Boletim Tributário - Dezembro 2017
I. Alterações legislativas e normativas
I.1 Municípios editam normas questionáveis sobre ISS
Diversos municípios do País editaram nos últimos dois meses leis adaptando suas regras do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). As alterações têm o intuito de cobrar o imposto sobre novas atividades, como streaming de áudio e vídeo, e também de alterar o local de cobrança sobre prestação de serviços de planos de saúde, administradoras de cartões, administradoras de fundos, entre outros. Foi o caso do Rio de Janeiro, com a Lei Municipal nº 6.263, de 11 de outubro de 2017, e de São Paulo, com a Lei nº 16.757, de 14 de novembro de 2017. As mudanças têm respaldo na Lei Complementar (LC) nº 157, de 29 de dezembro de 2016, que alterou a LC nº 116, de 31 de julho de 2003 (“Lei do ISS”), incluindo as novas atividades e alterando o local de cobrança do imposto para onde o serviço é tomado, e não mais na sede do prestador, como era até então.
Muitas dessas alterações são questionáveis. Entidades de classes, como Consif, CNSeg e CNS1, têm reagido e recorrido ao Poder Judiciário2. Alegam que há ofensa a princípios constitucionais, como praticidade tributária, livre iniciativa e proporcionalidade, e que a lei resultará na concentração de oferta de serviços em municípios maiores. Com isso, dizem, haverá redução de arrecadação em municípios menores, na contramão dos objetivos anunciados pela “reforma do ISS”, como foi chamada a nova lei.
Sem prejuízo das ações judiciais de entidades de classe, contribuintes afetados podem também discutir as alterações em relação a seu caso concreto, o que devem fazer sem demora, pois mudanças realizadas até o fim de 2017 valerão já em 2018.
Mais informações sobre o tema estão disponíveis em nossos boletins “Incidência de ISS sobre streaming pode ser questionada” e “Boletim Tributário - Fevereiro 2017” (item “I.2 Lei modifica a legislação do ISS e inclui incidência sobre streaming”).
I.2 Congresso derruba vetos sobre subvenção para investimento
O Congresso Nacional derrubou em 22 de novembro os vetos do presidente da República Michel Temer aos artigos 9º e 10º da Lei Complementar (LC) nº 160, de 7 de agosto de 2017. Com isso, conforme texto original, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao ICMS concedidos por Estados e Distrito Federal serão considerados subvenções para investimento.
A derrubada traz segurança às empresas beneficiadas por incentivos de ICMS, pois afasta a tributação de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre o valor do benefício. Fica impedida interpretação da Receita Federal (RFB) de que subsídios fiscais de ICMS são para custeio ou operação, e não para investimentos, portanto tributáveis.
Ainda segundo os dispositivos reestabelecidos pelo Congresso, a regra se aplica inclusive àqueles benefícios instituídos sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) até a data da derrubada dos vetos.
I.3 Receita e Câmara interpretam MP nº 806
As alterações na tributação de fundos de investimento trazidas pela Medida Provisória (MP) nº 806, de 30 de outubro de 2017, deixaram diversas dúvidas3. Com o intuito de tentar esclarecer algumas, a RFB divulgou, em 3 de novembro, Nota Executiva que tratou dos Fundos de Investimento em Participações (FIP). A nota trouxe também uma tabela que indicou a tributação aplicável a outros fundos. Há, por exemplo, indicação de que seriam aplicáveis alíquotas regressivas de 22,5% a 15% para tributação dos rendimentos acumulados (“estoque”) e do “come-cotas” dos fundos constituídos sob a forma de condomínio fechado.
Outro ponto foi a manutenção das isenções para fundos constituídos exclusivamente por investidores não residentes no País ou domiciliados no exterior e a sujeição destes à alíquota de IR de 15%. Tal interpretação, no entanto, diverge da apresentada pela Consultoria de Orçamento e Finanças da Câmara dos Deputados em sua Nota Técnica nº 51, de 6 de novembro. Neste documento, há menção a alíquota de 10% sobre os rendimentos desses fundos.
Como se nota, dúvidas permanecem. Espera-se que sejam sanadas no momento da conversão da MP em lei. Para que produza efeitos a partir de 2018, o texto deve ser aprovado até o final deste ano. Pouco provável, já que, faltando alguns dias para o encerramento da sessão legislativa de 2017, a MP ainda pende de análise pela Comissão Mista do Congresso.
II. Decisões administrativas
II.1 Contratação de mão de obra terceirizada gera créditos de PIS e Cofins
Por meio da Solução de Divergência (SD) nº 29, publicada em 16 de novembro de 2017, a Coordenação-Geral de Tributação da Receita (Cosit) entendeu que a contratação de empresa de trabalho temporário para a disponibilização de mão de obra nas atividades-fim da contratante corresponde a um serviço como qualquer outro prestado por pessoa jurídica. Assim, pode ser considerado insumo para apropriação de créditos de PIS e Cofins, conforme inciso II do art. 3º das Leis nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003.
A interpretação da Cosit gerou discussões sobre possível incentivo à terceirização. Contudo, é preciso cautela na aplicação do precedente, pois tratou apenas de casos relativos à contratação de mão de obra temporária por meio de empresa de trabalho temporário, única hipótese admitida para terceirização de atividade-fim antes da recente reforma da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Portanto, a SD Cosit nº 29/17 não se aplica a toda contratação de mão de obra terceirizada para atuação nas atividades principais da empresa.
III. Decisões do Poder Judiciário
III.1 Incide PIS e Cofins sobre juros de financiamentos com recursos do lojista
Em julgamento do início de novembro, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que as alíquotas zero de PIS e Cofins estabelecidas pelo art. 1º do Decreto nº 5.442, de 9 de maio de 2005, não se aplicam às receitas de juros relativos a vendas financiadas com recursos do próprio lojista.
No caso, o contribuinte defendia que vendas financiadas não se confundem com vendas a prazo. Nestas, haveria apenas uma operação de compra e venda com juros embutidos no preço da mercadoria, já nas financiadas haveria duas operações – a primeira de compra e venda e a segunda de financiamento, com juros destacados em nota fiscal – e, por isso, os juros seriam receita financeira, sujeita à alíquota zero do PIS/Cofins conforme o decreto.
A 1ª Turma discordou e decidiu que a única diferença é a nomenclatura, pois, nos dois casos, o valor adicional de juros integraria o conceito de faturamento e, conforme jurisprudência pacífica do STJ4, vendas a prazo são alcançadas pela tributação.
Apesar de ser a primeira decisão sobre o tema específico no Tribunal, ela acompanha a jurisprudência desfavorável ao contribuinte firmada pelo STJ para vendas a prazo. Portanto, há pouca probabilidade de reversão do entendimento no Tribunal.
III.2 Exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins orienta novas decisões
Em linha com o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para excluir o ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins5, a 1ª Seção do STJ resolveu divergência de suas duas turmas e decidiu que os créditos presumidos de ICMS, assim como o próprio ICMS, não se incorporam ao patrimônio do contribuinte, portanto não podem ser caracterizados como lucro para incidência de IRPJ e CSLL.
O mesmo entendimento foi usado pela 1ª Turma do STJ para sustentar, em 21 de novembro, a exclusão do ICMS da base da Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB)6, e também pela Ministra Regina Helena Costa, que, no dia seguinte, registrou voto divergente contrário ao relator, em outro julgamento da mesma 1ª Turma7 pela exclusão de crédito presumido de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. Em seguida, julgamento foi interrompido por pedido de vista.
1 Confederação Nacional do Sistema Financeiro (Consif); Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNSeg); Confederação Nacional de Saúde, Hospitais e Estabelecimentos e Serviços (CNS).
2 Em novembro, Consif e CNSeg propuseram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5.835 e CNS propôs a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 499.
3 Mais informações em nosso boletim “Tributação de fundos de investimentos: uma análise da MP nº 806”.
4 Nesse sentido: REsp nº 1.120.199.
5 RE nº 574.706/PR, julgado em 15 de março de 2017.
6 REsp nº 1.694.357.
7 REsp nº 1.210.941.