A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) editou, em 23 de agosto, a Instrução CVM nº 601, alterando as Instruções CVM nº 400, de 29 de dezembro de 2003, e nº 476, de 16 de janeiro de 2009, que tratam da oferta pública de distribuição de valores mobiliários ao público em geral e da oferta pública distribuída com esforços restritos, respectivamente.
Em relação à Instrução nº 400, a alteração se restringe ao regramento do lote suplementar (green shoe1). A opção de distribuição de lote suplementar passou a necessariamente estar vinculada à estabilização de preços2 dos valores mobiliários objeto da oferta. A CVM rejeitou o pedido do mercado de que fosse mantida a permissão do uso do lote suplementar para atender eventual excesso de demanda. Passa a ser admitido somente o lote adicional neste caso, limitado a 20% do valor da oferta, que se diferencia do suplementar por não haver obrigatoriedade de vinculação ao serviço de estabilização de preços.
Em relação às ofertas com esforços restritos3, reguladas pela Instrução nº 476, foram mais as mudanças, destacando-se: (i) a não aplicabilidade da restrição à negociação pelo prazo de 90 dias (lock up) com relação a determinados títulos de dívida4 objeto de garantia firme de colocação, (ii) a possibilidade de previsão de lote suplementar, antes admitido apenas para ofertas no âmbito da Instrução nº 400, (iii) a fixação de prazo máximo para a conclusão da oferta e (iv) mudanças nos deveres do emissor, ofertante, distribuidor e seus administradores.
A imposição do lock up era indicada pelo mercado como um desincentivo à garantia firme. A obrigatoriedade de manutenção do papel limitaria o interesse de os coordenadores da oferta em se comprometerem a subscrever os títulos na hipótese de falta de demanda. Com a mudança, as ofertas no âmbito da Instrução nº 476 foram estimuladas e passaram a estar sujeitas a regras similares às impostas a ofertas públicas em geral5.
Em resposta a provocação do mercado, a CVM estendeu a possibilidade de outorga de lote suplementar às ofertas realizadas com esforços restritos. Contudo, em linha com a regra agora aplicável a ofertas da Instrução nº 400, o uso do lote suplementar ficou restrito às ofertas que incluam dispositivo de estabilização de preços. A CVM entende que assim a regra traz maior transparência quanto ao funcionamento e finalidade desse instituto, em consonância com as práticas internacionais. Na prática, o lote suplementar tende a ser mais utilizado em ofertas de ações, dado o objetivo do mecanismo de estabilização de evitar oscilação de preços após a oferta.
A inexistência de prazo máximo para a conclusão de uma oferta com esforços restritos foi apontada pela CVM como prejudicial para o acompanhamento das ofertas realizadas e em andamento. Com a fixação de um prazo seriam evitadas situações, verificadas pela CVM em sua atividade de supervisão, de ofertas abertas indeterminadamente mesmo sem qualquer esforço de venda. A nova regra fixou o prazo em 24 meses, contados da data de início da oferta.
Por fim, houve alterações pontuais que delimitaram, de forma mais clara, as responsabilidades dos emissores, ofertantes, distribuidores e seus administradores nas ofertas realizadas com esforços restritos.
A esse respeito chama a atenção o alargamento dos deveres do intermediário líder da oferta. Como as ofertas no âmbito da Instrução nº 476 são dispensadas de registro, a CVM deliberadamente conta ainda mais com atuação diligente de tal ator, a ele impondo o dever de fiscalizar a observância da regulamentação.
Além disso, foram incluídos dispositivos que explicitam que os administradores do ofertante, da emissora e da intermediária líder da oferta são também responsáveis pelo cumprimento das obrigações impostas à respectiva instituição.
De modo geral, a Instrução nº 601 demonstra o empenho do regulador em buscar o aprimoramento dos normativos que tratam da oferta pública de valores mobiliários. Espera-se que, em breve, haja uma reforma mais profunda dada a informação de que a Superintendência de Desenvolvimento de Mercado (SDM) da CVM está estudando o tema de modo amplo.
As regras entram em vigor de imediato, salvo no que se refere à obrigação de envio de determinadas informações financeiras às entidades administradoras dos mercados em que os valores mobiliários forem admitidos a negociação, que passará a ser exigível a partir de 1º de janeiro de 2019.
1A expressão green shoe é oriunda do direito norte-americano, e se refere ao valor mobiliário emitido pela primeira vez no caso da Green Shoe Manufacturing Company, em 1919 (antes mesmo da Securities Act, de 1933). Trata-se de instrumento de estabilização de preços permitido pela Securities and Exchange Commission.
2Embora inexistam regras regulando a atividade de estabilização de preços, a regulamentação permite que sejam celebrados contratos de estabilização de preços, os quais devem ser previamente aprovados pela CVM.
3As ofertas com esforços restritos são obrigatoriamente destinadas a investidores profissionais (conforme definido pela Instrução CVM nº 539, de 13 de novembro de 2013) e gozam de incentivos regulatórios, como a dispensa de registro na CVM, o que viabiliza a estruturação da oferta em menor tempo e com menor custo.
4Notas comerciais, debêntures não-conversíveis ou não-permutáveis por ações, certificados de recebíveis imobiliários e do agronegócio e letras financeiras, desde que não relacionadas a operações ativas vinculadas.
5Vide art. 48, inciso II, alínea b, da Instrução CVM nº 400.