Transferência de 'dinheiro esquecido' para o Tesouro

Termina no próximo dia 16 de outubro o prazo para que a população reclame a devolução de seus “recursos esquecidos” perante instituições financeiras. Após essa data, os valores não reclamados passarão ao domínio da União e serão apropriados pelo Tesouro Nacional. Entretanto, o alcance dessa medida é mais restrito do que se imagina.

A apropriação dos “recursos esquecidos” pelo Tesouro está prevista no art. 45 da Lei 14.973, de 16 de setembro de 2024, como uma das medidas de compensação pela renúncia de receita decorrente da prorrogação das desonerações da folha de pagamentos de setores intensivos em mão de obra – ao lado de outras medidas arrecadatórias, como a possibilidade de atualização do valor dos bens imóveis informados na declaração de ajuste anual da pessoa física com aplicação de alíquota reduzida de Imposto de Renda sobre o ganho de capital, ou a nova edição do programa de regularização de ativos no exterior.

Independente do mérito da prorrogação das desonerações, a medida compensatória não abrange e não pode abranger todos os “recursos esquecidos” informados no Sistema de Valores a Receber (SVR) do Banco Central, que em agosto de 2024 totalizavam cerca de R$ 8,5 bilhões. Confusão nesse sentido tem sido feita e convém esclarecê-la.

A transferência dos recursos é tratada pelo art. 45 da Lei 14.973/2024, que é claro ao falar em contas de depósito, cujos cadastros não foram atualizados , na forma da Resolução do Conselho Monetário Nacional 4.753, de 26 de setembro de 2019 Esta resolução estabelece os requisitos a serem observados pelas instituições financeiras na abertura, na manutenção e no encerramento de contas de depósitos. Contas de depósito podem ser à vista, a prazo ou de poupança.

O objeto de transferência ao Tesouro, portanto, limita-se a recursos existentes em contas de depósito de qualquer natureza, mantidas em instituições financeiras, que não tenham sido atualizadas conforme a Resolução CMN 4.753/2019, e que não sejam reclamados por seus titulares até 16 de outubro de 2024.

O SVR, por sua vez, é um serviço disponibilizado pelo Banco Central que permite a consulta sobre a existência de valores a devolver por parte de instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo BC, e que facilita a devolução desses valores aos titulares ou seus sucessores. Os valores a devolver tornaram-se conhecidos popularmente como “dinheiro esquecido”.

A regulamentação do SVR está na Resolução BCB 98, de 1º de junho de 2021, que em seu art. 3º relaciona as fontes dos “recursos esquecidos”. Além dos saldos disponíveis em contas de depósito em moeda nacional encerradas, são informados no SVR os valores a devolver relativos a:

i) contas de pagamento pré-pagas e pós-pagas encerradas com saldo disponível;

ii) contas de registro mantidas por sociedades corretoras e distribuidoras de títulos e valores mobiliários para registro de operações de clientes, encerradas com saldo disponível;

iii) tarifas cobradas indevidamente, não devolvidas ou sujeitas à devolução em decorrência de formalização de compromissos com entes reguladores ou fiscalizadores;

iv) parcelas ou obrigações relativas a operações de crédito cobradas indevidamente, não devolvidas ou sujeitas à devolução em decorrência de formalização de compromissos com entes reguladores ou fiscalizadores;

v) cotas de capital e rateio de sobras líquidas de beneficiários e participantes de cooperativas de crédito;

vi) recursos não procurados relativos a grupos de consórcio encerrados; e

vii) outras situações que ensejam valores a devolver reconhecidas pela instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central.

Daí se vê que o universo de “recursos esquecidos” informados no SVR é bem mais abrangente que o daqueles passíveis de transferência para a União por força da Lei 14.973/2024. E não se trata de mera questão semântica.

Tomemos por exemplo as contas de pagamento. Essas contas podem ser pré-pagas, como por exemplo contas associadas a cartões pré-pagos ou contas de moeda eletrônica oferecidas por aplicativos de transporte ou de entregas, dentre outros; ou pós-pagas, tais como contas de registro associadas a cartões de crédito. Submetem-se a regime jurídico específico, diferente do regime das contas de depósito mantidas em instituições financeiras.

Sua abertura, manutenção e encerramento rege-se por normativo próprio, a Resolução BCB 96, de 19 de maio de 2021. Ou seja, seria impossível atualizar contas de pagamento na forma da Resolução CMN 4.753/2019, como preconizado pelo art. 45 da Lei 14.973/2024.

Outros recursos informados no SVR podem eventualmente estar depositados em instituição financeira, mas não pela pessoa legitimada à sua devolução. Recursos não procurados relativos a grupos de consórcio encerrados, por exemplo, são depositados e aplicados em instituição financeira pela administradora de consórcio, sendo esta (e não a instituição financeira) devedora da restituição ao antigo consorciado.

Tarifas e parcelas de operações de crédito cobradas indevidamente que não tenham sido depositadas em conta do cliente credor da restituição (que podia nem ser correntista da instituição) tampouco configuram recursos existentes em contas de depósito. Nenhum desses casos ensejaria atualização pelo titular na forma da Resolução CMN 4.753/2019.

Em resumo, seria ilegal a transferência para o Tesouro Nacional de qualquer “recurso esquecido” que não decorra de conta de depósito em instituição financeira, não atualizada conforme a Resolução CMN 4.753/2019.

Artigo publicado originalmente no Jota.

Autores L&S

Luiz Roberto de Assis

Luiz Roberto de Assis

Sócio

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