Boletim Tributário - Agosto 2018
I. Alterações legislativas e normativas
I.1 Governo tenta novamente alterar a tributação de fundos de investimento
Em 31 de julho de 2018, o Governo Federal apresentou ao Congresso projeto de lei (PL) que pretende alterar a incidência do imposto de renda sobre rendimentos de aplicações em alguns fundos de investimento, especialmente os constituídos sob a forma de condomínio fechado, com efeito a partir de 1º de janeiro de 2019. Mudanças similares já estavam na Medida Provisória (MP) nº 806, de 30 de outubro de 2017, que perdeu eficácia por não ter sido apreciada a tempo pelo Congresso.
Na mesma linha da MP nº 806/17, o PL propõe que fundos fechados sofram incidência semestral do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) na sistemática do “come-cotas”, inclusive sobre o “estoque” de rendimentos acumulados em período anterior àquele indicado para a vigência da lei, exceto em casos ressalvados. O PL soluciona algumas dúvidas que decorriam da MP, mas mantém proposições de legalidade e constitucionalidade questionáveis, como o próprio come-cotas e a incidência do IRRF sobre o estoque de rendimentos acumulados no passado.
Análise completa do PL está disponível em boletim específico, aqui.
I.2 Receita Federal edita novas regras para o IOF-Crédito
A Receita Federal (RFB) editou a Instrução Normativa (IN) nº 1.814, de 18 de julho de 2018, que alterou regras da IN nº 907, de 9 de janeiro de 2009, relativas ao Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários, na modalidade crédito (IOF-Crédito).
Segundo nota da Receita, o objetivo é evitar litígios causados por interpretações equivocadas das regras de cálculo do IOF nas renegociações de operações de crédito (prorrogação, renovação, novação, composição, consolidação, confissão de dívida e negócios assemelhados).
A IN alterou o art. 3º e incluiu os arts. 3º-A e 3º-B na IN nº 907/09, aproximando a redação ao que já estabelece o art. 7º do Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, e suas alterações (Regulamento do IOF - RIOF).
Na linha do RIOF, a IN passa a expressamente prever a incidência complementar de IOF nas operações de crédito não liquidadas integralmente no vencimento, bem como nas renegociações de operações de crédito sem substituição de devedor.
No caso de operação não liquidada no vencimento, a exigência desse IOF fica suspensa entre a data do vencimento original e a da liquidação ou renegociação. O IOF complementar referente ao período em que ficou suspensa a exigência é cobrado na data da liquidação ou renegociação, sobre o valor não liquidado da operação quando do vencimento original, à mesma alíquota vigente na data da operação inicial, até atingir a limitação de 1,5%, nas operações com prazo inferior a 365 dias.
Nas operações com prazo igual ou superior a 365 dias, a IN esclarece que tal IOF complementar somente incidirá sobre as parcelas não liquidadas no vencimento, bem como sobre o saldo não liquidado nos casos de renegociação sem substituição de devedor, se a operação ainda não tiver sido integralmente tributada pelo prazo de 365 dias (alíquota máxima de 1,5%). Em regra, a tributação já terá alcançado essa alíquota máxima se o prazo da operação for igual ou superior a 365 dias.
Embora a IN seja omissa, nesses casos de cobrança de IOF complementar (i) não incide novamente o adicional de 0,38%, por se considerar que não há nova operação de crédito, desde que não haja disponibilização de novos valores ao devedor, e (ii) o RIOF estabelece regras específicas de tributação em casos de renegociação e de inadimplência do devedor quando a base de cálculo da operação original for o somatório mensal dos saldos devedores diários.
A IN esclarece ainda que, em qualquer caso, se houver renegociação com substituição do devedor ou disponibilização de novos valores ao devedor, será considerada a existência de nova operação de crédito. Isso significa que o valor renegociado ou os novos valores disponibilizados estarão sujeitos à alíquota que estiver em vigor na data da renegociação ou da disponibilização dos novos valores ao devedor. Embora a IN seja omissa, nesses casos aplica-se, novamente, o adicional de 0,38%.
Em caso de conflitos entre a IN e o RIOF, assim como em relação a regras existentes no RIOF e omitidas na IN, devem prevalecer as disposições do RIOF por se tratar de norma de hierarquia superior.
II. Decisões administrativas
II.1 PIS/Cofins-Importação e serviços no exterior com resultado econômico no Brasil
Publicada em 18 de julho de 2018, a Solução de Consulta nº 76 da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) definiu que pagamentos de comissões por exportadores brasileiros a agente ou representante comercial residente ou domiciliado no exterior pela prestação de serviços de captação e intermediação de negócios lá efetuados não estão sujeitos à incidência da Contribuição para o Financiamento Social (Cofins) ou da Contribuição para o Programa de Integração Social (PIS).
De acordo com o artigo 1º, §1º, II, da Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004, incide PIS/Cofins-Importação sobre os serviços prestados no exterior por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior cujo resultado se verifique no Brasil.
No caso específico, o contribuinte exportava produtos e contava com os serviços de agentes e representantes comerciais responsáveis no exterior para captar novos clientes, também no exterior.
Embora fosse claro que o serviço de agência ou representação era prestado no exterior, o que motivou a consulta foi a dúvida sobre onde se verificavam seus resultados, já que seu resultado fático mediato (a venda) ocorre no exterior, mas o resultado econômico dessa venda (receita e lucro da exportação) se verifica no Brasil.
A Receita/Cosit esclareceu que, para ocorrer a incidência de PIS/Cofins-Importação, “não é suficiente que o serviço produza apenas um resultado econômico no território nacional, pois, se assim fosse, todo serviço contratado por pessoa jurídica nacional junto a prestadores estrangeiros teria seu resultado verificado no país (...)”. Deve-se considerar somente o resultado fático da prestação de serviço.
A decisão chama a atenção pelo fato de a fundamentação utilizada – necessidade de se considerar o local do resultado fático do serviço – ser a mesma utilizada por Fiscos municipais para cobrar Imposto sobre Serviços (ISS) em exportações de serviços (situação inversa). A diferença é que aqui esta interpretação favorece o contribuinte, ao contrário do que ocorre no caso do ISS.
II.2 Carf reconhece venda de empresa por meio de FIP
A 1ª Tuma da 2ª Câmara da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) reconheceu que a venda de uma empresa pode ocorrer por meio de Fundo de Investimentos em Participações (FIP). Em decisões proferidas em casos anteriores, a Receita adotou posicionamento restritivo sobre o uso de FIPs, por entender o ato como planejamento tributário abusivo.
De acordo com notícias da imprensa, a decisão se deu após análise da venda do controle acionário do Hospital São Luiz para a Rede D'Or, em 2010, que envolveu cerca de R$ 1 bilhão.
As ações do hospital pertenciam a uma holding cujas quotas foram transferidas pelos sócios a um FIP. Posteriormente, realizou-se uma redução de capital na holding para transferir ao FIP a participação direta no hospital e, então, o FIP vendeu o hospital para a Rede D’Or.
A Receita autuou a holding para cobrar o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL), a uma alíquota total combinada de cerca de 34%, aplicando ainda multa de 150% sobre o valor total desses tributos por considerar ter havido intuito de fraude.
A Turma do Carf afastou a autuação pela existência de um contexto negocial. O acórdão, entretanto, ainda não formalizado.
É possível que outros detalhes do caso sejam conhecidos quando publicada a decisão e poderão ser relevantes para a avaliação do tema, tais como o valor pelo qual foi feita a transferência da holding para o FIP e o tempo decorrido entre essa transferência e a venda do hospital.
O acórdão ainda deve ser objeto de recurso à Câmara Superior de Recursos Fiscais, mas já se mostra um importante precedente aos contribuintes, sobretudo para operações realizadas antes da vigência da Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014.
A venda em questão foi realizada antes da edição da Lei nº 13.043/14, que veio a exigir que a integralização de cotas de fundos por meio da entrega de ativos financeiros seja feita a valor de mercado com apuração de ganho de capital, ficando o administrador do fundo responsável pela cobrança e recolhimento do imposto de renda devido sobre o ganho de capital.
Antes havia exigência similar somente no Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 7, de 24 de maio de 2007, direcionado a pessoas físicas que integralizassem cotas de fundos de investimentos por meio da entrega de títulos ou valores mobiliários.
A Lei nº 13.043/14 reduziu o atrativo desse tipo de estrutura, não apenas por alcançar pessoas físicas e jurídicas que integralizem cotas de fundos com ativos financeiros, mas também porque a responsabilidade tributária passou a recair sobre o administrador do fundo. Ainda que possa haver controvérsia sobre se ações ou quotas de empresas constituem ou não “ativos financeiros”, os administradores dos fundos geralmente preferem não se arriscar nessa discussão.
II.3 Inexatidão ou omissão no Siscoserv pode gerar multa de 3% do total negociado
A Instrução Normativa RFB nº 1.803, publicada em 6 de abril, determinou que a base de cálculo para a multa de 3% devida pela inclusão de informações inexatas, incompletas ou omitidas no Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv) deve ser equivalente ao valor da operação à qual estejam vinculadas as informações equivocadas, ou ao somatório do valor das operações a que se referem tais informações.
Em resposta a consulta de contribuinte, a Cosit manifestou entendimento1 de que a multa se aplica sobre o valor de cada operação cujas informações não estejam corretas. Se a informação estiver vinculada a mais de uma operação, ainda que tenha sido fornecida uma única vez, aplica-se a multa sobre o valor do conjunto de operações a que se refira.
Assim, por exemplo, se um contrato de prestação de serviços incluído no Registro de Venda de Serviços (RVS) envolver mais de uma operação – como por exemplo um serviço e uma operação referente a direitos de propriedade industrial, ou mais de um tipo de serviço – e as informações viciadas referirem-se à classificação somente do serviço ou de um dos serviços, a multa será aplicada apenas sobre o valor dessa operação específica, e não sobre o das outras operações. Já se a informação viciada referir-se aos dados do tomador (i.e. comuns a todas as operações deste contrato), a multa será aplicada sobre o somatório do valor das operações que compõem o RVS. E ainda, se a informação viciada referir-se a informações comerciais do prestador (i.e. comuns a diversas operações e contratos), a multa será aplicada sobre o somatório do valor de todas as operações de todos os RVS em que esse dado tenha sido utilizado, ainda que tenha sido fornecido só uma vez na ficha de informações cadastrais do sistema.
A obrigação de registrar no Siscoserv transações entre residentes ou domiciliados no Brasil e no exterior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimônio das pessoas físicas, jurídicas ou entes despersonalizados foi instituída pela Portaria Conjunta nº 1.908, de 19 de julho de 2012, da Receita Federal e do Secretário de Comércio e Serviços (SCS), e regulamentada pela IN RFB nº 1.277, de 28 de junho de 2012. A multa prevista, de 3% do valor da transação, tem base legal no art. 57, III, “a”, da Medida Provisória (MP) nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, incluído pela Lei nº 12.873, de 24 de outubro de 2013.
A interpretação dessas normas deixava dúvida quanto à base de cálculo para a aplicação da multa. Mas tanto a IN recém editada quanto a interpretação da Cosit estão em linha com a regra do art. 57.
Ainda cabe discussão quanto a possível desproporcionalidade e irrazoabilidade da multa, face à sua finalidade, por ser calculada sobre o valor da operação ou de mais de uma operação, podendo atingir valores altíssimos. Diversas ações discutem a desproporcionalidade e/ou o caráter confiscatório de multas impostas por descumprimento de obrigações acessórias, em casos variados, mas ainda não há entendimento jurisprudencial definido. O debate poderá ser definido no julgamento, no Supremo Tribunal Federal (STF), dos Recursos Extraordinários 640.452/RO e 606.010/PR, sob o regime da repercussão geral. Apesar de não tratarem da multa referente ao Siscoserv, a decisão poderá ser aplicada a outras multas impostas de forma irrazoável ou desproporcional.
Até lá, recomenda-se cuidado no preenchimento do Siscoserv.
III. Decisões do Poder Judiciário
III.1 TRF-3 autoriza reabrir processo via ação rescisória após trânsito em julgado de desistência
A 2ª Seção do TRF-3, por maioria de votos, rescindiu decisão homologatória de renúncia ao direito em mandado de segurança (MS) no qual o contribuinte buscava reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 3º, §1º, da Lei 9.718, de 27 de novembro de 1998. O contribuinte renunciou ao MS e reconheceu como devido o tributo para poder se aproveitar do parcelamento e benefícios concedidos pela MP nº 66, de 29 de agosto de 2002.
Ocorre que, após a renúncia e extinção do MS, o STF, em outro processo, declarou a inconstitucionalidade daquele mesmo dispositivo legal, com efeitos retroativos. Isso significa que a norma se tornou juridicamente inexistente e que aquele contribuinte que desistiu do MS agora pagava parcelamento de tributo fundado em norma inconstitucional e inexistente. Em razão disso, o contribuinte entrou com ação rescisória – cujo prazo é de dois anos do trânsito em julgado da decisão que se pretende rescindir – pedindo a rescisão da decisão que extinguiu o MS.
A decisão do TRF-3 é acertada, pois obrigação tributária decorre exclusivamente de lei. Portanto, ainda que o contribuinte tenha renunciado à discussão e declarado que deve o tributo, isso não o torna válido ou devido se seu fundamento de validade caiu por terra.
Cabe, agora, à Turma originária o julgamento do mérito do MS.
1. Solução de Consulta Cosit nº 67, de 14 de junho de 2018, publicada em 10 de julho.