Os cotistas de fundos de investimentos foram surpreendidos nesse segundo semestre com a súbita mudança de entendimento da Receita Federal do Brasil (RFB) acerca da tributação de dividendos provenientes de ações que integrem suas respectivas carteiras.
A matéria era regulada pela Instrução Normativa RFB nº 1.022, de 5 de abril de 2010, cujo art. 22 estabelecia que os valores recebidos como dividendos em razão de ações integrantes da carteira de qualquer fundo de investimento são isentos do imposto de renda, desde que repassados diretamente aos cotistas.
A instrução teve por escopo regular norma prevista na Lei nº 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que trata do imposto de renda incidente sobre os rendimentos e ganhos líquidos auferidos nos mercados financeiro e de capitais, e que expressamente isenta os dividendos da incidência do imposto de renda, seja na fonte, seja na declaração do beneficiário.
Nem poderia ser de outra forma, pois não seria admissível que um ato administrativo concedesse isenção, por se tratar de matéria reservada à lei, conforme determinam o § 6º do art. 150 da Constituição Federal, e o art. 176 do Código Tributário Nacional (CTN).
Ao dispor sobre a isenção dos dividendos repassados diretamente aos cotistas de fundos de investimento, a IN RFB 1.022/10 nada mais fez do que assegurar a isenção àqueles que recebam dividendos, mesmo não investindo diretamente no mercado de ações, mas fazendo-o por meio de fundos em condomínio e clubes de investimento.
É de se admirar que tal instrução tenha sido revogada cinco anos após sua publicação pela Instrução Normativa RFB 1.585, de 31 de agosto de 2015, cujo art. 21 imputou aos administradores dos fundos e clubes de investimento a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto de renda sobre as quantias repassadas diretamente aos cotistas como dividendos.
Tudo indica que essa norma, destituída de base legal, parte da equivocada premissa de que a isenção do imposto teria sido originalmente outorgada pela instrução normativa que lhe antecedeu, e não pela lei, razão pela qual poderia ser revogada por outra de igual hierarquia.
Todavia, ao fazê-lo, viola não apenas disposições legais, como afronta o princípio da isonomia previsto no art. 150, II da Constituição, ao atribuir aos cotistas dos fundos tratamento diverso daquele dispensado aos que investem diretamente no mercado de ações, afetando justamente os que reúnem menos conhecimento e experiência em segmento de extrema complexidade, e por essa razão, preferem contratar terceiros especializados na gestão e administração de recursos.
Mera instrução normativa não poderia dispor sobre responsabilidade tributária, que é matéria também reservada à lei, conforme o art. 128 do CTN.
Os cotistas que estiverem nessa situação e se sentirem prejudicados pela nova regra podem ingressar em juízo contra a Receita, individual ou coletivamente, pleiteando a não retenção do tributo. Os administradores de fundos e clubes de investimento estarão também legitimados a fazê-lo, desde que o regulamento contemple expressamente a possibilidade de representar em juízo seus cotistas, ou mediante procuração outorgada para esse fim específico.