunicipal, interestadual e internacional enquadradas nas classes 4921-3 e 4922-1 da CNAE 2.0.
7 Vide boletim de 26/4/2012: "Preços de transferência têm novas regras".