Alterações nos limites de dedutibilidade de juros e nas regras de preços de rransferência
Em dezembro de 2009 foram publicadas três Medidas Provisórias (MP) que introduziram diversas e importantes alterações na legislação tributária brasileira. São elas: a MP nº 472, de 15 de dezembro; a MP nº 476 de 23 de dezembro; e a MP nº 478, de 29 de dezembro.
Dentre as alterações com maior relevância, destaca-se a imposição de limites à dedutibilidade de juros pagos por pessoas jurídicas residentes ou domiciliadas no Brasil a pessoas vinculadas, ou pagos a pessoas localizadas nos chamados paraísos fiscais, em função da representatividade (proporção) do endividamento da pessoa jurídica brasileira em relação a seu patrimônio líquido.
Como as implicações tributárias decorrentes do financiamento com capital e dívida são diferentes - juros são normalmente despesas dedutíveis, ao passo que lucros distribuídos como dividendos são indedutíveis -, as regras que estabelecem limites ao endividamento são largamente utilizadas em outros países para impedir a dedutibilidade dos juros pagos a pessoas relacionadas, quando a proporção entre a dívida e o patrimônio líquido excede determinados patamares.
Com o advento da MP nº 472/09, serão indedutíveis as despesas com juros sobre o valor do endividamento que ultrapassem os limites previstos, sem prejuízo da tributação desses rendimentos pelo imposto de renda na fonte de 15% ou 25%.
Tais normas serão certamente submetidas a questionamentos, sobretudo por instituições financeiras, cujos níveis de endividamento já são detalhadamente regulados e admitidos como necessários e usuais pelo Banco Central do Brasil (Bacen). Para dirimir dúvidas, é esperado que o governo edite atos que afastem a aplicação dessas regras a tais sociedades.
Outra relevante alteração foi introduzida nos métodos utilizados para calcular os preços de transferência em operações de importação, particularmente no que respeita à determinação do preço de importação admitido para fins de dedutibilidade fiscal nessas situações (preço parâmetro).
Dentre as diversas mudanças, destacam-se aquelas promovidas no chamado Método de Preço de Revenda Menos Lucro (PRL), substituído pelo Método do Preço de Venda menos Lucro (PVL) em face das reiteradas decisões judiciais e administrativas declarando a ilegalidade da Instrução Normativa SRF nº 243/02, que disciplinava a aplicação do PRL nas importações destinadas à produção local (conhecido como “PLR 60%”). Para evitar novos questionamentos, as fórmulas de cálculo até então contempladas em mera instrução normativa foram integralmente mantidas pelo novo ordenamento jurídico, exceto no que respeita à margem de lucro fixada para essas operações, que passou a ser de 35%.
No caso de importação para produção local, muitos contribuintes terão sua situação agravada em relação àquela prevista na Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996 (alterada pela Lei nº 9.959, de 27 de janeiro de 2000). As novas regras estabelecem que o preço base do qual se diminuirá a margem é apenas a parte do preço da mercadoria final proporcional à parte importada, além de reduzirem a margem estimada de 60% para 35%. Como resultado, sempre que a representatividade dos itens importados for pequena em relação ao custo total de produção, a nova forma de cálculo resulta em preço parâmetro inferior àquele preconizado pela lei anterior. Por outro lado, quanto maior for a representatividade dos itens importados em relação ao custo total de produção, menor será o ônus suportado pelo contribuinte em relação ao sistema anterior, já que a margem de lucro foi reduzida de 60% para 35%.
Seja qual for a situação, a nova regra trará sempre alguma melhora para as empresas que aplicavam o PRL 60% segundo a IN nº 243/02, em vista da diminuição da margem de lucro acima comentada.
Nas operações de revenda, essa alteração provocará aumento da carga tributária em qualquer caso, pois a margem de lucro anteriormente estabelecida para tais operações era de 20% e foi majorada para 35%.
Em resumo, a nova legislação de preços de transferência deve ser cuidadosamente examinada à luz das peculiaridades de cada empresa, podendo ser vantajosa em algumas situações se comparada com as normas que até então disciplinavam a matéria.
É esperado que o Ministro da Fazenda regulamente os novos dispositivos em um futuro próximo, especialmente no que respeita à fixação de margens compatíveis com a realidade de cada setor da economia, o que foi expressamente admitido. Até então, é certo que este conjunto de normas deverá gerar dúvidas e questionamentos, como, por exemplo, em razão da não observância do princípio constitucional da anterioridade da lei tributária pelo Poder Executivo.
Resumimos no quadro abaixo as principais mudanças trazidas pelas novas MPs em relação aos temas acima discutidos:
|
Antes das MPs |
Depois das MPs |
Comentários |
Dedutibilidade de juros pagos a pessoa vinculada fora de paraíso fiscal |
- Regras de preços de transferência: (i) Libor de 6 meses + 3% de spread ao ano; ou (ii) taxa admitida pelo Bacen. - Condições gerais de dedutibilidade: necessidade, usualidade e normalidade. |
- Dedutibilidade também limitada ao nível de endividamento da sociedade brasileira em função da participação do credor vinculado no seu PL. - Deverá ser observada a proporção máxima de 2 vezes de dívida para 1 vez de participação no PL. |
Enquanto não houver regulamentação, estas regras poderão gerar diversas dúvidas, sobretudo quanto à sua aplicação às instituições financeiras, que, a nosso ver, deveriam ser excluídas do seu escopo. |
Dedutibilidade de juros pagos a pessoa em paraíso fiscal |
- Regras de preços de transferência: (i) Libor de 6 meses + 3% de spread ao ano; (ii) taxa admitida pelo Bacen. - Condições gerais de dedutibilidade: necessidade, usualidade e normalidade. |
- Dedutibilidade também limitada ao nível de endividamento da sociedade brasileira com entidades em paraísos fiscais. - Nível de endividamento com pessoa em paraíso fiscal terá dedutibilidade limitada a 30% do PL. |
|
Dedutibilidade de quaisquer pagamentos feitos direta ou indiretamente a pessoa em paraíso fiscal |
- Para juros e importações de bens, direitos e serviços: regras de preços de transferência. - Condições gerais de dedutibilidade: necessidade, usualidade e normalidade. |
- Dedutibilidade também condicionada à identificação do beneficiário efetivo dos pagamentos, comprovação de capacidade operacional da outra parte no exterior, comprovação documental do pagamento do preço e do recebimento dos bens, direitos ou serviços. |
A ausência de regulamentação pode gerar dúvida e insegurança, já que os termos utilizados pela MP são de grande subjetividade (e.g., pagamentos feitos “direta ou indiretamente”; constituição com “único ou principal objetivo de economia tributária”; etc.). |
Método de preço de transferência na importação – PRL substituído pelo PVL |
- Método PRL: preço parâmetro de importação calculado com base nos preços de revenda diminuídos de alguns itens e das margens de lucro de 20% (revenda) ou 60% (produção). - Cálculo fixado pela IN 243 para o PRL 60% diminuía muito o preço parâmetro e foi bastante contestado. |
- Método PVL: preço parâmetro calculado com base nos preços de venda diminuídos de alguns itens e da margem de lucro de 35% (tanto para revenda como para produção). - Cálculo igual ao da IN 243, mas com margem de lucro alterada para 35% (aumentada na revenda e diminuída na produção). |
Questionamentos sobre o cálculo da IN 243 Governo “legalizou” o cálculo da IN 243, mudando apenas a margem de lucro para 35% (revenda e produção), dificultando a impugnação do cálculo, que agora é fixado por norma com força de lei. |