Cobrança ilegal de ITCMD na transmissão de participações societárias
Na transmissão por doação ou causa mortis de participação societária sem cotação em bolsa e não negociada nos últimos 180 dias anteriores à transmissão, a lei do Imposto sobre Transmissões Causa Mortis e Doações - ITCMD do Estado de São Paulo (Lei nº 10.705/2000, art. 14, §§ 1º e 3º, em sua atual redação) admite expressamente como base de cálculo desse imposto (valor venal) o uso do valor patrimonial (valor proporcional de patrimônio líquido) da participação transmitida ou o valor declarado pelo contribuinte, ressalvada, neste último caso, a possibilidade de revisão pela autoridade fiscal.
A lei paulista não obriga o contribuinte a usar como base de cálculo do ITCMD o valor nominal de capital da participação transmitida nem seu valor de custo informado na Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) do transmitente, caso estes valores superem o valor patrimonial da participação. O valor nominal frequentemente – mas não necessariamente – coincide com o valor de custo da participação.
A legislação do Imposto de Renda (IR), por sua vez, permite que os bens ou direitos transmitidos por doação ou causa mortis sejam transferidos pelo valor de custo declarado pelo transmitente em sua DIRPF, independentemente da avaliação adotada para efeito do pagamento do ITCMD (art. 23 da Lei n. 9.532/1997 e art. 20, caput e §2º, da Instrução Normativa SRF nº 84/2001).
Não obstante, a Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo (SEFAZ/SP), em relação a ITCMD já recolhido com base no valor patrimonial, vem cobrando o imposto de forma ilegal sobre a diferença entre o valor de custo da participação societária – utilizado para fins de sua transmissão entre as DIRPFs do transmitente e do receptor – e seu valor patrimonial, utilizado corretamente como base de cálculo do ITCMD. A cobrança ocorre nos casos em que o valor de custo supera o valor patrimonial.
Em razão de convênio entre a Receita Federal e a SEFAZ/SP que permite o cruzamento de dados entre a DIRPF e a declaração do ITCMD, o órgão estadual tem acesso ao valor de custo declarado para fins de transferência entre DIRPFs e vem cobrando diferença de ITCMD – sem nenhum amparo na lei – quando esse valor supera o valor patrimonial da participação transferida.
Mais recentemente, o sistema online da SEFAZ/SP vem automaticamente exigindo o pagamento do ITCMD com base no valor nominal de capital da participação quando este supera o valor patrimonial, inviabilizando o recolhimento do imposto com base no valor patrimonial. O site da SEFAZ/SP (declaração de ITCMD) exige que o contribuinte informe tanto o valor nominal de capital quanto o valor patrimonial da participação, e adota automaticamente o maior deles como base de cálculo do ITCMD, sem permitir indicação de outro valor. O contribuinte se vê obrigado a pagar o imposto majorado ilegalmente ou a buscar o Judiciário para fazer valer o seu direito.
Além disso, atualmente o ITCMD só pode ser recolhido por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Estaduais (DARE) gerado pelo site da SEFAZ/SP, conforme estabelece o art. 13, §1º, da Portaria CAT n. 15/2003 (em sua atual redação), impossibilitando o preenchimento manual ou por outro meio que permita a indicação do valor correto do imposto.
Tal cobrança é ilegal e passível de questionamento com alta probabilidade de êxito, já que a lei do ITCMD paulista não exige o recolhimento desse imposto com base no valor nominal nem com base no valor de custo utilizado para fins de transferência entre DIRPFs, se superiores ao valor patrimonial.
O contribuinte se depara então com alguns possíveis penosos caminhos diante da cobrança indevida.
O primeiro deles é impetrar mandado de segurança com pedido de liminar para afastar o ato coator e assim garantir o direito de não sofrer a cobrança ilegal. Essa opção vale tanto para o contribuinte que já conseguiu pagar o imposto com base no valor patrimonial ou no valor declarado, por meio dos sistemas antigos da SEFAZ/SP, mas veio a sofrer cobrança posterior com base no valor de custo ou no valor nominal, quanto para o contribuinte que ainda não tenha pago o imposto e se depara com as citadas restrições ilegais nos sistemas da SEFAZ/SP ao preencher a declaração de ITCMD e emitir a DARE para pagamento.
Neste último caso, podem surgir dificuldades com a prova do ato coator. O contribuinte deve demonstrar que o site da SEFAZ/SP pede informação do valor nominal e do valor patrimonial da participação e adota automaticamente o maior deles como base de cálculo do ITCMD para emissão do DARE, sem permitir indicação de outro valor. Para produzir essa prova, um contribuinte encontrou, no YouTube, vídeo de uma apresentação de fiscais da SEFAZ/SP que em dado momento mostra justamente essa situação – justificada pelo fiscal como uma forma de “facilitar a vida do contribuinte” – apresentou o link do vídeo e teve sua liminar concedida. O contribuinte deve demonstrar também que o ITCMD só pode ser recolhido por meio do DARE gerado pelo próprio site da SEFAZ/SP, e para isso basta indicar o citado art. 13, §1º, da Portaria CAT n. 15/2003.
O segundo caminho, aplicável ao contribuinte que já conseguiu pagar o imposto com base no valor patrimonial ou no valor declarado, por meio dos sistemas antigos da SEFAZ/SP, mas veio a sofrer cobrança posterior com base no valor de custo ou no valor nominal, é simplesmente defender-se de auto de infração lavrado para cobrança da diferença de ITCMD e acréscimos legais (multa de ofício de 100% do valor do imposto e juros de mora calculados pela taxa SELIC, mais 1% para o mês de pagamento).
O argumento de defesa é a clara ilegalidade da cobrança com base no valor de custo declarado em DIRPF ou com base no valor nominal, que não refletem o valor venal da participação transmitida, admitido pela lei do ITCMD paulista como o valor patrimonial da participação ou mesmo o valor declarado pelo contribuinte (nesse último caso ressalvada a possibilidade de revisão pelo Fisco).
O contribuinte que já tenha pago o imposto ilegalmente majorado e queira ser ressarcido pode requerer judicialmente a restituição da diferença paga indevidamente por meio de ação de repetição de indébito, cujos custos e riscos devem ser ponderados caso a caso.
Há decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo no sentido de que não há previsão legal para utilização do valor nominal como base de cálculo do ITCMD na transmissão de participação societária nessa hipótese, sendo correta a utilização de seu valor patrimonial contábil. Há também diversos julgados recentes do mesmo Tribunal confirmando a legalidade do uso do valor patrimonial contábil da participação societária como base de cálculo, em detrimento de um “valor patrimonial real” (próximo ao valor justo/de mercado de ativos de titularidade da sociedade) – também comumente exigido pela SEFAZ/SP sem base legal – o que reforça a tese de defesa.
No mandado de segurança citado linhas acima, o contribuinte foi inclusive autorizado, com base na letra expressa do art. 14, §1º, da Lei n. 10.705/00, a indicar outro valor – não o de custo, nem o nominal, nem o patrimonial – que lhe parecia melhor corresponder ao valor provável de venda, sujeitando-se a posterior revisão da SEFAZ/SP.
As variações dos casos concretos podem recomendar procedimentos e caminhos diversos, considerando sobretudo os custos e riscos relacionados a um litígio com o Fisco.
Imagem: Stevepb / Pixabay