Compartilhamento de despesas no Carf

Vinicius Branco 04/07/2022

Há exatos 30 anos, o então Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda - atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) -, decidiu sobre questão peculiar no campo do direito tributário.

Na ocasião, uma fabricante de bebidas convencionou compartilhar, com a empresa distribuidora de seus produtos, despesas de serviços de propaganda e marketing.

Por razões de praticidade e eficiência administrativa, aventou-se que essas despesas seriam integralmente quitadas pela empresa fabricante, e em seguida reembolsadas parcialmente pela empresa distribuidora, segundo determinados critérios e prazos previstos no instrumento contratual.

Ao tomar conhecimento dos fatos, a fiscalização autuou a fabricante por entender não se tratar de reembolso, e sim efetiva receita resultante de faturamento. Por essa razão, deveria ser incluída na base de cálculo da extinta Contribuição para o Finsocial, substituída pelas contribuições para a Cofins.

Naquele julgamento, o então Conselho de Contribuintes decidiu que o propósito dessas despesas não era outro senão estimular a venda dos produtos fabricados pela autuada e distribuídos por sua parceira comercial, em benefício de ambas. E se as despesas com propaganda e marketing contribuíram para o aumento da receita tributável das duas empresas, nada mais justo que fossem compartilhadas entre si (acórdão nº 201-64.573).

O compartilhamento de custos e despesas em casos como esse não é facultativo, e sim obrigatório, em face do princípio contábil do emparelhamento das despesas com as correspondentes receitas (matching principle), segundo o qual os gastos incorridos em um determinado período são associados às receitas que os justificam, independentemente de sua realização.

Ou seja, não houvesse o reembolso, a fabricante acabaria por contabilizar despesas cujo valor seria desproporcional ao benefício auferido com a campanha de propaganda, enquanto a distribuidora registraria receita adicional resultante do aumento de vendas sem incorrer em qualquer custo, resultando evidente distorção.

Em resumo, o que interessa para fins tributários é saber se naquele caso a atividade de propaganda e marketing inseria-se na atividade-fim das empresas contratantes, e se as despesas incorridas a esse título foram adequadamente mensuradas e proporcionalmente alocadas entre as empresas participantes.

Se não guardarem qualquer relação com a atividade principal, estiverem corretamente documentadas, e se o compartilhamento obedeceu a critérios técnicos razoáveis, não haverá porque o fisco se imiscuir na contratação para formalizar exigência fiscal, pois isso significaria intromissão indevida na relação entre particulares.

Surpreende, pois, que o Carf confunda conceitos jurídico-contábeis para decidir de forma contrária ao contribuinte, como o fez em recente julgado, no qual assentou que as recuperações de custos/despesas devem ser tributados, “uma vez que não apenas o ingresso de recursos na entidade com aumento do seu ativo (sem contrapartida no passivo) representa receita, mas também aqueles benefícios econômicos decorrentes de diminuição de passivo (sem contrapartida no ativo) também têm efeito positivo no patrimônio líquido da entidade, da mesma forma se caracterizando como receita. (acórdão nº 3402-005.553).

A decisão peca por equívocos nas suas próprias premissas. A empresa reembolsada deve contabilizar como despesa efetiva apenas a parte que lhe diz respeito, registrando o valor reembolsável em contas a receber (por constituir mero adiantamento), e não como receita, por nada acrescentar a seu patrimônio.

Tampouco há a alegada redução de passivo, dado que o valor da despesa incorrida pela fabricante com os serviços de propaganda deve ser segregado contabilmente e lançado diretamente em contas de resultado.

Irrelevante, por fim, a ausência de disposição legal expressa que contemple a exclusão do valor correspondente ao reembolso de despesas da base de cálculo do PIS e da Cofins, invocada pelo Carf como fundamento adicional, por ser juridicamente impossível excluir da base de cálculo dessas contribuições algo que jamais deveria ter sido incluído. Insistir nesse ponto significaria, em última instância, imputar à empresa reembolsada o exercício da atividade não condizente com seu objeto social.

É bem provável, aliás, que nenhuma autuação ocorreria se a fabricante e o distribuidor tivessem contratado os serviços de propaganda e marketing diretamente com o prestador, evitando o reembolso. Essa é mais uma prova de que o fato de ter havido compartilhamento, por si só, não implica auferimento de receita, nem aumento de despesa.

Lamentavelmente, tudo indica que continuaremos à mercê dos humores do Carf até que a matéria seja definitivamente dirimida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), cujos poucos julgados permitem alimentar a esperança de que o inconfundível conceito de receita seja finalmente compreendido, e que os contratos de compartilhamento de despesas sejam desmistificados e considerados como eficiente instrumento de administração empresarial.

Link para matéria no Valor.

Imagem: As Photography/Pexels

Autores L&S

Vinicius Branco

Vinicius Branco

Sócio

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