A recente Resolução nº 4.693 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de 29 de outubro, regulamentou as operações de crédito com partes relacionadas por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil. A norma entra em vigor em 1º de janeiro de 2019.
A regulamentação desenvolve regras sobre o assunto introduzidas pela Lei nº 13.506, de 13 de novembro de 2017, que alterou os artigos 34 da Lei nº 4.595/64 e 17 da Lei nº 7.492, de 16 de junho de 1986, conhecida como Lei de Crimes do Colarinho Branco. O assunto foi objeto de artigos deste escritório1.
Ocorre que em dois pontos relevantes a nova regulamentação ultrapassou os limites da Lei 13.506/2017.
Em primeiro lugar, entre as operações sujeitas a restrição se realizadas entre partes ligadas incluiu a “prestação de aval, fiança, coobrigação ou qualquer outra modalidade de garantia pessoal do cumprimento de obrigação financeira de terceiros” (artigo 4º, inciso IV da Resolução nº 4.693/2018). Ao fazer isso, vai além da permissão dada pela lei, pois o artigo 34 da Lei nº 4.595/1964, com a redação dada pela Lei nº 13.506/2017 veda apenas a realização de operações de crédito com partes relacionadas.
Não é toda relação que gere crédito, ou exija confiança no favorecido, que se pode considerar operação de crédito no sentido financeiro. Não há operação de crédito, por exemplo, na venda de mercadorias a prazo, embora o requisito da confiança no comprador possa ou deva estar presente. Da mesma forma, a prestação de garantia também não envolve crédito em relação ao beneficiário dela. Em ambos os casos falta o requisito da substituição do direito real sobre um bem, tipicamente o dinheiro, por direito obrigacional de reavê-lo. Mas é justamente essa troca que configura a operação de crédito. Assim, exorbitou de seus poderes a regulamentação nesse ponto.
Da mesma forma, segundo a redação da Lei nº 13.506/2017, a proibição a empréstimos a pessoas ligadas tinha como exceção as seguintes operações, alternativamente consideradas: i) aquelas realizadas em condições de mercado; ii) as realizadas por instituições financeiras públicas federais com entidades controladas pela União; iii) as que tenham como contraparte instituição financeira integrante do mesmo conglomerado prudencial, desde que contenham cláusula contratual de subordinação; iv) os depósitos interfinanceiros; e v) as obrigações assumidas no âmbito de câmaras ou prestadores de serviços de compensação e de liquidação autorizados pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários.
Esse tratamento foi, entretanto, alterado pelo artigo 6º, § 2º da Resolução nº 4.693/2018. Segundo tal regra, a compatibilidade com valor de mercado não é um requisito autônomo, mas sim cumulativo em relação a cada um dos demais. Assim, por exemplo, um depósito interfinanceiro só escaparia da proibição específica da Resolução, e das sanções inerentes, caso também cumprisse o requisito de obedecer a padrões de mercado.
Haveria problema na extensão das proibições relativas a garantias e a compatibilidade com termos de mercado, operada pela Resolução nº 4.593/2018? Normalmente, atos normativos do Conselho Monetário Nacional podem alterar previsões legislativas, e às vezes o fazem. Mas isso encontra limitação constitucional: sempre que a alteração implicar criação de sanção penal ou mesmo administrativa, é privativa de lei, e não pode ser introduzida por ato do Poder Executivo como a Resolução. Essa a regra do artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal.
No caso concreto, a Lei de Crimes do Colarinho Branco teve sua redação alterada pela Lei nº 13.506/2017, para que a existência de crime nas operações entre pessoas ligadas se subordine a violação das normas de responsabilidade administrativa dadas pela Lei 13.506/2017 e sua regulamentação. Além do mais, mesmo que não tivessem reflexo criminal, as normas da Lei nº 13.506/2017 ainda assim imporiam sanções e penas administrativas, e por isso não podem ser alteradas por Resolução, segundo o acima citado dispositivo da Constituição Federal.
O efeito do excesso de poderes do Conselho Monetário Nacional traria prejuízo direto às instituições jurisdicionadas no caso da extensão do conceito de operações de crédito a garantias, pois passam a ser criminalizadas se feitas entre partes ligadas, quando de ordinário não seriam.
Já as operações fora de valor de mercado são de todo modo vedadas, por outras regras, inclusive da própria Lei de Crimes do Colarinho Branco, relativas a gestão irregular ou distribuição disfarçada de lucros de instituições financeiras. Ou seja, mesmo que a Lei 13.506/2018 não existisse, ainda seriam vedadas. Mas poderá sim haver cominação de pena alterada ou agravada pela existência de novo delito, de onde continuarem válidas nossas considerações.
Embora seja tradicional o acatamento pelas instituições financeiras das normas do Conselho Monetário Nacional, a possibilidade de contestação aqui indicada e a falta de precisão que a originou não podem ser ignoradas.
1http://www.levysalomao.com.br/files/publicacao/anexo/20180502101758_artigo-esn-valor-29.3.pdf e http://www.levysalomao.com.br/publicacoes/Boletim/emprestimos-de-instituicoes-financeiras-a-partes-relacionadas