Step-in Rights e as novas concessões da Anac

Em meio a um cenário de profundas incertezas sobre o horizonte brasileiro, uma conclusão parece cada vez mais clara: para superar a retração econômica e a escassez de capital público, o investimento privado em infraestrutura mostra-se essencial. Para isso, garantias adequadas devem ser apresentadas aos financiadores.

Os mecanismos associados ao project finance permitem a diluição dos riscos dos projetos, transferindo o papel de investimento do Estado para os bolsos da iniciativa privada. O project finance implica a possibilidade de os financiadores contarem com o fluxo de caixa e com os ativos provenientes de um projeto como fonte primária de pagamento e garantia do capital investido.

O art. 27-A da Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), introduzido em janeiro de 2015, concede aos financiadores e garantidores de concessionárias de serviços públicos o direito de assumirem o controle ou a administração temporária do projeto para promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade dos serviços. A esse mecanismo dá-se o nome step-in right.

Os step-in rights e o project finance são mecanismos intimamente associados, pois a possibilidade de assumir o controle ou a administração temporária de um projeto (direito de step-in) é particularmente relevante nas operações de project finance, na quais interessa mais ao credor a continuidade do empreendimento do que a execução imediata de uma garantia obtida pelo financiamento. Em regra, os ativos da sociedade do projeto valem menos se vendidos separadamente do que a dívida incorrida para adquiri-los.

Ainda que os step-in rights sejam mecanismos pouco explorados no Brasil, a previsão desse direito faz-se notar em diversos contratos de concessão do setor aeroviário nacional, como por exemplo nas concessões dos aeroportos de São Gonçalo do Amarante, Brasília, Guarulhos, Viracopos, Galeão e Confins.

A presença reiterada dos step-in rights nos contratos de concessão explica-se pela adequação desses mecanismos no setor aeroviário. Os investimentos necessários em infraestrutura aeroportuária são elevados e contam com fluxos de caixa consideravelmente previsíveis.

O conceito de aeroporto (conforme Código Brasileiro de Aeronáutica) vai bem além de uma pista de pouso ou decolagem. Aeroporto compreende também áreas destinadas a estacionamentos de veículos e de aeronaves, atendimento e movimentação de passageiros, bagagens e cargas, terminais, comércio e serviços auxiliares do aeroporto ou do público usuário. O oferecimento de uma estrutura aeroportuária de qualidade para usuários de transporte aéreo é da mais suma importância e passa, é claro, pela capacidade de o setor atrair financiamentos para cada obra necessária.

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) é a autarquia federal competente para conceder a exploração da infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, bem como para autorizar possíveis transferências de controle em contratos de concessão já existentes.

O step-in no setor pode ocorrer tanto pela transferência de controle quanto pela administração temporária dos financiadores. Esta se resume no direito de step-in que assegure ao financiador ou garantidor a definição de diretrizes de estratégia da concessionária (indicação de membros do conselho da administração e conselho fiscal, por exemplo) sem que, entretanto, ocorra assunção do seu controle societário direto. A administração temporária não acarreta responsabilidade aos financiadores e garantidores em relação à tributação, encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos com terceiros, inclusive com o poder concedente ou empregados (artigo 27-A, §5º da Lei de Concessões).

A transferência da titularidade da concessão ou do controle acionário está prevista no artigo 17 do Decreto nº 7.624, de 22 de novembro de 2011. Em seu § 3º, o artigo 17 permite a assunção de controle da concessionária pelos financiadores em favor da sua reestruturação e da continuidade dos serviços.

Ainda que o texto legal trate apenas dos step-in rights por meio da transferência de controle societário, a consolidação dos step-in rights também pode se dar através da administração temporária, como requer o artigo 27-A da Lei de Concessões. Isso porque (i) o próprio artigo 17, §3º determina que seja observado o disposto na Lei das Concessões, a qual prevê a modalidade de administração temporária; (ii) o artigo 17, §3º é anterior à lei que introduziu o artigo 27-A e a via do step-in pela administração temporária, eis o motivo pelo qual não contém essa modalidade expressa.

Confirmando esse entendimento, o contrato de concessão patrocinada para construção, exploração e manutenção do aeroporto internacional de Pouso Alegre dispõe:

O Poder Concedente autorizará a assunção do controle do Parceiro Privado ou da administração temporária da concessionária por seus financiadores e garantidores com quem não mantenha vínculo societário direto, para promover sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, nas condições pactuadas diretamente entre o Parceiro Privado e o Financiador.

A transferência da concessão ou do controle societário da concessionária depende de prévia anuência do poder concedente (Anac), sob pena de caducidade da concessão1. Dúvida que se coloca é quanto à possibilidade de que essa anuência seja dada em benefício de financiadores antes de qualquer inadimplemento capaz de acionar os step-in rights. Isso para que, em caso de inadimplemento previsto contratualmente, a intervenção dos financiadores possa ocorrer automaticamente e sem nova interferência do Poder Público.

A resposta dependeria das condições de ativação dos step-in rights estabelecidas pela Lei das Concessões e pelas normas da Anac. Por parte da Lei de Concessões, nada impede que a autorização seja prévia e hipotética. Quanto às condições estabelecidas pela Anac, até o momento não foi expedido normativo regulamentando as condições para a implementação dos step-in rights no setor.

Todavia, os diversos contratos de concessão já elaborados pela Anac demonstraram um padrão de condições fixadas para a ativação das cláusulas de step-in. Se por um lado tais contratos determinam que a transferência do controle da concessionária para o financiador ocorrerá nas condições pactuadas diretamente entre a sociedade concessionária e o financiador, por outro, requerem que o investidor apresente documentos exigidos pela Agência à época do evento (como aqueles documentos necessários para comprovação da idoneidade financeira).

Importante destacar que os contratos se aplicam a uma concessão específica. Assim, nada impede que futuros contratos alterem a exigência de apresentação de documentos quando do evento da intervenção do financiador, uma vez que não há norma impedindo a anuência prévia e hipotética dos step-in rights.

A previsão dos step-in rights tem o potencial de impulsionar os financiadores mais receosos que pretendam investir na infraestrutura aeroportuária brasileira. Tendo em vista o crescimento do setor e a realização das Olimpíadas, o interesse em novos projetos tende a ser considerável. Enquanto a Infraero busca parceiros na iniciativa privada para o projeto de ampliação de terminal de passageiros2 e para concessão da área comercia3 do aeroporto de Congonhas (SP), o Governo Federal já anunciou Programa de Investimentos em Logística com as concessões dos aeroportos Pinto Martins, em Fortaleza (CE); Luiz Eduardo Magalhães, em Salvador (BA); Hercílio Luz, em Florianópolis (SC); e Salgado Filho, em Porto Alegre (RS)4.


Extinção do contrato pelo Poder Público por descumprimento de obrigação contratual por parte do concessionário.
http://ww.valor.com.br/brasil/4419646/infraero-vai-atras-de-nova-parceria-para-ampliar-congonhas
http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/04/1759317-aeroporto-de-congonhas-tera-terminal-ampliado-e-novo-estacio
namento
http://www.anac.gov.br/Anac/assuntos/paginas-tematicas/concessoes

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Eduardo Salomão Neto

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Sócio
Fabio Kupfermann Rodarte

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