Cade lança guia sobre programa de leniência e altera seu regimento interno
Em 26 de maio de 2016, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) lançou o "Guia sobre Programa de Leniência" e alterou os dispositivos sobre leniência incluídos em seu regimento interno, consolidando sua prática com relação ao requerimento, negociação e execução de acordos de leniência.
O guia visa a servir como referência para o público em geral, empresas, profissionais, bem como para outras autoridades, como o Ministério Público, sobre como o Cade faz cumprir seu programa de leniência. Ao mesmo tempo, o regimento interno é vinculante para o Cade e garante segurança jurídica à forma como os procedimentos são conduzidos perante o Conselho.
O programa de leniência do Cade foi lançado em 2000, por meio de uma emenda à Lei de Defesa da Concorrência de 1994. O primeiro acordo foi firmado em 2003 e mais de 50 acordos foram firmados até a presente data; sendo que em seis destes casos já houve decisão final pelo Tribunal do Cade. A efetividade do programa é construída sobre três pilares fundamentais: medo de detecção (com o crescente número de buscas e apreensões e interceptações telefônicas, como resultado da cooperação com autoridades criminais), ameaça de severas sanções (com multas recorde e penas privativas de liberdade) e esforços para promover transparência.
O pilar da transparência é o que levou o Cade a editar o guia e alterar o regimento, esclarecendo alguns aspectos do programa. O guia, disponível aqui, é estruturado em formato de perguntas e respostas e dividido nas seguintes quatro seções: (i) aspectos gerais do programa de leniência; (ii) negociação do acordo de leniência (do requerimento/“marker” à execução do acordo); (iii) os estágios seguintes à execução do acordo; e (iv) regras aplicáveis à leniência plus. O guia de forma geral enfatiza as crescentes garantias no tocante à confidencialidade de todo o processo de negociação, e dos documentos e informações apresentados perante o Cade.
Com relação ao regimento interno, as principais mudanças referem-se ao sistema do “marker” e à forma de cálculo dos descontos na leniência plus.
- Nos termos do §2 do artigo 199, o Cade terá que emitir a declaração do “marker” no prazo máximo de cinco dias úteis após fornecidas todas as informações requeridas (e não mais três dias, como disposto anteriormente), quanto então estabelecerá o prazo para que o proponente apresente uma primeira minuta do chamado “Histórico da Conduta”.
- Nos termos do novo artigo 199-A, se o “marker” não estiver disponível, o proponente poderá requerer que uma certidão seja emitida, indicando a data e a hora em que se apresentou perante a autoridade (mas não sua ordem na fila). O Cade então irá organizar uma lista de espera e, caso o primeiro da lista não consiga finalizar de forma bem sucedida a negociação, o segundo da fila, e eventualmente os seguintes, serão convidados para a negociação.
- O certificado emitido para o segundo, terceiro, e outros na sequência da fila servirá para assegurar seus respectivos lugares na fila para a negociação de Termo de Compromisso de Cessação (TCC); sendo que a ordem de uma dada parte é relevante para determinar o nível de desconto disponível. Neste caso, uma vez que o Cade assine o acordo de leniência com o primeiro da fila que preencher os requisitos, o Conselho irá então convidar as outras partes na fila, para que manifestem sua disposição em celebrar o TCC.
- Foi extinto o prazo de seis meses, prorrogáveis até o máximo de um ano, para a conclusão da negociação de acordo de leniência. A contagem agora se dá por meio de prazos intermediários, definidos caso a caso pela Superintendência-Geral.
- Quanto à leniência plus, como em outras jurisdições, um requerente que não se qualificar para a leniência com relação à prática inicial sob investigação (por ser o segundo a chegar na fila), mas que revelar um segundo cartel, e preencher os outros requisitos do programa de leniência, receberá imunidade administrativa e criminal integral com relação à segunda prática e 1/3 de redução na multa com relação à primeira prática. Para receber estes benefícios, o requerente deve revelar um segundo cartel antes de o primeiro caso ser enviado pela Superintendência-Geral para o Tribunal do Cade para julgamento final. O Conselho agora esclareceu que o nível de desconto disponível para estes requerentes, combinam descontos de leniência plus com descontos disponíveis segundo o programa de TCC (descontos que podem variar de 50% até 66,67% da multa que seria de outra forma imposta, a depender da ordem em que a parte se apresentar perante o Cade e do nível de cooperação oferecido).
A edição do guia e a revisão do regulamento marcam mais um salto de qualidade do programa de leniência. Há desafios adiante para que o programa continue atrativo, incluindo: a relação entre leniência e ações privadas de indenização (mais especificamente, quanto à confidencialidade de documentos e à responsabilidade solidária entre os membros de um cartel), a extensão da proteção com relação à responsabilidade criminal e infrações administrativas relacionadas, e a insegurança com relação à competência federal ou estadual em matéria criminal de cartel. Eventuais turbulências são, contudo, esperadas em um processo de amadurecimento e consolidação, como o que atravessa o programa de leniência brasileiro.