Fatos relevantes e redes sociais

No início deste mês Elon Musk, CEO e acionista controlador da Tesla, anunciou em seu perfil pessoal no Twitter que considerava fechar o capital da companhia. A manifestação gerou questionamentos de seus “seguidores”, inclusive com relação ao preço que poderia ser pago por ação na hipótese de fechamento do capital da empresa. A primeira manifestação oficial da Tesla sobre o assunto ocorreu apenas seis dias depois da declaração de Musk1. Depois, em 24 de agosto, a companhia divulgou que Musk não mais pretende apresentar proposta para fechar o capital da empresa2.

A relevância do anúncio é inquestionável independentemente do impacto provocado na cotação das ações da Tesla. O que se questiona é até que ponto o canal para divulgação da informação foi adequado.

Um dos pilares da regulação do mercado de capitais é o princípio do full disclosure, que privilegia a ampla transparência das informações, que devem ser divulgadas a todo o mercado de modo simultâneo e completo. O objetivo é possibilitar que todos os investidores e potenciais investidores tenham acesso às mesmas informações no mesmo momento para que, igualmente informados, possam decidir entre comprar, vender ou manter suas posições de investimento. Cabe a cada investidor avaliar o conteúdo das informações, mas a todos deve ser dado acesso a elas, sob pena de redução do nível de confiança no mercado e de promoção de mercado ineficiente.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), atenta às inovações tecnológicas, há quase cinco anos já permite que atos e fatos relevantes sejam divulgados na internet, sem a necessidade de publicação em jornal3.

O regulador brasileiro também reconhece a possiblidade de utilização de redes sociais (como Twitter, Linkedln e Facebook) para a divulgação de informações relevantes4. Contudo, exige que estas informações sejam, prévia ou simultaneamente, disponibilizadas pelos meios de comunicação admitidos pela Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002, ou seja, jornal de grande circulação ou portal de notícias com página na internet, além do envio da informação à CVM e, se for o caso, à bolsa de valores e entidade do mercado de balcão organizado em que os valores mobiliários em questão sejam admitidos à negociação.

A razão é clara. Não se pode privilegiar um grupo restrito de investidores e exigir, por exemplo, que todos acompanhem as publicações feitas por administradores de companhias abertas no Twitter. Por outro lado, não se pode ignorar novos canais de comunicação e sua aptidão para disseminar informações de modo eficaz e econômico.

Assim, trazida ao Brasil a situação da Tesla, não haveria problema em divulgar informações relevantes via perfil pessoal no Twitter, desde que prévia ou simultaneamente a companhia divulgasse as mesmas informações pelos meios de comunicação previstos nas regras da CVM. Além disso, a mensagem deve conter informações verdadeiras, completas, consistentes e que não induzam o investidor a erro.

A situação pode parecer nova por tratar de redes sociais, mas na realidade não o é. O que importa aqui é que as informações relevantes sejam disseminadas a todo o mercado, sem privilegiar um certo grupo, seja ele formado por usuários do Twitter ou por assinantes de determinado jornal. A informação relevante pode ser divulgada via publicação no Twitter ou entrevista a um jornal, porém, os canais de comunicação oficiais devem continuar a ser utilizados.


Em 14 de agosto de 2018, a Tesla arquivou comunicado na Securities and Exchange Commission (SEC) informando sobre a criação de um comitê independente para analisar o anúncio feito por Musk. No mesmo comunicado, a companhia afirma que o comitê ainda não recebeu proposta formal de Musk e ainda não chegou a uma conclusão quanto à conveniência ou viabilidade da transação. A companhia informa ainda não poder assegurar os termos e detalhes de eventual proposta ou mesmo que referida transação será realizada.
A empresa divulgou em seu site de relações com investidores que dissolveu o mencionado comitê tendo em vista o comunicado feito por Musk à diretoria da companhia de que não mais apresentaria proposta para fechamento do capital da empresa.
Artigo 3º, §4º da Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002, conforme redação dada pela Instrução CVM nº 547, de 5 de fevereiro de 2014.
Item 4.1 do OFÍCIO-CIRCULAR/CVM/SEP/Nº02/2018.

  

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Autores L&S

Fernando de Azevedo Perazzoli

Fernando de Azevedo Perazzoli

Sócio

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