Auditoria societária de instituições financeiras – um mau lugar para ser distraído
Faz tempo já que o trabalho de auditoria da empresa-alvo nas operações de negociação de controle societário passou a ser visto pelos ofertantes, ou por muitos deles, como uma etapa burocrática e ritualizada, sem significado mais profundo. Temerária em geral, essa estratégia torna-se suicida quando o alvo é uma instituição financeira. De fato, a contingência em caso de investimento em empresa não financeira limita-se ao capital investido.
Já na empresa financeira, seja banco, sociedade de crédito, financiamento e investimento ou outra, a consequência de eventual erro de avaliação é dupla. Em primeiro lugar, pode o Banco Central do Brasil (BCB) determinar a capitalização do negócio, com injeção de novos recursos para suprir deficiências. Em segundo lugar, mesmo sem o pedido de capitalização prévia, (e com certeza se não atendido) pode ser decretada a liquidação extrajudicial da instituição, levando a responsabilidade solidária de controladores (e administradores), bem como a indisponibilidade de seus bens. Nada em matéria de risco empresarial pode ser pior.
Assim, a auditoria societária em empresas financeiras precisa cobrir pontos específicos da regulação bancária, sob pena de ser pedida suplementação volumosa de seu capital, inclusive a novos controladores. Os mais importantes desses pontos indicamos abaixo.
As instituições financeiras precisam se adequar a complexas regras para calcular seu capital mínimo, que deve somar parcelas correspondentes aos riscos de crédito (não recebimento de empréstimos), de mercado (perda de valor de ativos) e operacional (incidentes danosos no desenrolar dos negócios), usando modelos padronizados ou internos.
Instituições financeiras devem fazer provisões de até 100% para créditos em atraso. O provisionamento se baseia em critérios objetivos ligados a tempo de atraso, mas esta é apenas sua coluna vertebral, pois ao Banco Central do Brasil são atribuídos amplos poderes para determinar correções com base em características gerais da operação e de seu tomador, e a consequente capitalização adicional da instituição.
Títulos e ativos financeiros detidos para negociação/venda devem ser marcados a mercado, devendo os demais ser registrados pelo custo de aquisição mais rendimentos auferidos. Trata-se de matéria delicada e que pode se prestar a interpretações subjetivas, com efeito direto na suficiência de capital.
Em passado recente insolvências bancárias foram provocadas por suposta manutenção de registro contábil de créditos contra terceiros já cedidos, visto estarem dentre os elementos do ativo de maior valor para instituição financeira típica. Hoje a regulação bancária criou registros abertos onde se pode aquilatar tanto a existência de cessão de créditos ligados a operações de varejo, como a titularidade de quaisquer ativos de crédito de instituições financeiras. O assunto tem complexidade visto que no primeiro caso só algumas operações são abrangidas, e no segundo o registro se faz de forma facultativa, sendo, portanto, aconselhável negociação prévia sobre sua inscrição com a instituição-alvo para maior segurança operacional.
Há ainda regra geral na regulação das instituições financeiras de que as operações devem atender o princípio da suficiência de garantias. Há que observar em operações envolvendo instituições financeiras que certos ativos devem ser objeto de registro específico, como os recebíveis detidos contra credenciadoras de cartões. E, nesse caso, problemas específicos e recentes de integração de registros experimentados pelas registradoras devem ser levados em conta ao se decidir pela extensão da análise.
Auditoria específica ligadas a aspectos regulatórios, com a preservação de auditoria societária normal em paralelo, não resolveria o problema, pois temas gerais de análise também ganham especificidade quando o alvo é uma instituição financeira. Por exemplo, a verificação rotineira de existência de contas em abertos entre empresas do mesmo grupo deve passar por crivo mais rigoroso, visto que se impõem limites a essas operações. Além disso, pagamentos a administradores devem levar em conta regras exigindo balanceamento de incentivos de curto e longo prazo.
Finalmente, a forma da auditoria de aquisição em instituições financeiras também tem particulares. A fiscalização delas hoje é em grande parte efetuada por via eletrônica, por supervisor do Banco Central que termina por conhecer em pormenores os negócios da instituição. Em vista disso, a revisão de ofícios da autoridade reguladora dirigidos à instituição, seguida de entrevista com o supervisor sobre pontos levantados, é ferramenta poderosa para aquilatar riscos.
Em resumo, temerária a entrada no controle de instituição financeira sem auditoria jurídica com conhecimento de normas regulatórias. Há uma infinidade de contingências possíveis, de que a relação exemplificativa acima não dá mais do que tímido exemplo.
Link para matéria no Valor Econômico.
Imagem: Expect Best/Pexels