Cade decide primeiro caso de "gun jumping"

Em 28 de agosto de 2013, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) celebrou com a OGX acordo para encerrar investigação relativa à suposta consumação da operação de aquisição de participação acionária detida pela Petrobras em consórcio para exploração de óleo e gás na bacia de Santos antes da sua aprovação pelo Cade. O acordo previu reconhecimento da consumação prematura da operação (infração denominada gun jumping) e pagamento de contribuição pecuniária de R$ 3 milhões.

A nova lei de defesa da concorrência (Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011) introduziu o sistema de análise prévia de atos de concentração. A consumação de operações antes de sua aprovação pelo Cade sujeita as partes a multas que variam de R$ 60 mil a R$ 60 milhões, bem como a declaração de nulidade dos atos praticados e abertura de processo administrativo para apurar configuração de infração à ordem econômica. A regulamentação do Cade não contém instrução específica sobre os atos que configuram gun jumping. O Regimento Interno do órgão determina apenas que “[a]s partes deverão manter as estruturas físicas e as condições competitivas inalteradas até a apreciação final do Cade, sendo vedadas, inclusive, quaisquer transferências de ativos e qualquer tipo de influência de uma parte sobre a outra, bem como a troca de informações concorrencialmente sensíveis que não seja estritamente necessária para a celebração do instrumento formal que vincule as partes.”

A decisão do Cade que homologou o acordo celebrado com a OGX permite extrair as primeiras conclusões sobre os limites da atuação de empresas durante o período que antecede a aprovação de um ato de concentração pelo órgão. As regras seguem, em linhas gerais, o posicionamento de autoridades antitruste estrangeiras sobre o tema, que já aplicaram multa de até €20 milhões por gun jumping (Comissão Europeia, 2009, Electrabel/Compagnie Nationale du Rhône).

Relevância dos termos contratuais. Os pareceres da Superintendência-Geral (SG) e da Procuradoria-Geral do Cade (ProCade) examinaram detalhadamente os contratos submetidos por OGX e Petrobras. A ausência de cláusula que condicionasse o fechamento da operação à prévia aprovação do CADE foi considerada pela SG fator determinante para a configuração da infração.

Operações societárias que preencham os critérios de notificação da nova lei de defesa da concorrência devem, portanto, considerar o regime de análise prévia durante a elaboração dos documentos da operação. Além de condições suspensivas que incluam aprovação prévia do Cade, cláusulas relativas à condução dos negócios durante o período de análise do Cade devem ser objeto de cuidadosa redação. Devem assegurar que a empresa alvo conduzirá seus negócios normalmente entre as datas de assinatura e de consumação, e também garantir que as condições de concorrência entre as partes permanecerão inalteradas até decisão final do Cade.

Atos que constituem gun jumping. A decisão do Cade não descreve os atos praticados pelas partes que teriam configurado gun jumping. De acordo com o voto da Conselheira-Relatora, “a lista de atos [relacionados à consumação da operação e realizados após a sua implementação] realizados pelas empresas […] dizem respeito apenas a atos meramente operacionais, facilmente enquadráveis como atos de administração ordinária”. Por se tratar de atos de administração ordinária, a Conselheira-Relatora entendeu desnecessário declarar a nulidade dos atos praticados e determinou o recolhimento de contribuição pecuniária de R$ 3 milhões.

A ProCade, contudo, considerou que a OGX haveria participado de “reuniões relacionadas ao objeto da concessão [de exploração de óleo e gás]" e que a "OGX [...] passou a desenvolver postura efetivamente ativa no processo de tomada de decisões relacionadas ao objeto da concessão, passando a agir, de forma antecipada, como verdadeira titular dos novos ativos". De acordo com o parecer da Procuradoria-Geral, teria havido compartilhamento de informações comercialmente sensíveis entre as partes.

Diante da ausência de orientação expressa do Cade sobre os comportamentos que podem caracterizar a consumação prematura de uma operação, necessário garantir que as atividades gerenciais e comerciais (incluindo marketing) e as estruturas físicas das partes continuem separadas e independentes até decisão final do Cade. Eventuais trocas de informações devem ocorrer apenas se estritamente necessárias para a negociação da operação, due diligence ou planejamento da implementação da operação. Para tanto, deve haver um acordo de confidencialidade entre as empresas que limite a utilização de eventuais informações por pessoas autorizadas e para os fins específicos listados acima.

Gravidade da infração independe da potencialidade de efeitos anticompetitivos da operação. A decisão do Cade destacou que "a infração de gun jumping é sempre de uma gravidade elevada, mesmo nos casos em que as operações consumadas precocemente não levantem preocupações concorrenciais, uma vez que tal prática representa desafio frontal ao próprio regime de controle prévio de estruturas estabelecido pela Lei nº 12.529/11". Nos casos em que houver efeitos potenciais ou reais decorrentes da conduta, poderá ser instaurado processo administrativo para apurar a prática, com imposição de pena de multa de até 20% do faturamento bruto das partes envolvidas no ano anterior à instauração do processo, no setor de atividades afetado pela conduta.
 

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Autores L&S

Ana Paula Martinez

Ana Paula Martinez

Sócia

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