A MP 517 e o mercado privado de financiamento de longo prazo
Publicada no último dia de 2010, a MP 517 tem intuito de fomentar a criação de um mercado privado de financiamento de longo prazo. Objetivo elogiável, considerando-se o volume de recursos estimado como necessário para a sustentação do crescimento do país e o fato de atualmente o governo e os bancos públicos serem praticamente a única fonte de financiamento de longo prazo. A seguir, analisaremos brevemente as medidas neste sentido trazidas pela MP.
Medidas Fiscais
Em meio às várias medidas introduzidas pela MP 517, destacamos as seguintes:
(i) Isenção do Imposto de Renda na Fonte (IRFonte) sobre os rendimentos apurados por não residentes sobre títulos privados de longo prazo:
Passam a gozar de isenção os rendimentos de títulos e valores mobiliários (Títulos) de longo prazo (com prazo médio ponderado superior a quatro anos), que sejam objeto de distribuição pública e tenham sido emitidos por empresas não financeiras, quando auferidos por beneficiário residente ou domiciliado no exterior não localizado em país que não tributa a renda ou que a tributa à alíquota máxima inferior a 20% (Paraíso Fiscal).
Dentre outros requisitos para o aproveitamento deste benefício, tais Títulos deverão: (a) ser remunerados por taxa de juros prefixada, vinculada a índice de preço ou à taxa referencial (TR); (b) apresentar prazo de pagamento periódico de rendimentos, se existente, com intervalos de, no mínimo, 180 dias; e (c) estar sujeitos a procedimento simplificado que demonstre o objetivo de alocar os recursos captados em projetos de investimento.Este procedimento simplificado, assim como a fórmula de cálculo do prazo médio ponderado dos Títulos (que deverá ser superior a quatro anos), foram regulamentados pela Resolução nº 3.947 do Conselho Monetário Nacional (CMN), de 27 de janeiro de 2011. Vale notar, contudo, que a norma não esclarece quais seriam os “projetos de investimento” admitidos para os fins do benefício tributário, permitindo, a nosso ver, que sejam interpretados de maneira bastante abrangente.
O benefício aplica-se aos Títulos adquiridos a partir de 1º de janeiro de 2011. Em relação aos investimentos anteriores, será facultado ao investidor estrangeiro antecipar, até 30 de junho de 2011, o pagamento do IRFonte até então devido para que os rendimentos posteriormente auferidos passem a gozar da referida isenção.
(ii) Redução do Imposto de Renda de Pessoas Físicas e Pessoas Jurídicas sobre rendimentos de debêntures de longo prazo para infra-estrutura:
A MP 517 reduziu para 0% e 15% o IR devido, respectivamente, por pessoas físicas e pessoas jurídicas sobre rendimentos de debêntures de longo prazo (com prazo médio ponderado superior a quatro anos) que atendam a determinados requisitos (equivalentes àqueles aplicáveis ao benefício descrito no item (i) acima), contanto que as debêntures sejam emitidas por "sociedades de propósito específico" (SPEs) com o propósito de financiar projetos de infra-estrutura considerados prioritários.
Somente terão direito ao benefício as debêntures emitidas entre 31 de janeiro de 2011 (data da publicação da Resolução CMN nº 3.947/2011) e o dia 31 de dezembro de 2015.
(iii) Redução do IR de cotistas de Fundos de Investimento (FI) ou de Fundos de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento (FIC) que invistam nas debêntures mencionadas no item (ii) acima:
Os rendimentos apurados por cotistas de FIs que apliquem mais de 85% de suas carteiras nas debêntures abrangidas pelo benefício descrito no item (ii) acima (FIs Qualificados), bem como por cotistas de FICs com mais de 95% dos seus recursos alocados em cotas de FIs Qualificados, terão sua tributação pelo IR reduzida para 0% quando auferidos por pessoa física ou quando pagos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior não localizado em Paraíso Fiscal, e 15%, quando auferidos por pessoa jurídica.
Esses FIs e FICs terão o prazo de 180 dias após a sua constituição para observar os requisitos necessários à concessão do benefício, ou ainda de 90 dias para promover eventual reenquadramento, caso deixem de observar tais requisitos.
(iv) Flexibilização e redução da tributação de cotistas de fundo de investimento em infra-estrutura (FIP-IE):
Além de flexibilizar o texto legal que rege o FIP-IE1, a MP 517 beneficiou cotistas pessoas físicas ao eliminar a necessidade de esses investidores deterem as cotas do fundo por cinco anos para terem direito à isenção dos seus rendimentos, bem como isentar os ganhos decorrentes da venda de cotas.
(v) Reformulação do IR sobre os rendimentos periódicos dos títulos de renda fixa:
Para corrigir distorções encontradas na legislação do IR sobre os rendimentos periódicos dos títulos de renda fixa, a MP 517 determinou que o tributo deverá incidir, proporcionalmente em função do tempo, sobre a parcela do rendimento produzido entre a data de aquisição ou a data do pagamento periódico anterior e a data de sua percepção, podendo ser deduzida da base de cálculo a parcela dos rendimentos correspondente ao período entre a data do pagamento do rendimento periódico anterior e a data de aquisição do título. Vale notar que o texto em questão ainda depende de regulamentação pela Receita Federal do Brasil.
Outras Medidas
No que se refere às regras que regulam as debêntures de modo geral, a fim de simplificar o processo de emissão, a MP 517 altera a Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. Passa a prever no caso de companhias abertas que: (i) a possibilidade do conselho de administração deliberar sobre a emissão de debêntures não conversíveis em ações independe de previsão estatutária; (ii) basta que as debêntures sejam não conversíveis em ações para que haja tal possibilidade, não sendo mais necessário que as debêntures também sejam sem garantia real; (iii) o estatuto pode, ainda, autorizar o conselho de administração a deliberar sobre a emissão de debêntures conversíveis em ações, observadas as regras que regulam o capital autorizado.
Em complemento, a MP 517 exclui a proibição de que a companhia efetue novas emissões antes de colocadas todas as debêntures das séries de emissão anterior e negocie nova série da mesma emissão antes de colocada a série anterior. Ao admitir a realização de diversas emissões simultâneas, a norma passa a permitir a colocação concomitante de debêntures com características diferentes, dando maior liberdade para a emissora administrar esta forma de captação de recursos, de acordo com as condições de mercado.
Além disso, buscando flexibilizar a possibilidade de recompra de debêntures, a MP 517 altera a referida lei, passando a não mais haver a obrigação de observância de valor máximo igual ao valor nominal para que a companhia possa adquirir debêntures de sua emissão.
Outra alteração relevante, que tende a estimular novas emissões de debêntures, é a exclusão da regra que previa que o valor total das emissões não poderia superar o capital social da companhia emissora. Além do fato de o capital social não representar o melhor indicativo da capacidade de pagamento da emissora, a limitação em si não mais se justificava no atual estágio de desenvolvimento do mercado de capitais local, no qual é responsabilidade da emissora administrar sua situação de endividamento e fornecer informações suficientes ao mercado, cabendo ao investidor avaliar os riscos e tomar sua decisão de investimento.
Ainda, atendendo solicitação do mercado baseada no fato de haver demanda superior à oferta de serviços de agente fiduciário, a Lei nº 6.404/76 passa a admitir a contratação de um mesmo agente fiduciário para diferentes emissões de uma mesma companhia, desde que haja autorização nos termos de regulamentação da CVM. A esse respeito, a CVM deve alterar a Instrução CVM nº 28, de 23 de novembro de 1983, que regulamenta o exercício da função de agente fiduciário dos debenturistas. Porém, deve continuar a não ser aceitável qualquer situação de conflito de interesse que possa prejudicar o exercício da função do agente fiduciário.
Por fim, também atendendo solicitação do mercado, a MP 517 prevê a possibilidade de as debêntures e letras financeiras serem objeto de correção monetária em periodicidade inferior a um ano, desde que em periodicidade igual à que for estipulada para o pagamento periódico de juros.
A CVM colocou em audiência pública o texto da MP 517 com o objetivo de obter comentários e sugestões do mercado para quando a MP 517 for convertida em lei.
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1 Merecem atenção as seguintes alterações feitas pela MP 517 para incentivar a constituição de FIP-IEs: (i) a possibilidade de expansão da lista de áreas tidas como prioritárias pelo Poder Executivo Federal; (ii) redução, de 95% para 90%, do percentual da carteira do FIP-IE a ser aplicada em ações, bônus de subscrição, debêntures ou outros títulos emitidos por SPEs que desenvolvam determinados projetos de infra-estrutura; (iii) redução, de 10 para 5, do número mínimo de cotistas por FIP-IE; e (iv) aumento, de 20% para 40%, do volume máximo de cotas a serem detidas e de rendimentos a serem auferidos por cada cotista. Tais medidas tendem a facilitar o enquadramento de fundos no conceito de FIP-IE, portanto simplificando o acesso dos contribuintes aos benefícios fiscais atribuídos a este veículo.