CVM regulamenta investimentos em condo-hotéis
Não é de hoje que o tema investimento em condo-hotéis1 e o mercado de capitais é relevante. Os mercados imobiliário e hoteleiro usualmente oferecem ao público a oportunidade de investimento em empreendimentos hoteleiros estruturados como condo-hotéis. Porém, diferentemente do que poderia parecer para aqueles não familiarizados com a regulamentação do mercado de capitais, a forma como os investimentos são estruturados não representa simplesmente a venda de unidades imobiliárias hoteleiras, mas sim a venda de valores mobiliários.
Esse mercado pode envolver contratos de investimento coletivo (CICs), que são considerados valores mobiliários quando ofertados publicamente na medida em que gerem direito de remuneração vinculada ao resultado do empreendimento hoteleiro2.
Diversas incorporadoras e operadoras hoteleiras foram advertidas pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a esse respeito e inúmeros processos administrativos sancionadores foram instaurados. Sensível à realidade da indústria, a CVM concedeu ao longo do tempo diversas dispensas quanto ao atendimento de exigências normativas. Isso culminou na Deliberação CVM nº 734, de 17 de março de 2015, que tratava da concessão de dispensas regulatórias em ofertas públicas de CICs.
Dando sequência a essa evolução, e após longo processo de audiência pública, a CVM editou, em 27 de agosto, a Instrução CVM nº 602, que regulamenta ofertas públicas no mercado de condo-hotéis. Até então, as normas aplicáveis às ofertas públicas de CICs eram as Instruções CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, que regulamenta ofertas públicas em geral, e a mencionada Deliberação nº 734, que foi revogada pela Instrução nº 602.
Entre os pontos de destaque da nova norma, temos: (i) o fato de o operador hoteleiro não ser necessariamente considerado ofertante, (ii) a não obrigatoriedade de contratação de instituição intermediária para realização da oferta e (iii) a possibilidade de a oferta ser destinada ao público em geral.
Inicialmente, a norma corrige um erro da Deliberação nº 734 ao não incluir o operador hoteleiro no conceito de ofertante e, consequentemente, não o sujeitar às responsabilidades relacionadas. A partir de agora, somente o será se realizar atos de distribuição pública. Contudo, a redução de responsabilidade do operador hoteleiro é limitada. Isso porque, em razão da sua importância para o empreendimento hoteleiro, a CVM exige que o operador hoteleiro ateste que as informações relativas ao empreendimento e seus riscos, prestadas no prospecto da oferta e no estudo de viabilidade econômica e financeira, são verdadeiras, consistentes, corretas e suficientes.
As principais obrigações da operadora hoteleira perante os investidores são a elaboração e a divulgação de demonstrações financeiras do empreendimento hoteleiro, que devem ser auditadas por auditor independente registrado na CVM. A partir do terceiro ano após o hotel entrar em operação, os condôminos podem dispensar a sociedade operadora de tais obrigações. A CVM poderia ter flexibilizado ainda mais a questão, excluindo a necessidade de se aguardar o mencionado período de três anos. Não o fez pensando na utilidade da informação para potencial investidor que venha a adquirir CIC em oferta pública secundária, após o hotel ter entrado em operação. Esse raciocínio é questionável já que a demonstração financeira pode trazer informações desatualizadas a depender do momento em que referida aquisição de CIC ocorrer. Pode ser melhor não ter a informação do que se basear em dados que não refletem a situação atual.
Além disso, a sociedade operadora está dispensada da obtenção de registro como emissora de valores mobiliários se for exclusivamente emissora de CICs, o que torna menos custosa a realização de ofertas públicas de CICs.
Outra mudança que pode significar economia no processo de oferta pública de CICs é a dispensa da contratação de instituição intermediária integrante do sistema de distribuição de valores mobiliários. Em contrapartida, se fizer tal opção, o ofertante fica com o ônus de fiscalizar a atividade dos corretores de imóveis, que são encarregados de atrair o público-investidor. A CVM entende que neste caso o ofertante deve assegurar que a oferta pública ocorra em conformidade com a regulamentação da CVM, responsabilidade que seria atribuída à instituição intermediária. A responsabilidade do ofertante perante a CVM é sempre subjetiva; depende da comprovação de falha na fiscalização da corretora de imóveis.
A principal vitória do mercado na audiência pública da qual resultou a Instrução nº 602 foi a ampliação do público alvo da oferta. A CVM cedeu aos argumentos do mercado e concordou que não seria necessário restringir o público a investidores qualificados. Assim, ofertas de CIC no âmbito da Instrução nº 602 podem buscar qualquer tipo de investidor.
Embora a Instrução nº 602 tenha como regra a necessidade de registro da oferta pública de CICs, a norma prevê a dispensa automática de registro em algumas situações. Haverá dispensa (i) em ofertas pequenas3, (ii) quando o empreendimento já estiver em operação e já tiver sido objeto de oferta pública registrada ou dispensada de registro pela CVM, (iii) se concomitantemente ocorrer oferta registrada e (iv) se a oferta ocorrer entre o encerramento de oferta registrada ou dispensada de registro e a data de divulgação das demonstrações financeiras que pela primeira vez mostrem receita operacional hoteleira.
No primeiro caso a CVM reconhece que os custos relacionados com a obtenção do registro da oferta seriam incompatíveis com o perfil dos investidores. Na segunda hipótese, entende-se que os investidores possuem informações suficientes já que o hotel está em funcionamento e já passou pelo crivo da CVM. Na terceira hipótese a CVM também reconhece que o investidor tem informações suficientes já que simultaneamente há oferta pública registrada. Por fim, a CVM entende que seria desnecessário exigir o registro na última hipótese em razão da recente realização de oferta relativa ao mesmo empreendimento.
A Instrução nº 602 não se aplica a ofertas públicas de CICs que envolvam a venda de partes ideais de condomínios voluntários, que continuam sujeitas à Instrução nº 400. A CVM entendeu que a nova norma, mais simples do que o da Instrução nº 400, somente se justificaria no âmbito do regime jurídico da incorporação imobiliária e do condomínio edilício, em especial em razão da proteção conferida ao adquirente da unidade autônoma nos termos da Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964.
A Instrução nº 602 entrou em vigor na data de sua publicação. Contudo, em relação a ofertas que, na data da publicação da nova regra, já tenham obtido dispensa de registro ou cujo pedido de dispensa estava em análise, os ofertantes podem, no prazo de até 60 dias, optar por continuar a seguir o regime jurídico anterior (Instrução nº 400 e Deliberação nº 734).
1 Em geral, estruturas de financiamento que visam viabilizar a construção de edifício hoteleiro mediante a captação de recursos com a promessa de rentabilidade baseada no resultado esperado da operação hoteleira.
2 Com fundamento no art. 2º, inciso IX, da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976.
3 Aquela que contemple, em um mesmo ano, a alienação de frações ideais correspondentes a até dez unidades autônomas por investidor.