Em tempos de pandemia, não são poucas as ideias e sugestões de como enfrentar os adversos efeitos econômicos por ela provocados. Lamenta-se, contudo, que sejam tão pouco criativas.
Aventa-se, no mais das vezes, o caminho fácil do aumento de tributos, seja mediante instituição de imposto sobre grandes fortunas, seja através da exigência de empréstimos compulsórios, do aumento do imposto sobre heranças e doações, ou ainda da previsão de novas hipóteses de incidência do imposto sobre serviços, deixando de lado alternativas mais eficientes e de maior espectro na atividade arrecadatória.
Uma das alternativas pouco lembradas reside na securitização de dívidas tributárias e não tributárias da União, Estados, Municípios e Distrito Federal, permitindo que o setor privado possa adquiri-las mediante deságio, cobrando-as diretamente dos devedores finais.
Iniciativa nesse sentido consta do Projeto de Lei (Complementar) do Senado Federal nº 204, de 2016, de autoria do Senador José Serra, aprovado por aquela Casa em 13 de dezembro de 2017.
O texto do projeto é conciso e objetivo, disciplinando em um único artigo a cessão onerosa de tais créditos, além de salvaguardar direitos dos entes públicos e assegurar à Fazenda a prerrogativa de cobrança judicial e extrajudicial dos créditos de que tenham se originado os direitos cedidos, donde se extrai tratar-se de competência não exclusiva do cessionário, e sim concorrente. Regra estranha e que mereceria alteração no texto, pois nenhum atrativo teria para um particular a aquisição de créditos em relação aos quais tivesse que concorrer com o Estado. Se a intenção é permitir a cobrança pelo Fisco agindo em benefício do adquirente, cumpriria dizer isso expressamente.
Embora se encontre pronta para pauta, sua apreciação na Câmara dos Deputados foi reiteradamente postergada, seja por falta de provocação do Executivo, seja por contrariar interesses dos procuradores fazendários, receosos em repartir o poder e perder a exclusividade no exercício dessa atividade.
A proposta recebeu 19 emendas versando sobre diversas questões, merecendo destaque (i) a fixação de limite máximo para o deságio em 50%; (ii) exigência de licitação pública para a cessão dos créditos; (iii) conceituação jurídica da securitização como venda definitiva de patrimônio público, e não como operação de crédito; (iv) garantia aos devedores de questionar judicialmente eventuais vícios na constituição dos créditos securitizados e, no caso de decisão que os reconheça, ressarcimento pela Fazenda do valor que tenha sido pago pelo cessionário, e (v) restrição da cessão a créditos que tenham sido objeto de confissão e parcelamento, reduzindo sensivelmente o escopo da atividade de securitização.
Após rápida tramitação no Senado, a proposta foi inexplicavelmente enviada ao arquivo da Câmara dos Deputados, e lá adormece desde 19 de novembro de 2018.
A retomada do tema mostra-se oportuna em face da gravidade da atual situação econômica, cujo combate deve se dar através de medidas de ordem prática que permitam mitigá-la, e que produzam efeito imediato.
Primeiro, porque as procuradorias não dispõem de estruturas que permitam cobrar seus créditos com a mesma agilidade e eficiência vista no setor privado, e disso resulta muitas vezes sua extinção por conta da prescrição, ou suspensão da cobrança por prazo indeterminado enquanto não localizados os devedores e seus ativos.
Além disso, desde que feita com critérios que assegurem rigor na precificação dos créditos e controle pela administração pública, a securitização proporcionará aumento imediato do valor de recursos ingressados nos combalidos cofres governamentais, tão importantes em momentos de brusca queda nos níveis de arrecadação.
Argumenta-se que a proposta peca por falhas e erros que comprometeriam a sua constitucionalidade. Sem entrar no mérito do texto já aprovado no Senado, se problemas existem, que sejam sanados por nossos representantes no Congresso Nacional, e havendo excessos, que sejam moderados em última instância pelo Poder Judiciário.
É hora, pois, de colocar de lado as prosaicas medidas que recomendam aumento generalizado da carga tributária. No seu lugar, devem ser instituídos métodos que permitam alcançar rapidamente o equilíbrio da nossa delicada situação fiscal.
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