Os Juros sobre o Capital Próprio (JCP) vêm sendo calculados desde 1999 com base em taxa notoriamente aviltada. Contribuintes têm pleiteado na Justiça a correção de tal injustiça mediante a aplicação da Taxa de Longo Prazo (TLP) instituída em 2017, ou de sua fórmula de cálculo. Essas ações vêm sendo julgadas improcedentes, principalmente ante o princípio de legalidade estrita. No entanto, caminho alternativo pode levar a resultado positivo para o contribuinte.
Em 1995, a Correção Monetária do Balanço (CMB) foi extinta. Seu cálculo permitia expurgar do lucro líquido parte dos efeitos da inflação, de modo a, tanto quanto possível, tributar apenas o lucro efetivo da empresa.
O legislador constatou que a extinção da CMB geraria inequidade fiscal. Empresas mais capitalizadas acabariam sofrendo maior tributação que empresas mais endividadas, que no cálculo dos tributos sobre a renda deduziam juros incorridos.
Para mitigar essa distorção, que tributariamente incentivava empresas a se endividarem, foi instituída a dedutibilidade fiscal dos JCP. Grosso modo, o resultado da aplicação de taxa de juros de mercado sobre o patrimônio líquido poderia ser distribuído aos acionistas e deduzido da base de cálculo da tributação da renda da empresa.
Essa taxa correspondia à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), na forma da Medida Provisória (MP) nº 684/1994, que considerava a rentabilidade nominal média, em reais, dos títulos da dívida pública externa e interna de aquisição voluntária.
Contudo, por meio da Medida Provisória nº 1.921/1999, a fórmula da TJLP foi alterada. Passou a ser considerada a meta de inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e um prêmio de risco, correspondente à média ajustada de remuneração da NTN-B. O objetivo declarado foi reduzir os juros cobrados sobre operações de crédito referenciadas à TJLP.
A desconexão da TJLP/1999 com o efetivo custo de captação foi evidenciada quando da instituição da TLP pela Medida Provisória nº 777/2017, que passou a referenciar as operações financeiras contratadas a partir de 2018. Essa taxa passou a considerar a variação do IPCA e taxa de juros prefixada estabelecida de acordo com rendimentos da NTN-B. Mas a TJLP/1999 modificada e desidratada foi expressamente mantida “para as finalidades previstas em legislação específica”.
Dado esse cenário, contribuintes entraram na Justiça pleiteando o direito de calcular os JCP a partir da TLP, ou requerendo o cálculo da TJLP a partir dos mesmos critérios da TLP. Argumentam, com propriedade, que a utilização da TJLP/1999 para cálculo dos JCP ofenderia, especialmente, o conceito constitucional de renda, a capacidade contributiva e a isonomia. Alegam também que a TJLP/1999 teria desvirtuado as finalidades dos JCP, quais sejam: a de equiparar, para fins fiscais, o capital próprio ao de terceiros.
Até o momento, esses pleitos foram indeferidos pelo Judiciário. Os julgados, em sua maioria, não negam que os componentes da TLP provavelmente traduziriam melhor a realidade econômica que aqueles componentes da TJLP/1999. No entanto, de forma preponderante, adotam argumento no sentido de que, ante o princípio da legalidade estrita, não caberia ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo.
Os primeiros processos do tema chegaram há pouco ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que em breve se manifestará a respeito. De todo modo, parece-nos desde já ser possível adotar caminho alternativo quanto ao pedido dessas ações, que superaria o sensato óbice levantado pelos tribunais.
Parece-nos claro que a utilização da TJLP/1999 para fins de cálculo dos JCP não está adequada, de modo a redundar em importantes inconstitucionalidades e em desvio de finalidade. Mas o reconhecimento de tais vícios não levaria à aplicação da TLP ou de sua fórmula de cálculo.
Quando do julgamento de matéria distinta da em discussão nesse texto, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou, no Recurso Extraordinário (RE) 208526, a inconstitucionalidade do índice de correção monetária instituído pelo Plano Verão para fins de CMB, por ter sido ele insuficiente para captar a inflação efetivamente verificada no período. No entanto, e de forma semelhante ao que se defende aqui, o STF reconheceu sua incapacidade para atuar como legislador positivo e deixou de estipular o índice de inflação que substituiria o inconstitucional índice do Plano Verão. O tribunal decidiu apenas que ficaria restabelecida a legislação anterior quanto à correção.
Nesse cenário, mais apropriado requerer ao Judiciário a declaração da inconstitucionalidade da TJLP/1999 para fins de cálculo dos JCP, de modo que, por repristinação, possa o contribuinte considerar a TJLP/1994 como índice adequado. Por sua vez, ao considerar que há mais de 25 anos a TJLP/1994 não é calculada, deve também ser assegurado ao contribuinte o direito de não sofrer glosas de eventuais excessos de JCP, a não ser que a Fazenda esteja devidamente amparada pelos cálculos oficiais do Banco Central. Até lá, pode-se utilizar como referência para fins de estimativa o custo médio do estoque da dívida pública federal divulgado pelo Tesouro Nacional, que se aproxima do que previa a MP 684/1994.
Artigo publicado no Valor Econômico.