CVM pune a prática de spoofing

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou1  no início do mês um administrador de carteira de valores mobiliários e uma investidora por suposta manipulação de preços de valores mobiliários que teria sido realizada por meio da inserção de ordens artificiais de compra e venda. O gestor e a investidora foram condenados ao pagamento de multa de R$ 684 mil e R$ 1,71 milhão, respectivamente, correspondente a duas vezes a suposta vantagem econômica obtida, considerando seus antecedentes e as especificidades do caso concreto.

A mídia especializada e a própria CVM2 deram destaque ao caso, indicando que se trataria de condenação da prática de spoofing. Segundo a experiência internacional, spoofing se caracterizaria pela realização de uma proposta de compra ou venda com a intenção de cancelá-la antes da execução3.

Trazida a questão para a realidade brasileira, a discussão reside em saber se determinadas práticas configurariam “manipulação de preços” no mercado de valores mobiliários e/ou a criação de “condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários”. Segundo a acusação, a irregularidade decorreria do fato de terem sido inseridas diversas ofertas de compra e de venda de lotes expressivos de ações e opções, em valores extraordinários, canceladas em questão de segundos, o que representaria simulação de pressão compradora ou vendedora, conforme o caso.

Não há nada de irregular em realizar ofertas de venda e ofertas de compra simultaneamente. Também nada impede que seja registrada oferta de compra ou de venda com valor extraordinário ou relativa a quantidade expressiva de valores mobiliários. O cancelamento em curto intervalo de tempo de tais ofertas também não é proibido.

Contudo, a depender das circunstâncias do caso concreto, é possível que a prática orquestrada de tais medidas caracterize a manipulação de preços e/ou a criação artificial de demanda, oferta ou preço vedadas pela Instrução CVM nº 8, de 8 de outubro de 1979. Isso porque a regra da CVM, de modo propositalmente genérico4, veda (i) a manipulação de preço por meio da “utilização de qualquer processo ou artifício destinado, direta ou indiretamente, a elevar, manter ou baixar a cotação de um valor mobiliário, induzindo, terceiros à sua compra e venda” e (ii) a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço, entendidas como “aquelas criadas em decorrência de negociações pelas quais seus participantes ou intermediários, por ação ou omissão dolosa provocarem, direta ou indiretamente, alterações no fluxo de ordens de compra ou venda de valores mobiliários”.

Independentemente das especificidades do caso concreto mencionado ou da qualidade da decisão da CVM, esta regra antiga da CVM tem aplicação ampla, dado o caráter genérico de suas disposições, e está apta a punir práticas diversas se ficar caracterizada a criação de condições artificiais de demanda, oferta ou preço, a manipulação de preço, a realização de operações fraudulentas ou o uso de práticas não equitativas no mercado de valores mobiliários5.

Além da potencial irregularidade administrativa, a relevância da questão se constata pelo fato de haver tipo penal específico na Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976, que criminaliza a realização de operações simuladas ou execução de outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário. Crime esse igualmente descrito com linguagem relativamente genérica6.

Os participantes do mercado de capitais, portanto, devem estar atentos a tais regras ao definirem suas estratégias e estruturarem produtos a fim de que não haja risco de incorrerem em vedações administrativas ou praticarem crimes.


CVM, PAS SEI n° 19957.005977/2016-18, Rel. Dir. Henrique Moreira, DJ 13.3.18.
http://www.valor.com.br/financas/5383295/cvm-multa-manipulacao-de-mercado
   https://www.jota.info/justica/cvm-condena-acusados-por-spoofing-modalidade-de-manipulacao-de-mercado-13032018 
   http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2018/20180313-2.html
SEC. 747. ANTIDISRUPTIVE PRACTICES AUTHORITY. Section 4c(a) of the Commodity Exchange Act (7 U.S.C. 6c(a)) (as amended by section 746) is amended by adding at the end the following: (5) DISRUPTIVE PRACTICES.—It shall be unlawful for any person to engage in any trading, practice, or conduct on or subject to the rules of a registered entity that— (…) (C) is, is of the character of, or is commonly known to the trade as, ‘spoofing’ (bidding or offering with the intent to cancel the bid or offer before execution). A Financial Services and Markets Act 2000, do Reino Unido, e o Relatório ESMA/2015/224 da European Securities and Market Authority, da União Europeia, também contêm disposições similares.
Vide Nota Explicativa CVM nº 14/79.
Inciso I da Instrução CVM nº 8/79.
Art. 27-C. Realizar operações simuladas ou executar outras manobras fraudulentas destinadas a elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com o fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros: Pena – reclusão, de 1 a 8 anos, e multa de até três vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Arquivo PDF

Autores L&S

Fernando de Azevedo Perazzoli

Fernando de Azevedo Perazzoli

Sócio
Rodrigo Dias

Rodrigo Dias

Outras edições

Política restritiva sobre rankings

Não participamos de ou damos informações a publicações classificadoras de escritórios de advocacia (rankings) com uso de informações confidenciais de clientes. Também não pagamos por espaço editorial ou publicitário. Isso pode levar a omissão ou distorção de informações relativas a nossas atividades em tais publicações. Assim, a visita a nosso site é a maneira mais adequada de conhecer nossas atividades.
developed by asteria.com.br designed by pregodesign.com.br
^