A Lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, excluiu dos atos de concentração sujeitos à análise do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) os contratos associativos, consórcios e joint ventures quando destinados às licitações promovidas pela administração pública direta e indireta e aos contratos delas decorrentes (parágrafo único do artigo 90).
O dispositivo reflete a preocupação de evitar atuações redundantes ou contraditórias dentro da administração pública. Isso poderia ocorrer no contexto das licitações se as regras pertinentes à forma de participação dos agentes econômicos e posterior adjudicação do objeto licitado estivessem sujeitas a revisão ou limitação pelo Cade, ainda que pela via indireta da análise dos atos de concentração.
Em uma licitação, o poder público organiza procedimento de competição entre os agentes econômicos para selecionar aquele que terá melhores condições de oferecer certos bens e serviços – para a própria administração pública ou diretamente para a coletividade, na hipótese de outorga de concessões e permissões. Para a licitação alcançar sua finalidade – seleção com isonomia da proposta mais vantajosa (artigo 3º, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993) – é necessário que o processo estabeleça condições para que haja efetiva concorrência entre os interessados. O procedimento licitatório pode, portanto, ser visto como sucedâneo das interações que idealmente ocorreriam num regime de mercado, pois deve estabelecer regras que garantam a existência de ambiente de concorrência entre os participantes.
Ao fixar as regras que nortearão a realização da licitação e constarão do respectivo edital, o agente público deve considerar a possibilidade de admitir, ou não, a reunião dos potenciais participantes para oferta de proposta conjunta. As características específicas do objeto a ser licitado podem tornar necessária a formação de consórcios entre os agentes econômicos, o que em tese impactará o grau de concorrência potencial no certame, mas ao mesmo tempo viabilizará a execução eficiente de objeto complexo, dispendioso e arriscado.
O que se faz na definição dessas regras é análise análoga àquela feita pelo Cade em relação aos atos de concentração, nos quais se comparam custos associados a estruturas que restringem a concorrência com eventuais benefícios que podem ser derivados delas. No caso das licitações esses benefícios não estão adstritos àqueles relacionados à análise concorrencial do Cade, mas podem envolver outros objetivos de políticas públicas – como o estímulo à indústria nacional (v. artigo 3º, §§ 5º a 13 da Lei nº 8.666/93) ou o atendimento a metas de universalização de um serviço público.
O Cade tem adotado interpretação bastante restritiva da limitação à sua competência no âmbito das licitações. Em precedentes recentes afirmou que o dispositivo legal não abrangeria eventuais contratos envolvendo a posterior cessão direta ou indireta do objeto da licitação, como a alteração dos participantes do consórcio ou a alienação de participação societária da sociedade formada pelo consórcio.
No Ato de Concentração nº 08700.005308/2013-99, que envolvia a transferência de controle de concessionária de serviço público, a Superintendência-Geral do Cade expressamente afirmou que a operação deveria ser conhecida pelo órgão porque o parágrafo único do artigo 90 diria respeito apenas a licitações e não a mudanças posteriores de acionistas. Em decisão do último dia 28 de agosto, no Ato de Concentração nº 08700.005775/2013-19, o Tribunal do Cade afirmou sua competência para analisar a venda de participações em contratos de concessão para exploração, desenvolvimento e produção de óleo e gás, os quais também são outorgados mediante licitação.
A interpretação da norma não é óbvia, pois o controle feito no momento da licitação, que justifica afastar esses atos da competência do Cade, continua a ser exercido pela administração pública durante a execução do contrato administrativo. Eventuais alterações na estrutura da organização empresarial constituída para executar o objeto licitado estão sujeitas ao controle do órgão que realizou a licitação e só serão permitidas se compatíveis com as regras que nortearam o respectivo processo.
A análise feita quando da licitação se repete, portanto, na fase de execução do contrato diante de eventos societários relevantes ou atinentes à estrutura da empresa – i.e., as situações que tipicamente caracterizam atos de concentração. No caso das concessões e permissões as leis que disciplinam a matéria nos mais variados setores invariavelmente exigem anuência prévia a esses atos por parte do poder concedente. Para as demais licitações prevalece o mesmo entendimento, sendo consideradas como causa de rescisão as alterações societárias ou na estrutura da empresa não admitidas no edital e no contrato e sem anuência prévia do órgão contratante.
As decisões do Cade citadas analisaram o tema de forma pontual e não enfrentaram essas possíveis objeções à interpretação restritiva do parágrafo único do artigo 90, da Lei nº 12.529/11. A efetiva extensão desse dispositivo legal provavelmente voltará a ser objeto de discussão no órgão.