Convenção da Apostila e a validade de documentos consularizados
Em 14 de agosto de 2016 entrou em vigor para o Brasil a Convenção de Haia sobre a eliminação da exigência de legalização de documentos públicos estrangeiros, conhecida como Convenção da Apostila. Objetivo da Convenção é eliminar a legalização feita na representação diplomática do país em que o documento deva produzir efeitos, substituindo-a por legalização no país de origem do documento, a chamada apostila.
Consideram-se documentos públicos, para os fins da Convenção, documentos emitidos por autoridades públicas mas também documentos particulares que contenham alguma declaração oficial, como por exemplo certidão de registro ou reconhecimento de assinatura.
A Convenção da Apostila não dispensa outras condições previstas na legislação de cada país membro. Por exemplo, um contrato celebrado por instrumento particular em inglês nos Estados Unidos, para produzir efeitos legais no Brasil precisará cumprir as seguintes formalidades: notarização e apostilamento no local de assinatura, tradução para o português por tradutor público juramentado no Brasil e registro em Cartório de Registro de Títulos e Documentos.
Documentos originados no Brasil também poderão receber apostila para facilitação de sua validade em outros países. Nesse caso, o Brasil indicou como responsáveis pela emissão da apostila as autoridades judiciárias, notariais e de registro. A fim de regulamentar a matéria, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promulgou em 22 de junho de 2016 a Resolução nº 228, que dentre outras providências define como competentes para aposição da apostila, no caso de documentos de interesse do Poder Judiciário, as Corregedorias Gerais de Justiça e os Juízes Diretores dos foros, e nos demais casos os titulares dos cartórios extrajudiciais. O custo da apostila corresponde ao de uma procuração sem valor declarado, que no Estado de São Paulo é de cerca de R$98,00.
Conforme o art. 2º da Resolução nº 228/16, apostilas emitidas em outros países partes da Convenção são aceitas no Brasil desde 14 de agosto de 2016, inclusive aquelas emitidas em data anterior.
Contudo, o art. 20 da Resolução nº 228/16 estabelece que documentos estrangeiros legalizados antes de 14 de agosto de 2016 por Consulados ou Embaixadas brasileiras em países partes da Convenção da Apostila serão aceitos no Brasil apenas até 14 de fevereiro de 2017. Isso significa que tais documentos precisarão ser apostilados para que possam ser utilizados no Brasil após essa data.
Tal exigência é inconstitucional. Segundo o art. 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou (art. 6º, § 1º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Legalização efetuada conforme a lei vigente é ato jurídico perfeito e sua validade não pode ser recusada por norma superveniente.
A exigência criará entraves práticos importantes. Documentos consularizados no exterior e remetidos ao Brasil precisarão ser devolvidos ao país de origem para apostilamento caso devam ser apresentados em juízo ou perante repartições públicas brasileiras após 14 de fevereiro do próximo ano. O que implica custos, demora, risco de extravio e dano à imagem do país.
Cabe ao CNJ revogar o art. 20 da Resolução nº 228/16. Se não o fizer, alternativa será a declaração de inconstitucionalidade da norma por iniciativa de entidade legitimada a propor ação direta ou, incidentalmente, por qualquer interessado no uso, após 14 de fevereiro do próximo ano, de documento estrangeiro consularizado antes de 14 de agosto de 2016.