Justiça aplica princípio do "telle quelle" no registro de marcas estrangeiras

Recente decisão da 31ª Vara Federal do Rio de Janeiro abriu importante precedente para estrangeiros que desejem registrar suas marcas no Brasil. No caso em questão, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) negou a conhecida rede americana de salões de beleza o registro de marca de sua titularidade, por considerar que essa meramente descrevia as atividades exercidas pela empresa. O Judiciário, no entanto, entendeu que a marca não carecia de distintividade determinando assim que a autarquia revertesse sua posição.

A novidade trazida por esse caso é o fato de a sentença ter expressamente reconhecido a aplicação do princípio do telle quelle (literalmente, "tal qual" em francês), ao qual normalmente não fazem referência expressa os magistrados ou o próprio INPI. Esse princípio, positivado na Convenção da União de Paris, determina que qualquer marca de fábrica ou de comércio regularmente registrada no país de origem seja admitida para registro e protegida na sua forma original nos demais países signatários, como o Brasil. Isso significa que, caso o registro da marca já tenha sido deferido no seu país de origem1, o INPI não poderá se recusar a reconhecê-lo com base nas limitações do art. 124 da Lei 9.729, de 14 de maio de 1996 (Lei de Propriedade Industrial), que prevê as hipóteses de sinais não registráveis.

Em outras palavras, o pedido de registro somente poderá ser indeferido quando a marca não atender aos requisitos indicados na própria Convenção da União de Paris.

Prevê a Convenção de Paris três hipóteses de exceção ao princípio, que justificariam a recusa ou invalidade do registro.

- Quando a marca seja suscetível de prejudicar direitos adquiridos por terceiros no país em que a proteção é requerida, como, por exemplo, conflitar com marca anteriormente registrada.

- Quando a marca seja contrária à moral à ordem pública e, particularmente, de natureza a enganar o público. Nesse sentido, segundo a Convenção da União de Paris o simples fato de a marca não estar em conformidade com a legislação do país no qual seja requerida a proteção (no caso do Brasil, a Lei de Propriedade Industrial) não poderá ser considerado violação à ordem pública, salvo se o próprio dispositivo em conflito relacionar-se com a ordem pública.

- Quando a marca seja desprovida de caráter distintivo ou quando seja composta exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que tenham se tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e usuais do comércio do país em que a proteção é requerida.

O tratado dita ainda que o princípio do telle quelle cuida especificamente do registro de marcas, não sendo, portanto, obrigatória sua renovação nos demais países membros, quando for deferida tal renovação no país de origem. Assim, o INPI pode recusar-se a postergar o prazo de proteção a marca que, por exemplo, não venha sendo utilizada no Brasil, por mais que seu registro tenha sido renovado no exterior.

O princípio também se aplica caso a marca que se tente registrar em outro país não seja idêntica à marca protegida no país de origem, desde que as diferenças não alterem seu caráter distintivo nem modifiquem sua identidade.

Essa não é a primeira vez que a Justiça entende que marca estrangeira tem distintividade suficiente, ordenando que o INPI mude seu posicionamento e lhe conceda o registro. A decisão da 31ª Vara Federal do Rio de Janeiro chama atenção por fundamentar-se no princípio do telle quelle, pouco citado pelos tribunais.

No atual contexto de globalização, em que os sinais distintivos cada vez mais atravessam as fronteiras de seus mercados de origem, esse princípio pode representar importante instrumento a favor de entidades e cidadãos que desejem estender a outros países a proteção de suas marcas.


1 A Convenção da União de Paris define país de origem como aquele em que o requerente tenha um estabelecimento industrial ou comercial efetivo e real. Não tendo esse estabelecimento em país membro, será considerado país de origem o país membro em que o titular da marca tenha o seu domicílio. Não tendo domicílio em país membro, o país de origem será o da nacionalidade do requerente, caso seja nacional de um país membro.

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Autores L&S

Simone Lahorgue Nunes

Simone Lahorgue Nunes

Consultora

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