Financiamento ao setor portuário brasileiro: o direito de "step-in"

Apesar da crise econômica e política vivida pelo Brasil, o setor portuário tem chamado atenção por seu crescimento e perspectivas otimistas. Desde 2003, o volume de movimentação de cargas cresceu 70% e, conforme o Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), essa movimentação deve dobrar até 2042; números coerentes com um país que deve ao setor portuário mais de 90% de suas exportações.

Porém, a deficiência da logística brasileira persiste e representa óbice à competitividade da economia nacional. Tendo isso em vista, a nova Lei dos Portos (Lei nº 12.815, de 5 de junho de 2013) alterou significativamente a regulação portuária com o objetivo de alavancar o investimento privado no setor1.

Para que esses objetivos possam "sair do papel", é necessário assegurar a investidores financeiros garantias eficazes. Assim, o art. 27-A da Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995), introduzido em janeiro de 2015, concede aos financiadores e garantidores de concessionárias de serviços públicos o direito de assumirem o controle ou a administração temporária da concessionária para promover a sua reestruturação financeira e assegurar a continuidade dos serviços. Isso desde que a transferência do controle ou da administração estejam previstos no respectivo contrato de direito público e sejam aprovados pelo poder concedente. Esse direito, conhecido como step-in right, ainda é pouco explorado no Brasil2.

As regras sobre step-in rights se aplicam também a quaisquer formas jurídicas de transferência a particulares da exploração de portos ou instalações portuárias. Seja porque tal exploração é em essência também um serviço público na maioria dos casos, seja porque a lei expressamente o diz.

Os step-in rights são relevantes em projetos de infraestrutura que requerem grandes aportes iniciais de capital, como os portos. Nesses casos, interessa mais ao credor a continuidade do empreendimento do que a execução imediata de uma garantia obtida pelo financiamento. Em regra, os ativos da sociedade do projeto valem menos se vendidos separadamente do que a dívida incorrida para adquiri-los.

Transferência de controle

O step-in pode ocorrer pela transferência de controle ou pela administração temporária dos financiadores. Transferência de controle societário significa transferência de direitos de sócio que assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e poder de eleger a maioria dos administradores do contratante privado. Segundo o Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013, que regulamenta a Lei dos Portos, compete à Secretaria de Portos (SEP) aprovar a transferência de controle societário de concessionárias ou arrendatárias de portos, após análise da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).

Mas seria possível obter a autorização final já no momento da contratação de uma operação de financiamento de porto ou instalação portuária? Ou seja, seria possível receber autorização prévia, dada hipoteticamente para o caso de violação dos termos contratados, antes do desembolso de recursos pelos financiadores? Caso a resposta seja afirmativa, certamente haverá maior segurança para financiadores, e disposição maior deles de destinar recursos por empréstimo.

O já analisado artigo 27-A da Lei de Concessões não impede que se outorgue a aprovação prévia ao step-in antes do desembolso dos recursos. Resta analisar se a regulação do setor portuário o faz. A exploração da atividade portuária pode se dar pelos regimes de concessão, arrendamento ou autorização3. No caso da autorização, a alteração de controle societário precisa apenas ser comunicada à Antaq em até trinta dias do ato que a formalizou. Como a transferência não requer análise prévia do poder concedente ou da agência, mas apenas comunicação, o step-in poderá ocorrer automaticamente nas hipóteses previstas contratualmente.

Em caso de regime de concessão, a transferência tramitará para aprovação pela Antaq e pela SEP. Não há proibição, entretanto, a que essa análise seja feita quando da contratação, antes de um possível desembolso do financiamento ou de seu inadimplemento. A regulação contém requisito de que o cessionário apresente a necessária qualificação técnica, exigência que, no entanto, pode ser afastada em benefício de financiadores nos termos do artigo 27-A, § 1º da Lei de Concessões.

A mesma conclusão sobre a possibilidade de aprovação do step-in no momento do financiamento vale para o regime de arrendamento.

Administração temporária

A outra via de concretização do step-in é pela administração temporária. Dentre as principais vantagens desse caminho estão: a) o financiador raramente tem interesse em permanecer no controle, por não ser este o seu negócio, b) a administração temporária não acarreta responsabilidade dos financiadores e garantidores em relação à tributação, encargos, ônus, sanções, obrigações ou compromissos com terceiros, inclusive com o poder concedente ou empregados4. A administração temporária apresenta-se como uma via interessante de intervenção do financiador, pois prevê a possibilidade de saída (step-out) e afasta responsabilidades com as quais os credores não estão dispostos a arcar.

Novamente não há impedimento a que a análise e aprovação de uma cláusula de step-in se dê antes do momento de inadimplemento. A regulação dos regimes de autorização, concessão e arrendamento não trata da transferência pela via da administração temporária, ensejando aplicação da Lei de Concessões, a qual admite essa possibilidade.

Conclui-se que os mecanismos de step-in podem ajudar a alavancar financiamentos privados no setor portuário, dando a financiadores certeza de que poderão intervir na outorga portuária para corrigir seus rumos, na forma contratualmente prevista.

O funcionamento prático do mecanismo depende de decisões burocráticas de órgãos que se superpõem, a Antaq e a SEP, merecendo ser testado. E o momento é bom para essa reflexão, afinal há previsão de 21 editais para novos contratos de arrendamento que deverão ser publicados no primeiro semestre de 2016, com investimentos previstos de R$ 7,2 bilhões.


1 Mais detalhes no Boletim Nova Lei dos Portos
2 Assunto de que já tratamos em Boletim sobre o setor elétrico em
Step-in rights: uma solução para investimentos no setor elétrico?
3 A Lei dos Portos define "concessão" como a cessão onerosa do porto organizado, com vistas à administração e à exploração de sua infraestrutura, enquanto o "arrendamento" é definido como a cessão onerosa de área e infraestrutura públicas localizadas dentro do porto organizado, em ambos os casos para exploração por prazo determinado. A "autorização" é a outorga de direito à exploração de instalação portuária localizada fora da área do porto organizado, compreendendo as seguintes modalidades de instalações: terminal de uso privado, estação de transbordo de carga, instalação portuária pública de pequeno porte e instalação portuária de turismo.
4 Artigo 27-A, §5º da Lei de Concessões.

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Autores L&S

Eduardo Salomão Neto

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Sócio
Fabio Kupfermann Rodarte

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Advogado

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