Offshores: tributação de lucro não realizado
Este será o primeiro ano em que pessoas físicas detentoras de determinadas sociedades controladas no exterior (offshores) passarão a pagar anualmente Imposto de Renda (IR) sobre o lucro por elas apurado, independentemente da distribuição dos resultados. Por exigência da regulamentação contábil, flutuações no valor das aplicações financeiras, em razão de sua avaliação a valor justo, podem ter que integrar o lucro dessas offshores mesmo antes da sua realização (alienação, liquidação, baixa). E ao considerar os expressivos resultados das bolsas americanas em 2024, é possível que diversas offshores apurem significativas altas, que, no entender da Receita Federal (RF), deverão ser tributadas, como indica a questão 32 do Perguntas e Respostas da RF sobre a Lei 14.754/2023.
Variações positivas de avaliação a valor justo de ativos são ganhos não realizados e não definitivos. Apesar disso, os Pronunciamentos 39 e 48 do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) estabelecem que em diversas situações ativos financeiros devem ser mensurados ao valor justo com contrapartida em resultado.
No entanto, tais variações não deveriam ser oferecidas à tributação pelo IR antes da efetiva realização do lucro.
Isso porque, sendo ganhos não realizados e meramente hipotéticos, não denotam capacidade contributiva nem efetivo acréscimo patrimonial passível de tributação até a realização do respectivo investimento. Antes do evento de alienação, liquidação ou baixa do ativo, não há renda nem acréscimo patrimonial econômica ou juridicamente disponível (fato gerador do IR), nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional.
O próprio CPC 46, que trata da mensuração do valor justo, define valor justo como sendo “o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração”. O termo “seria” denota claramente situação hipotética, não realizada. O mesmo CPC dispõe ainda que a mensuração do valor justo “presume” que o ativo ou o passivo é trocado em uma transação não forçada entre participantes do mercado para a venda do ativo ou a transferência do passivo na data de mensuração nas condições atuais de mercado. O termo “presume” igualmente denota mera conjectura, suposição ou hipótese calcada em eventos que poderiam ter se realizado, mas que não se passaram.
A natureza hipotética (e, portanto, não tributável) dos ganhos de avaliação a valor justo de ativos não realizados já é reconhecida por outras normas tributárias vigentes. São elas elementos fortes de persuasão, na medida em que mostram segundo interpretação sistemática do Direito Tributário Brasileiro a impossibilidade de tributação dos ganhos não realizados.
Por exemplo, a Lei 12.973/14 já confere neutralidade tributária a esse tipo de ganho para empresas nacionais até a realização do ativo, desde que mantidos os devidos controles contábeis em subcontas vinculadas aos ativos (e.g. arts. 13 e 26). De forma similar, o art. 4º da Lei 9.959/00 também prevê que a contrapartida da reavaliação de quaisquer bens da pessoa jurídica somente poderá ser computada em conta de resultado ou na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL quando ocorrer a efetiva realização do bem reavaliado.
Na mesma linha, o Parecer Normativo CST 11/76 prevê que as receitas que dependem de evento futuro, por sua natureza aleatória, deverão ser contabilizadas apenas quando de sua disponibilidade jurídica. Proceder de forma distinta corresponderia a fixar o valor de alienação, liquidação ou baixa do ativo antes dessas operações se concretizarem; antes de o contribuinte ter qualquer disponibilidade jurídica sobre o produto de tais operações (item 4.1).
Não custa lembrar que os padrões contábeis internacionais, nos quais se pautam os pronunciamentos CPC, foram elaborados com o objetivo de fornecer informações financeiras sobre a entidade que reporta que sejam úteis para investidores e credores, na tomada de decisões referentes à oferta de recursos à entidade. É o que dispõe textualmente o CPC 00 – Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro. Apesar de o lucro tributável ser apurado a partir das normas contábeis, não são todas as normas contábeis que são compatíveis com as regras e princípios tributários.
Pessoas físicas residentes no Brasil que mantenham investimentos no exterior realizados por meio de offshores não submetidas ao regime de transparência fiscal (regime no qual ativos da sociedade são considerados como ativos detidos diretamente pela pessoa física), e que se vejam obrigadas a reconhecer em resultado as variações no valor justo de ativos financeiros, antes mesmo de sua realização, poderão se opor à tributação anual desses resultados ainda não realizados, mesmo que tenham sido contabilizados no resultado da controlada, considerando o não perfazimento do fato gerador do IR até a realização.